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Anarquismo Coletivista - O Bakuninismo

category brazil/guyana/suriname/fguiana | história do anarquismo | feature author Tuesday January 31, 2006 02:19author by Coletivo Pró Organização Anarquista em Goiás - Brasilauthor email proorganarquista_go at riseup dot net Report this post to the editors

Coletivismo: elementos de um programa anarquista

Este texto trata da corrente conhecida historicamente por coletivismo. Ela surge no século XIX, tomando a sua forma a partir da década de 60, quando é formada a Fraternidade Internacional Revolucionária e, posteriormente, a Aliança da Democracia Socialista. Trata-se da primeira forma política do anarquismo, um primeiro agrupamento de anarquistas. O objetivo do nosso texto é o de tentar compreender o coletivismo em sua totalidade, isto é, compreender o seu método de análise da realidade, os objetivos que apresentavam e os meios pelos quais acreditavam serem fundamentais para chegar ao objetivo finalista. Em uma palavra, poderíamos dizer que buscamos neste texto sintetizar o que seria um programa anarquista dos coletivistas.
A segunda importância de tratarmos deste tema, diz respeito ao fato de acharmos que o coletivismo ainda tem muitas contribuições para apresentar para a luta dos anarquistas na atualidade. Não se trata de ler Bakunin buscando-o como regra para a ação no mundo atual. Longe de nós tal idéia. Trata-se, sim, de compreender a totalidade do seu pensamento sabendo que ele é fruto de sua própria época, e poder, ao mesmo tempo, indicar o que ainda pode ser relevante e o que já não faz mais sentido para o nosso tempo.


ANARQUISMO COLETIVISTA
O BAKUNINISMO

PARTE 01
Texto produzido pelo COLETIVO PRÓ ORGANIZAÇÃO ANARQUISTA EM GOIÁS
Goiânia, Goiás - 2005


Coletivismo: elementos de um programa anarquista

Apresentação


Por trás do termo ‘anarquismo’ existe uma diversidade imensa de correntes. Coletivistas, individualistas, anarco-comunistas, anarco-sindicalitas, todos se reúnem sobre um mesmo termo, que, como já dizia um ditado citado constantemente por Bakunin, “se muito abraça, mal abarca”. A história do anarquismo foi construída em grande parte visando percorrer a unidade, o que havia de comum, de harmonia entre os anarquistas de todos os tempos e de todas as correntes. Esta busca daquilo que pudesse unir e dar sentido ao termo ‘anarquismo’ acabou por desmerecer ou, pelo menos, subestimar as diferenças e a especificidade de cada corrente. Torna-se extremamente falho acreditarmos que podemos extrair algumas partes do pensamento de cada corrente, isolando esta parte do todo, e assim chegar à compreensão do anarquismo. Isolar partes de um pensamento é tirá-lo de seu contexto e perder a possibilidade de compreensão de sua totalidade. Pois, muitos elementos do pensamento de uma corrente só têm sentido dentro da totalidade do pensamento desta corrente, isolados, se transformam em outra coisa.

Um exemplo disto é a idéia de liberdade individual, que para muitos historiadores do anarquismo, seria um princípio do anarquismo. Para os coletivistas, a liberdade do indivíduo é um produto coletivo, e, assim, só pode existir na sociedade e pela revolução da sociedade. Já os individualistas, quando falam em liberdade do indivíduo, falam em uma oposição entre indivíduo e sociedade e tratam toda coletividade como autoritária. Neste sentido, que princípio é este do anarquismo? Embora as palavras são as mesmas, “liberdade individual”, não se trata da mesma coisa. O conceito de liberdade, assim como vários outros conceitos, só podem ser compreendidos no interior do pensamento total de cada corrente do anarquismo, sem isolá-los de seu contexto e de seus nexos. Por isto, achamos importante fazer o processo contrário ao movimento de grande parte dos historiadores. Ao invés de buscarmos o que há de comum no anarquismo, achamos que é importante nos debruçarmos sobre cada corrente do anarquismo, compreendendo a sua totalidade e, portanto, o que há de mais característico nela. Achamos que assim poderemos começar a compreender o anarquismo com maior profundidade.

