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Para pensar, a partir de São Paulo, nos Brasis do lulismo

category brazil/guyana/suriname/fguiana | a esquerda | opinião / análise author Tuesday October 30, 2012 21:55author by Bruno Lima Rocha Report this post to the editors

Antes que algum desavisado assim afirme, este não é um texto de apoio a vitória de Haddad e nem tampouco uma celebração cínica do início do fim do tucanato em São Paulo. Infelizmente, as preferências deste analista passam longe de serem realizadas neste pleito, aliás, em qualquer pleito na forma da democracia representativa e procedimental. Aqui analisamos trajetórias e capital simbólico de uma ex-esquerda que, arrependida de si mesmo, ganha com as armas e aliados dos antigos adversários.
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O ex-ministro da Educação de Lula, Fernando Haddad derrotou no segundo turno para a prefeitura de São Paulo, ao ex-ministro do Planejamento e da Saúde de Fernando Henrique Cardoso, José Serra. Eu mesmo escrevi que Lula elegera um poste falante, e não me arrependo do conceito. É óbvio que a formação acadêmica de Haddad e sua trajetória na interna do partido o qualificam como operador político. Também passa pela obviedade que as políticas advindas do Enem, do Prouni e a implantação das cotas, criaram uma relevante camada intermediária na população brasileira. Também é abissal a comparação de trajetórias do ex-presidente da UNE no governo João Goulart e economista com doutorado por Cornell (Serra) e do bacharel em direito pelo XI de Agosto. Haddad é fruto da política pós-Abertura e reorganização partidária de 1979. Serra é herdeiro da transitologia de FHC e Juan Linz, passando da Ação Popular (AP) para as políticas cepalinas e logo após, para um corte desenvolvimentista sem conflito de classes.

Poderíamos ficar aqui por mais de uma centena de laudas comparando e acrescentando detalhes em ambos os currículos, tanto na política partidária, como em teses acadêmicas, terreno este onde, por sinal, Haddad tem mais familiaridade recente. Mas, eleição não trata disso, aliás, eleição pouco ou nada se relaciona com carreiras políticas. No estado de São Paulo, o eleitorado, massivamente, vem optando por quase duas décadas pela saída à la tucana. Após o desastre da herança quercista, com Luiz Antônio Fleury Filho (então no PMDB de Orestes, em cujo governo tivera atuação destacada o ex-guerrilheiro Aloysio Nunes Ferreira, hoje senador pelo PSDB-SP) e o Carandiru (02 de outubro de 1992), antecedido da falência do Banespa (!), o malufismo deparou-se com o discurso ainda egresso do MDB de Mário Covas. Dotados de brio paulista e paulistano, parte da “esquerda” apoiara o ex-prefeito de Santos no rumo do Palácio dos Bandeirantes. Inaugurava-se ali, no hoje longínquo ano de 1994 – no auge do neoliberalismo em escala ideológica e política – a ascensão dos ex-correligionários de Franco Montoro, no prumo de se tornarem partido de governo. Eleições passadas, águas corridas por debaixo das pontes sobre o Tietê e Pinheiros. Para compreender Haddad hoje e seu progenitor na cancha grande da política profissional, precisamos retornar um pouco mais no tempo recente.

Na década anterior a Era FHC, ocorre a maior vitória política da esquerda reformista brasileira desde o fatídico Comício pela Reformas de Base, na central do Brasil (Rio de Janeiro), na fatídica sexta-feira 13 de março de 1964. O PT ganhou a prefeitura de São Paulo em 1988 tendo à frente Luiza Erundina, assistente social, nordestina, militante da Vertente Socialista. A VS, como era chamada, já no Congresso de 1990 torna-se ala moderada, aliada da Nova Esquerda, ex-PRC, cujo dirigente mais reconhecido era José Genoíno e, no sul, Tarso Genro. Outrora, nos primeiros anos, a Vertente se conformava como no campo mais à esquerda da legenda que sempre operara como uma frente de tendências. O governo de Erundina foi o toque da virada (rumo ao centro poderiam dizer os capas arrependidos, mais à direita diria um analista político), quando as experiências de democracia possível deram de frente com o jogo duro da política profissional como ela é. Vale observar que na década de ’80, poucos militantes poderiam galgar postos-chave ou projetarem-se sem estar afiliados a uma tendência ou corrente. Até 1989, uma boa parte delas tinha um funcionamento como partido político. O caso da Convergência Socialista (CS, cuja ala majoritária constrói o PSTU na década seguinte), era o mais emblemático. Após o Congresso de 1990, veio o abre alas para a meteórica escalada do pragmatismo e do possibilismo. Quase todas e quase todos os companheiros e companheiras tornam-se então “Marílias de um só Dirceu”. Estava aberto o caminho para a tal da governabilidade.

