O patriotismo e o caminho para a felicidade dos chineses
Tradução: Rafael V. da Silva
Traduzido o livro Problemas del anarquismo y la revolución en China.
Ba Jin.
Hoje em dia vemos a China converter-se numa sociedade em escuridão. Sob o peso desta obscuridade, alguns jovens conscientes propõem que a única maneira de salvar a China desta situação miserável é promover o "patriotismo", tomar o patriotismo como o único caminho para a felicidade dos chineses. Pelo mesmo motivo, a palavra "patriotismo" é ouvida em todo o país. Este é um fenômeno terrível. Creio que o "patriotismo" é um obstáculo a evolução humana. Como membro da humanidade minha consciência me move a rechaçar semelhante falácia e a oferecer minha própria sugestão a respeito do "caminho para a felicidade dos chineses". As palavras que digo surgem de minha consciência. Creio que num país tão grande como é a China, deverá haver mesmo que sejam alguns poucos com a consciência para apoiar minhas ideias.
"O que é o patriotismo"? Tolstói nos diz corretamente que o patriotismo é "como uma máquina de moto. O que pratica é a arte do homicídio, o que discute é de que maneira assassinar. Não tem nada a ver com a vida real das massas".
Por surpreendente que soe, esta citação captura perfeitamente o espírito do "patriotismo". Com exceção de alguns caudilhos cruéis e dos políticos, os seres humanos se opõe e condenam as guerras, e a origem das guerras, de fato, é o "patriotismo". Se os seres humanos se amaram e trabalharam juntos em paz, por que haveria guerras? O "patriotismo" nasceu na "Época do instinto animal", quando o Estado nasceu. O Estado se caracteriza pelo egoísmo e a hipocrisia. A fim de satisfazer sua paixão animal, o Estado força a sua população a invadir outras terras e morrer. A vitória bélica traz prazer aos caudilhos e aos políticos, e o fracasso bélico arranca a carne e o sangue do povo que paga seu preço. A guerra beneficia de alguma maneira as pessoas comuns? Desafortunadamente, o povo se encontra em total desconhecimento de que o chamado "patriotismo" é uma arma com a qual se assassina a seus entes queridos. O "patriotismo" é uma monstruosidade que assassina. Por exemplo, no final do século XIX o governo alemão promoveu o sentimento patriótico e implementou o alistamento militar. Todos os adultos, incluído os intelectuais e sacerdotes, deviam prestar serviço militar e assim assassinar segundo as ordens dos militares e políticos. Ordenavam-lhes assassinar trabalhadores em greve, inclusive se eram seus pais e irmão. Que desgraça! Poderia haver algo mais cruel e selvagem que isso?
Creio que a promoção do patriotismo jamais poderá significar a felicidade dos chineses; ao contrário, trará misérias. O único caminho para que os chineses busquem a felicidade é a abolição das seguintes instituições:
I. GOVERNO: O governo é a instituição do poder autoritário. Protege as leis, nos assassina, nos priva dos meios de vida, nos insulta e ajuda o capitalismo a assassinar os pobres. Nós, os seres humanos, nascemos para ser livres por natureza, mas o governo criou muitas leis com as quais nos amarram; amamos a paz, mas o governo nos impulsiona a guerra; supostamente deveríamos praticar o apoio mútuo com nossos compatriotas do mundo, mas o governo nos força a competir. Tudo o que o governo faz, contradiz a vontade da vasta maioria do povo. Por sobre tudo, o governo é a base do patriotismo. Se quisermos buscar a felicidade, nossa prioridade deve ser derrotar o governo.
II. PROPRIEDADE PRIVADA: A propriedade privada é fruto do saqueio. A propriedade originalmente pertencia a todos os seres humanos, mas um número reduzido de pessoas, por meio de seu poder e de seus conhecimentos, se apropriou da propriedade comum. Isto levou aos mais débeis se virem sem teto, e a que os mais poderosos puderam comprar a força de trabalho alheia. Eles desfrutam do que produzem os trabalhadores, enquanto a estes não lhes resta nada. A propriedade privada é a injustiça número um do mundo. Além disso, a propriedade privada levou a rivalidade, ao roubo, ao latrocínio e a degeneração moral. É a propriedade privada que tem mantido o governo por tanto tempo. Consequentemente, a abolição da propriedade privada fará mais fácil a abolição do governo.
III. RELIGIÃO: A religião acorrenta o pensamento humano e obstaculiza a evolução humana. Enquanto queremos a busca da verdade, ela nos entrega superstições; enquanto queremos o progresso, ela nos pede para sermos conservadores. Alguns sacerdotes dizem: "Deus é onipotente. Deus é a verdade, justiça, gentileza, beleza, poder e vitalidade, enquanto que o Homem é a falsidade, a injustiça, a maldade, a fealdade, a impotência e a morte; Deus é o senhor, o Homem um escravo. O Homem, por si só, não é capaz de alcançar a justiça, a verdade, a vida eterna, e deve seguir as revelações de Deus. Deus criou o mundo, e os monarcas com seus oficiais representam a Deus e merecem ser servidos pelo povo" (Isto é o que Carlos I da Inglaterra chamou de "direito divino dos monarcas"). Esta é a essência da cristandade e podem apreciar-se muitas similitudes com algumas das religiões menos importantes. O comentário de Bakunin: "Se deus realmente existisse, seria necessário aboli-lo" é grandioso. Há que torná-lo realidade.
As instituições discutidas são todas nossas inimigas. Antes de tomar o rumo pelo caminho da felicidade, é preciso aboli-las. Então, distribuiremos a propriedade, iniciaremos nossas associações livres, praticaremos os princípios do apoio mútuo, de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades, todos para um e um para todos. Não é essa uma vida feliz? No entanto, temos de pagar um preço para obter essa felicidade. Qual é esse preço? É o sangue quente de muita gente. Bakunin disse: "Nada deste mundo é mais excitante e prazeroso que a empreitada revolucionária! Que preferirias? Que tua vida se passara em tua submissão ao poder despótico ou arriscar valorosamente tua vida numa luta sem tréguas contra a tirania?" Que entusiasta valoroso! Espero que vocês, amigos, se unam a nós e contribuam com seu sangue quente a mais excitante e prazerosa das empreitadas revolucionárias! Marchemos juntos pelo caminho da felicidade!
El despertar del pueblo, n01, 1 de setembro, 1921.
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