Este texto trata justamente da corrente conhecida historicamente por coletivismo. Ela surge no século XIX, tomando a sua forma a partir da década de 60, quando é formada a Fraternidade Internacional Revolucionária e, posteriormente, a Aliança da Democracia Socialista. Trata-se da primeira forma política do anarquismo, um primeiro agrupamento de anarquistas. O objetivo do nosso texto é o de tentar compreender o coletivismo em sua totalidade, isto é, compreender o seu método de análise da realidade, os objetivos que apresentavam e os meios pelos quais acreditavam serem fundamentais para chegar ao objetivo finalista. Em uma palavra, poderíamos dizer que buscamos neste texto sintetizar o que seria um programa anarquista dos coletivistas.

A fonte principal que utilizamos são os escritos de Bakunin. Ele foi, sem dúvida nenhuma, aquele que elaborou as idéias coletivistas e, sendo seus escritos de fundamental importância e mais acessíveis para nós do que os de seus outros companheiros coletivistas, os tomaremos como fonte fundamental. Desta forma, se confundirá o pensamento de Bakunin com o coletivismo. Pois, afinal o bakuninismo e o coletivismo são a mesma coisa.

Não trataremos aqui de compreender todo o pensamento de Bakunin de uma forma profunda, mas, pelo menos de forma bastante geral, alguns elementos fundamentais para a compreensão de seu programa anarquista. Pensamos que dois motivos justificam a nossa tentativa de resgatar de uma forma sistemática um esboço de um programa revolucionário bakuninista. Primeiro, devido à falta de compreensão sistemática do pensamento de Bakunin, e, em segundo lugar, por acreditarmos que o bakuninismo ainda tem muito que contribuir com a organização dos anarquistas na atualidade. Reivindicado por muitos e criticado por tantos, o certo é que entre admiradores e adversários, uma falta de compreensão do pensamento de Bakunin é algo bastante comum. Acusá-lo de espontaneísta, de baderneiro, de alguém que tinha paixão única pelo caos e pela destruição, foi atitude constante em meios mais diversos. Esta falta de entendimento da totalidade do pensamento de Bakunin é fruto, primeiramente, do modo como foi constituindo-se uma memória histórica sobre o anarquismo e os anarquistas. Uma memória que elevou ao extremo a distinção entre marxismo e anarquismo, fornecendo ao primeiro o máximo de organização, disciplina, ciência, análise materialista, e restando ao último apenas o idealismo, o espontâneo, o caótico. É claro que, em parte, a falta de compreensão da totalidade do pensamento de Bakunin se deve a dois fatores de caráter intrínseco aos seus escritos: a fragmentação de sua obra e a complexidade de seu pensamento. Para conhecermos o pensamento de Bakunin, precisamos revirar textos e textos fragmentados, que começam com um tema e terminam com outro, que apresentam detalhes sem aprofundá-los ou que iniciam um aprofundamento que é bruscamente interrompido. Tudo isto contribui para que grande parte de seus leitores não conheça o conjunto de seu pensamento, mas apenas fragmentos que são generalizados e causam, assim, sérias confusões. Conhecer apenas fragmentos da obra de Bakunin torna-se um risco devido à complexidade de seu pensamento. Como disse o Coletivo Anarquista Organizado Luta Libertária:
Compreender apenas parte daquilo que propugnava Bakunin não necessariamente contribui para o entendimento do que era de fato a proposta bakuninista. Pelo contrário, conhecer apenas parte do pensamento de Bakunin pode nos levar a enganos ... Ao generalizar um dos aspectos particulares do anarquismo de Bakunin, tornando-o absoluto, implicitamente expurgam outros prismas como algo estranho ao próprio bakuninismo. É desta forma que podemos encontrar nos escritos de Bakunin tanto textos que exaltam a espontaneidade, quanto textos que nos falam da necessidade de disciplina e unidade de ação. (BAKUNIN, s.d., p. 100).

