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A presença dos EUA na América Latina e a mentalidade colonizada da elite brasileira

category internacional | imperialismo / guerra | opinião / análise author Friday November 13, 2015 10:58author by BrunoL - 1 of Anarkismo Editorial Groupauthor email blimarocha at gmail dot com Report this post to the editors

12 de novembro de 2015, Bruno Lima Rocha

"Os jovens nascidos na era da comunicação cibernética estão com menos freios para incorporarem as marcas e a cultura do consumo suntuoso que marcam a vida cotidiana nas metrópoles dos EUA. Isto pode ser tristemente evidenciado observando a presença da juventude de periferias em shopping centers brasileiros, trajando roupas com mímicas e trejeitos estadunidenses", afirma Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.

Eis o artigo.
México e Colômbia, são os dois mais afetados pela ingerência dos Estados Unidos, especificamente através de sua agressiva política anti-drogas, ou alegadamente anti-narcóticos, comandada pela força conjunta da Agência Federal Antidrogas (DEA) e da Agência
México e Colômbia, são os dois mais afetados pela ingerência dos Estados Unidos, especificamente através de sua agressiva política anti-drogas, ou alegadamente anti-narcóticos, comandada pela força conjunta da Agência Federal Antidrogas (DEA) e da Agência

Abertura: Neste texto, realizo uma reflexão ao estilo ensaístico, observando como a juventude das classes subalternas brasileiras termina por se mimetizar com o andar de cima e, através deste, sendo duplamente alvo de ataques ideológicos, na forma tanto da aculturação como da incorporação de valores de mercado no dia a dia. O consumo suntuoso e a bolha de crédito, bandeiras do pacto lulista (conservador e capitalista), operam reforçando esta carga valorativa. Vamos ao debate.

Um tema recorrente

Em artigos anteriores com esta mesma temática abordei o Tratado Transpacífico (TPP) e a necessidade da superpotência em tentar o contra-ataque à expansão chinesa e sua aliança que se solidifica com a Rússia. Em outros momentos, analisei o avanço das propostas de tipo economia integrada com pouco ou nenhum valor agregado, como é o caso da chamada Aliança do Pacífico, composta por Chile, Bolívia, Peru e México. Dentre estes, dois países, México e Colômbia, são os dois mais afetados pela ingerência dos Estados Unidos, especificamente através de sua agressiva política anti-drogas, ou alegadamente anti-narcóticos, comandada pela força conjunta da Agência Federal Antidrogas (DEA) e da Agência Central de Inteligência (CIA).

Para além da Aliança do Pacífico, observamos no caso completo latino-americano, temos atualmente a interdependência de todos os nossos países para com a China e sua enorme capacidade de investimento, além da eterna “doença holandesa”, quando nossos países, Brasil à frente, insiste em operar como plataforma agro-exportadora e extrativista, focando no mercado chinês como novas fronteiras comerciais. Já foi debatido neste espaço a absurda primarização das estruturas produtivas brasileiras e dos países Hermanos, assim como o equívoco de apostar em soluções transitórias do pacto de classes, onde o populismo (ou o conceito de liderança carismática policlassista) quase sempre termina por roer a corda.

Se há uma rara exceção deste é o caso venezuelano, onde ao menos o governo de Chávez e seu sucessor montaram uma retaguarda mobilizada. Fica a crítica para Venezuela, Bolívia e Equador no sentido da necessidade de liderança carismática, de permanente manutenção das estruturas de poder e da falta de protagonismo do povo organizado. Se estas condições se materializassem, seria possível pensar em saídas de democracia semidireta e formas de poder emanados sem a intermediação das burocracias profissionais.

A Doutrina Monroe agora se aplica através dos “Diálogos Interamericanos” e do capital financeiro

Se já não temos a presença ostensiva do Império, sendo que as ameaças de aplicação da Doutrina Monroe não se fazem tão presentes como no período da Guerra Fria, é um terrível engano subestimar a projeção de poder de Washington sobre nossas sociedades. O México é um caso a parte, país dilacerado pela expansão sub-imperialista ainda no período do Destino Manifesto e hoje tem grande parcela de sua economia – legal e ilegal – vinculada ao fluxo de capitais dos EUA. Já os países do sistema Caribe-Antilhas, incluindo os centro-americanos, ainda têm toda sua história no tempo presente vinculada aos desígnios e posicionamentos do Comando Sul do Império.