Voltando aos anos 2000, especificamente a partir de 1º de janeiro de 2003, a Carta ao Povo Brasileiro dizia exatamente o que se percebia. Em agosto de 2002, em meio a duríssima campanha rumo ao Planalto, Palocci recebe a FEBRABAN de braços abertos e estava aberto o caminho, rumo a uma transição lenta e gradual de parte da política econômica. Enquanto se perdia na versão tupiniquim de Sodoma e Gomorra em busca de maioria parlamentar a qualquer custo (que o diga o ministro relator do STF, Joaquim Barbosa!), o partido de governo promovia seus caciques paulistas à condição de grão-vizires de Luiz Inácio. Este, a quem comparo explicitamente a um Lech Walesa dos trópicos, recriava sua equipe em paralelo ao desastre de 2004 e 2005. A maioria no Congresso veio não sem seqüelas, como o racha que criara a legenda de Heloísa Helena e Luciana Genro (PSOL, já como uma frente de tendências), e a famigerada Reforma da Previdência, proeza que teve como cala a boca e tapa buraco o engavetamento da CPI do Banestado!

Passada a tormenta, veio o calvário da legenda como ela pretendia ser (uma ferramenta política reivindicativa) para, rapidamente, forjar-se uma nova elite dirigente, subordinada ao líder político e carismático mais relevante que este país já teve (e isto não é um elogio, apenas um reconhecimento). Habilmente, sem ferir setores-chave e sendo mordiscado pela mídia do PIG (a quem o governo adoça, mas morde), Lula abre alas para, em 2006, despejar sobre o Chuchu Alckmin todas as realizações de seus quatro anos. Conspiração Tabajara e Aloprados à parte, tal e qual o episódio da bolinha de papel e outras infames manobras midiáticas de 2010, o lulismo vence de lavada. Garantida a reeleição, constata-se que o líder carismático descola-se da legenda a qual ajudara a fundar em 1980! Por em cima das forças sociais organizadas do povo brasileiro, desorganizando o tecido social já frágil, promovendo uma ascensão social sem precedentes através do ingresso pela via do consumo e renda, a vida das maiorias melhorou consideravelmente. E, para espanto das elites, incluindo a alegria ampla geral e irrestrita de arrivistas empresariais (como a Delta), setores consolidados (como montadoras e mega-empreiteiras), e financistas (nunca antes na história deste país os bancos faturaram tanto), a massa de crédito e salário não abala o modelo de endividamento interno e financeirização da economia real. Não tem TFP e UDN marchando com Deus pela Democracia, até por que, uma boa parte destes herdeiros políticos no Planalto está.

Não resta dúvida. Materialmente, em dez anos vivemos muito melhor do que nas décadas anteriores. Há alguma socialização da riqueza, mas por dentro e com rubrica, através do, insisto, consumo e crédito pessoal. Quando há uma melhoria nas condições de vida sem isto passar por enfrentamentos populares, conflitos sociais e escalada de sindicalização é porque a regra do jogo mudou. E, como se vira na campanha de Haddad (tal e qual em centenas de outras pelo Brasil), as fotos de Lula e Dilma aparecem em propaganda eletrônica afirmando: “Eles indicam!” Luiz Inácio ganhou a eleição em São Paulo. Dilma Rousseff ganhou o pleito paulistano. O ex-ministro da Educação passeara ao lado de vampiros – como o esquema quercista e malufista (a Interpol que resolva!) – e com estes comemorara a vitória. Kassab, filho político das circunstâncias de Serra no rumo Palácio dos Bandeirantes (2006), descola-se de seu ex-padrinho e galga projeção nacional. Serra parte sombrio rumo ao enterro político, com FHC sorrindo ao lado do caixão simbólico. De algum canto, Mário Covas também deve estar comemorando, e, ao seu lado, Geraldo Chuchu sorri discretamente. Do lado petista, caciques e dirigentes “paulistocêntricos” abandonam o que resta (se é que ainda resta, parodiando Roberto Ribeiro) de sua identidade e partem para a prefeitura. Perdem tucanos e udenistas, sim. Ganham ex-udenistas e arenistas, também. Orestes, sorri nas profundezas; Adhemar de Barros também.

Infelizmente, nossa história não passa por um período onde as mudanças na estrutura da sociedade são precedidas de fortes movimentos populares ou celebração do conflito social em nome de justiça. Não, pagamos tributo às raízes conciliadoras de uma política de profissionais (José Bonifácio e os acordos do Congresso do Porto assim afirmam), cuja cultura é tão forte a ponto de transformar um líder operário pragmático, num cacique político cuja capacidade de manobra ultrapassa qualquer barreira orgânica. O maior partido de “esquerda” (ex-partido reformista, hoje, quando muito, social-democrata) latino-americano, o PT, aproxima-se perigosamente do PSOE espanhol (e isso não é um elogio político, muito pelo contrário). À sua frente, Luiz Inácio da Silva, cacique que elegera ao seu ex-ministro da Educação, Fernando Haddad. Como prefeito paulistano, o professor-doutor da USP (mais um entre tantos), comandará o terceiro maior orçamento de governo da América Latina. Está aberto o caminho para o retorno de Lula aos holofotes de campanha.

Bruno Lima Rocha

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