A segunda importância de tratarmos deste tema, diz respeito ao fato de acharmos que o coletivismo ainda tem muitas contribuições para apresentar para a luta dos anarquistas na atualidade. Não se trata de ler Bakunin buscando-o como regra para a ação no mundo atual. Longe de nós tal idéia. Trata-se, sim, de compreender a totalidade do seu pensamento sabendo que ele é fruto de sua própria época, e poder, ao mesmo tempo, indicar o que ainda pode ser relevante e o que já não faz mais sentido para o nosso tempo. Não se trata também de isolar partes de seu pensamento e construirmos um frankestein, mas, de conhecer o programa bakuninista e pensar o modo como ele contribui para a construção de um programa anarquista para a atualidade. Neste sentido, o presente texto tem um objetivo político. Não é simples gosto literário ou acadêmico, mas uma necessidade de construir ferramentas teóricas precisas que, em diálogo com a nossa prática cotidiana, serão fundamentais para orientar a nossa luta. Sabemos que corremos o risco de ignorar muitos elementos que para muitos são fundamentais para entender o pensamento de Bakunin. Podemos, também, generalizar aspectos que são apenas parte de seu pensamento e que por falta de acesso a alguma fonte importante somos conduzidos ao erro. Outras vezes, sabemos que a nossa interpretação das obras poderá não corresponder à interpretação que muitos fazem. Porém, nos dispusemos a enfrentar os riscos, por acharmos que estamos apenas dando apenas mais um chute e que muito ainda temos que esperar das críticas e sugestões de outros companheiros e organizações anarquistas.

1) Contexto Histórico

Bakunin formou a sua concepção libertária em um contexto de crise econômica do capitalismo europeu. Tratava-se da grande depressão industrial de 1840, que, espalhando a fome e o desemprego pelo continente europeu, aterrorizou ainda mais a vida sofrida da classe trabalhadora.

...a grande depressão que varreu o continente a partir da metade da década de 1840. As colheitas - e em especial a safra de batatas - fracassaram. Populações inteiras como as da Irlanda, e até certo ponto também as da Silésia e Flandres, morriam de fome. Os preços dos gêneros alimentícios subiam. A depressão industrial multiplicava o desemprego, e as massas urbanas de trabalhadores pobres eram privadas de seus modestos rendimentos no exato momento em que o custo de vida atingia proporções gigantescas. (HOBSBAWM, 1982, p. 330).

Junto com a depressão, a Europa da época de Bakunin, apresentava um ambiente de intensa agitação. Revoluções, motins, revoltas, estavam presentes a partir da década de 40 do séc. XIX, fazendo com que a revolução estivesse à ordem do dia. Outra questão relevante é que não existia o anarquismo enquanto corrente política antes de Bakunin, e, neste sentido, ele não precisava debater com um meio anarquista. Debatia sim com um meio revolucionário que se formava no séc. XIX, onde entre as principais figuras estavam Proudhon e Marx. Este meio revolucionário socialista tinha que enfrentar o ambiente de idéias burguesas, em que se destacavam os liberais radicais como Mazinni e Garibaldi, os teóricos iluministas; a filosofia idealista de Hegel e os rebeldes jovens hegelianos.

2) Método de Análise: o Materialismo Dialético



Julgando-o a partir de suas próprias premissas, podemos dizer que o pensamento de Bakunin não é fruto das reflexões individuais de um gênio isolado. Trata-se antes de uma expressão da organização e luta dos trabalhadores de sua época que ele foi capaz de compreender, participar e formular como poucos. Consideramos importante dizer isto, porque para Bakunin não há pensamento puro. Todo o pensamento moderno encontra os seus elementos na vida real do povo, da multidão, da massa dos trabalhadores. Assim, o seu pensamento era também não o de um profeta ou revelador, mas o de um parteiro do pensamento criado pela vida do próprio povo.

A sociedade, no grande sentido da palavra, o povo, a vil multidão, a massa dos trabalhadores, não só dá a força e a vida, mas também dá os elementos de todos os pensamentos modernos; e um pensamento que não sai do seu seio e que não é expressão fiel dos seus instintos populares, segundo a minha opinião, é um pensamento que nasceu morto. Donde concluo que o papel da juventude dedicada e instruída não é a de reveladores, de profetas, de instrutores e de doutores, mas, unicamente, o de parteiros do pensamento criado pela própria vida do povo; quer dizer que os jovens que queiram servir o povo devem procurar inspirar-se não fora dele, mas nele, para dar uma forma clara o que ele traz numa forma confusa, nas suas aspirações tão confusas quanto fortes. (BAKUNIN, s.d., p. 44).