Na América do Sul, através do Plano Colômbia e do Diálogo Interamericano e seu programa de “prevenção às drogas” (ver: dialogo-americas.com) as agências de espionagem e as forças regulares realizam um cerco estratégico sobre a Amazônia, especificamente cercando a Amazônia Brasileira com tropas terrestres. Já no Paraguai, ainda com a alegação de combate contra ilícitos e através de acordos bilaterais, duas bases estadunidenses estão assentadas sobre o Aquífero Guarani. A todo este potencial de agressão somemos o cerco ao Atlântico Sul (EUA e Inglaterra) e a agressividade da Aliança do Pacífico, costurada com Tratados de Livre Comércio (TLCs) de seus membros com os Estados Unidos.

Mesmo com todo o poderio militar e a tradição imperial, ouso afirmar que o maior dano dos EUA sobre nossos países não está hoje em sua dimensão econômica ou bélica, e sim no âmbito financeiro (pelo regramento e o esquema de fraude estrutural articulado no eixo Nova York-Londres) e, em escala superior, no plano da cultura e projeção ideológica. O conceito de soft power – poder branco ou suave - cunhado pelo professor de Harvard Joseph Nye, forma a melhor definição de domínio difuso dos Estados Unidos no Continente. Não haveria concordância total e por vezes sequer parcial com a política externa de Washington, mas é tamanha a difusão de valores, cultura, presença institucional e educacional (incluindo o sistema universitário), além da obrigatoriedade do domínio da língua inglesa que é perceptível esta onipresença simbólica do Império.

O Império está presente em todas as classes sociais brasileiras

A onipresença acaba por influenciar na formação de mentalidades, com especial efeito no maior país latino-americano. Ainda que exista uma maior aproximação nos últimos doze anos, estruturalmente a sociedade brasileira (através do colonialismo interno e subserviente da elite dirigente e das frações de classe dominante), ainda reproduz as formas mais banais de colonialismo, colocando-se de costas para o Continente. Algumas evidências deste doentio afastamento do Brasil para os países Hermanos podem ser facilmente verificadas: temos elevada desinformação de nossas conjunturas comuns; boa parte da classe média e quase toda a classe alta brasileira fala inglês, mas sequer arranha o castelhano; o consumo cultural em língua espanhola de América é ínfimo se comparado com o lixo cultural em língua inglesa, incluindo todas as subculturas deste período da internet.

Infelizmente o fenômeno atravessa todas as classes, incorporando na massa da periferia e subalterna os códigos das juventudes do Império; mas sem trazer os elementos de rebeldia e antirracismo de latinos e afro-americanos. Os jovens nascidos na era da comunicação cibernética estão com menos freios para incorporarem as marcas e a cultura do consumo suntuoso que marcam a vida cotidiana nas metrópoles dos EUA. Isto pode ser tristemente evidenciado observando a presença da juventude de periferias em shopping centers brasileiros, trajando roupas com mímicas e trejeitos estadunidenses.

Aculturação e colonialismo de mentalidade formam o binômio que estruturam o andar de cima latino-americano e seu complexo de vira-latas. Para desgraça coletiva, o país que mais adere ao código simbólico e projeção cultural eurocêntrico e anglo-saxão é justamente o Brasil. Parece que vivemos sob a eterna maldição do golpista de 1964 e general do Exército de Caxias, Juracy Magalhães, ao proferir a ignóbil frase: “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil!”. Mais estratégica do que a frase entreguista clássica é a definição do Pentágono e da Casa Branca a respeito do peso relativo do Brasil para o Continente: “para onde for o Brasil, irá a América do Sul e talvez toda a América Latina”. As assertivas, já de domínio comum e ultrapassando o terreno apenas de especialistas em história e geografia política e relações internacionais, indicam o óbvio. A formação de mentalidades dos brasileiros é o embate estratégico para os latino-americanos.

Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais

Site: www.estrategiaeanalise.com.br
Email: strategicanalysis@riseup.net
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