Bakunin se formou em grande parte influenciado pelo pensamento de Hegel. Fazendo parte do que se costumou chamar de jovens hegelianos, a sua concepção revolucionária tomou a forma final a partir do rompimento com o idealismo hegeliano e a adesão ao materialismo enquanto método de análise da realidade. O materialismo dialético de Bakunin apresenta como essencial a diferença entre o real e o ilusório, entre o materialismo e o idealismo. O primeiro está baseado no homem real, no ser vivo em sua totalidade, tanto em suas necessidades orgânicas quanto em seus sentimentos e idéias. Bakunin diz o que entende por matéria.

Pelas palavras material e matéria, nós entendemos a totalidade, toda a escala dos seres vivos, conhecidos e desconhecidos, desde que os corpos orgânicos mais simples até a constituição e ao funcionamento do cérebro do maior gênio: os mais belos sentimentos, os maiores pensamentos, os feitos heróicos, os atos de devoção, tanto os deveres como os direitos, tanto o sacrifício como o egoísmo, tudo, até as aberrações transcendentes e místicas de Mazzini, do mesmo modo que as manifestações da vida orgânica, as propriedades e as ações químicas, a eletricidade, a luz, o calor, a atração natural dos corpos, constituem aos nossos olhos tantas evoluções, sem dúvida, diferentes, mas não menos estreitamente solidárias, desta totalidade de seres reais a que chamamos matéria.” (BAKUNIN, s.d., p. 49).

O idealismo, ao contrário, toma o ser vivo, real, em sua existência material, em seus sentimentos e idéias como nulo. Ele parte do ideal, de Deus, do pensamento, da consciência, da abstração. Para Bakunin, era preciso perceber o homem não enquanto um movimento da consciência pura, mas o homem real a partir de suas relações materiais. Neste sentido, a base real do homem, isto é, a condição de existência de todas as outras faculdades humanas, está assentada em duas necessidades fundamentais: a necessidade de garantir os meios de sua existência e a necessidade de reproduzi-la.

Para se conservar, tanto o animal como o indivíduo tem que comer, e, como espécie, tem de se reproduzir. Eis a primeira base da vida real, comum a todas as espécies animais desde as mais inferiores, até ao homem. Todas as outras faculdades e paixões só podem se desenvolver com a condição destas duas necessidades primordiais estarem satisfeitas. É a lei soberana da vida à qual nenhum ser vivo saberia substrair-se. (BAKUNIN, s.d., p. 49).

A economia, assim, a organização dos meios de garantia da existência material do homem, tem, para Bakunin, um papel fundamental na produção das idéias e da política. Todas as evoluções políticas, religiosas e jurídicas são os efeitos das evoluções econômicas. (BAKUNIN, s.d., p. 50). Dizia Bakunin:
Quem tem razão, os idealistas ou os materialistas? Uma vez feita a pergunta, a hesitação se torna impossível. Sem dúvida, os idealistas estão errados e os materialistas estão certos. Sim, os fatos tem primazia sobre as idéias; sim, o ideal, como disse Proudhon, nada mais é do que uma flor; cujas condições materiais de existência constituem a raíz. Sim, toda a história intelectual e moral política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica. (BAKUNIN, 2000, p. 14).

Embora toda a história intelectual e moral política e social fosse um reflexo da história econômica, para Bakunin existe uma determinada autonomia da política e do intelectual em relação a economia, de forma que a determinação não existe em um sentido único. Em relação à revolução social, por exemplo, ele afirmava que a destruição da propriedade privada e das desigualdades econômicas por si só não significaria o fim da miséria e da exploração humana. O Estado, embora, fosse um produto da economia, e um instrumento das classes dominantes, também produz as relações econômicas. Criticando o que percebe como economicismo em Marx, afirma:
O Estado político de todo país, diz ele (Marx), é sempre o produto e a expressão fiel de sua situação econômica, para mudar o primeiro, basta transformar este último. Todo o segredo das evoluções históricas segundo o Sr. Marx, está aí. Ele não leva em consideração nenhum outro elemento da história (...) Ele diz: ‘a miséria produz a escravidão política’, mas não permite inverter esta frase e dizer: A escravidão política, o Estado, por sua vez, reproduz e conserva a miséria, como uma condição de sua existência; assim, para destruir a miséria é preciso destruir o Estado. (BAKUNIN, s.d., p. 97).

Assim, para Bakunin, existe uma dialética entre a economia e as outras esferas da vida humana. As condições econômicas produzem a política e o intelecto, estes, por sua vez, produzem a economia. Bakunin rompia assim com o idealismo de Hegel, mas mantinha a sua dialética. Uma dialética virada de cabeça para baixo, uma dialética materialista. Por isso, para Bakunin “todo desenvolvimento implica necessariamente uma negação” (idem, ibidem). A humanidade era o desenvolvimento supremo da animalidade, e, portanto, a sua negação. A revolução social seria a negação da estrutura social atual e, portanto, a sua superação. Esta dialética materialista vai encontrar um fundamento básico na centralidade da categoria trabalho. O trabalho coletivo criou e cria todas as riquezas e a liberdade humana. O homem se emancipa da sua condição de animal escravo da natureza e desenvolve o pensamento e o controle sobre a forças naturais através do trabalho.

O homem só se emancipa da pressão tirânica, que sobre todos exerce a natureza exterior, pelo trabalho coletivo; isto porque o trabalho individual, impotente e estéril, nunca poderia vencer a natureza. (BAKUNIN, s.d., p. 32).

O homem produz as riquezas através do trabalho e a contradição de classes surge justamente da exploração que alguns indivíduos vão exercer sobre o trabalho coletivo.

O trabalho produtivo, aquele que criou todas as riquezas e toda a nossa civilização, sempre foi um trabalho social, coletivo; apenas, até o presente, ele foi iniquamente explorado por indivíduos em detrimento das massas operárias. (BAKUNIN, s.d., p. 32).

Assim, na sociedade capitalista, a luta de classes tem como condição essencial a separação entre o capital e o trabalho, isto é, a exploração dos capitalistas sobre o trabalho das massas proletárias.

Caros amigos, seguramente não preciso vos provar, a vós que aprendestes a conhecer por longa e dura experiência as misérias do trabalho, que enquanto o capital permanecer de um lado, e o trabalho do outro, o trabalho será escravo do capital, e os trabalhadores, os governados dos Senhores burgueses, que vos dão por irrisão todos os direitos políticas, todas as aparências de liberdade, para conservar a realidade desta liberdade exclusivamente para eles mesmos. (BAKUNIN, s.d., p. 30).

E assim, o conceito de luta de classes torna-se também central. Bakunin compreendia a realidade mundial do século XIX através do conflito entre duas classes hegemônicas, a burguesia e as massas proletárias. Para Bakunin, a força da burguesia foi fundada por dois grandes eventos históricos: “a revolução religiosa do século XVI, conhecida sob o nome de Reforma, e a grande revolução política do século passado (XVIII – Revolução Francesa).” (BAKUNIN, s.d., p. 29). A Revolução Francesa, que foi feita em nome da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, na realidade resultou na emancipação exclusiva da burguesia e na miséria da classe trabalhadora.

Como é possível, portanto, que uma Revolução que se havia anunciado de maneira tão ampla tenha resultado miseravelmente na emancipação exclusiva, restrita e privilegiada, de uma única classe, em detrimento desses milhões de trabalhadores que se encontram hoje esmagados pela prosperidade insolente e iníqua dessa classe?. (BAKUNIN, s.d., p. 29).

Esta exclusiva emancipação de uma classe, a classe burguesa, foi possível porque a revolução francesa foi uma revolução exclusivamente política. Ela não transformou a estrutura econômica.

Ah! É que esta Revolução foi apenas uma revolução política. Ela havia audaciosamente derrubado todas as barreiras, todas as tiranias políticas, mas havia deixado intactas – havia inclusive proclamado sagradas e invioláveis – as bases econômicas da sociedade, que foram a fonte eterna, o fundamento principal de todas as iniquidades políticas e sociais, de todos os absurdos religiosos passados e presentes. (BAKUNIN, s.d., p. 29).

A Revolução Francesa, assim, proclamou a liberdade de todos, mas tornou livre realmente somente a burguesia. Somente os capitalistas tinham os meios reais para a realização da liberdade. Desta forma, enquanto a Grande Revolução decretou uma liberdade fictícia, ilusória, ideal, Bakunin irá buscar nas condições materiais de existência a verdadeira liberdade e perceber que a separação entre o capital e o trabalho, isto é, entre os detentores do capital e os produtores diretos, os trabalhadores, significa a escravidão do trabalhador e domínio da burguesia. Significa antes de tudo, conflito inconciliável entre estas duas classes.

3) Objetivo: a Liberdade

A partir do seu método materialista, Bakunin analisa a realidade do sistema capitalista e das ideologias burguesas e propõe a sua transformação. A crítica às ideologias burguesas é uma crítica feita justamente a partir do materialismo histórico. O conceito de liberdade dos metafísicos burgueses, que dentre os principais se encontra Rosseau, estava baseado na idéia de que a liberdade só era possível antes da sociedade em um estado natural do homem. Para Bakunin, a liberdade é a possibilidade real de desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, sendo elas materiais, morais e intelectuais.

Mas o que constitui o fundamento real e a condição positiva da liberdade? É o desenvolvimento integral e a plena fruição de todas as faculdades corporais, intelectuais e morais para todos. São, consequentemente, todos os meios materiais necessários à existência humana de todos; são, em seguida, a educação e a instrução. Um homem que morre de inanição, que se encontra esmagado pela miséria, que se acaba, a cada dia, de frio e de fome, e que, vendo sofrer todos aqueles a quem ama, não pode socorrê-los, não é um homem livre, é um escravo. Um homem condenado a permanecer toda sua vida um ser brutal, por falta de educação humana, um homem privado de instrução, um ignorante, é necessariamente um escravo; e se ele exerce seus direitos políticos, podeis estar certos de que, de maneiro ou de outra os exercerá sempre contra ele mesmo, em proveito de seus exploradores, de seus senhores. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Esta é para Bakunin a condição positiva da liberdade, a de que ela só pode ocorrer quando todos os homens tenham não só o direito, mas os meios reais para desenvolver suas faculdades materiais, intelectuais e políticas. A liberdade para Bakunin é, portanto, um produto coletivo. Não é possível uma liberdade isolada de um único indivíduo. A liberdade só se realiza quando cada indivíduo encontra a sua liberdade confirmada e estendida na liberdade de todos.

A liberdade dos indivíduos não é absolutamente um fato individual, é um fato, um produto, coletivo. Nenhum homem poderia ser livre fora e sem o concurso de toda a sociedade humana. (BAKUNIN, idem, ibidem).

A condição negativa da liberdade para Bakunin é a negação da autoridade que se firma na não existência de dirigentes e dirigidos. Ela só pode ocorrer quando os homens determinarem seus atos pela sua própria vontade e não como imposição de um grupo ou uma classe.

A condição negativa da liberdade é a seguinte: nenhum homem deve obediência a outro; ele só é livre sob a condição de que todos seus atos sejam determinados, não pela vontade de outros homens, mas por suas próprias convicções. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Na sociedade capitalista esta condição negativa de liberdade, em que cada homem tenha encontrado no coletivo a não obrigação de obedecer a chefes é impossível. Como o próprio Bakunin afirma:

Mas um homem a quem a fome obriga a vender o seu trabalho, e, com seu trabalho, sua pessoa, pelo mais baixo valor possível, ao capitalista que consente em explorá-lo; um homem que sua própria brutalidade e sua ignorância abandonam à mercê de seus sábios exploradores, será, necessariamente e sempre, um escravo. (BAKUNIN, s.d., p. 31).

Neste sentido, a liberdade só pode ser real a partir do momento em que existam condições reais para o desenvolvimento de todos os homens. A liberdade só poderia ser realizada, portanto, a partir da destruição da estruturas de exploração e dominação da sociedade capitalista, que impõem o desenvolvimento intelectual, econômico e político para a burguesia e a miséria e o embrutecimento para as massas proletárias. A liberdade para Bakunin, isto é, os meios reais de desenvolvimento das potencialidades humanas só pode ocorrer com uma transformação em todos os níveis da sociedade. Não adianta uma transformação política sem econômica. Isto a Revolução Francesa já provou que não transforma a realidade do trabalhador. Também não adianta uma transformação econômica e não política, pois manter o Estado seria recriar as condições de exploração econômica e manter a divisão de classes.

3.1. A transformação econômica



Começamos por uma transformação que para Bakunin, como materialista, se apresenta como central, a transformação econômica. O objetivo da transformação econômica é a igualdade, isto é, a eliminação da exploração econômica e a constituição da igualdade econômica e social. O que é esta igualdade? Primeiro, não se trata de eliminar as diferenças entre os indivíduos. Cada indivíduo é único e a diversidade é justamente a riqueza da humanidade. Em segundo lugar, não se trata de igualar as fortunas materiais dos indivíduos, isto é, fazer com que todos tenham o mesmo tanto de riqueza produzida pelo trabalho.

A igualdade não implica o nivelamento das diferenças individuais, nem a identidade intelectual, moral e física dos indivíduos. Esta diversidade das capacidades e das forças, estas diferenças de raça, de nação, de sexo, de idade e de indivíduos, longe de ser um mal social, constitui, ao contrário, a riqueza da humanidade. A igualdade econômica e social não imploca também o nivelamento das fortunas individuais, enquanto produtos da capacidade, da energia produtiva e da economia de cada um. (BAKUNIN, 1999, p. 94).

A igualdade econômica e social para Bakunin é a igualdade enquanto ponto de partida, isto é, a igualdade enquanto a organização econômica que propicia a todos os homens os meios iguais e reais para o desenvolvimento de suas potencialidades intelectuais, materiais e morais.

A igualdade e a justiça reclamam unicamente: uma tal organização da sociedade que todo indivíduo humano encontre ao nascer, embora isto dependa não da natureza mas da sociedade, meios iguais para o desenvolvimento de sua infância e de sua adolescência até a idade de sua virilidade. Meios iguais primeiro para a sua educação e sua instrução, e mais tarde para o exercício das forças diferentes com que a natureza terá agraciado a cada um para o trabalho. (BAKUNIN, s.d., p. 94).

Assim, o princípio básico que orienta a proposta econômica de Bakunin é o de que as riquezas de um homem devem ser fruto de suas próprias obras, não devendo ninguém enriquecer-se explorando o trabalho de outro. O trabalho torna-se, assim, o referencial central para a produção e distribuição das riquezas.

A socialização da produção: a federação de associações produtivas Para estabelecer a igualdade é necessária a eliminação da exploração do trabalho humano e, portanto, a eliminação da propriedade privada. Enquanto os capitalistas forem donos da propriedade, a divisão entre o capital e o trabalho permanecerá. Trata-se de, portanto, abolir a exploração do trabalho coletivo. Ninguém tem o poder sobre o trabalho de ninguém. Bakunin propõe a eliminação da propriedade privada e a completa socialização dos meios de produção, de forma que os instrumentos de produção e os produtos da propriedade coletiva sejam revertidos para os trabalhadores.

Sem nenhuma espoliação, mas pelos esforços e pelas forças econômicas das associações operárias, o capital e os instrumentos de trabalho se tornarão propriedade dos que os utilizarem para a produção de riquezas pelo seu próprio trabalho. (BAKUNIN, 1999, p. 69).

Assim, a terra deve ser socializada e são os trabalhadores quem devem gozar de seus frutos.

É preciso que reconheça que a terra, dom gratuito da natureza a cada um, não pode e não deve ser propriedade de ninguém. Mas que seus frutos, enquanto produto do trabalho, devem reverter unicamente para os que cultivam com suas próprias mãos.” (p. 60).

É justamente nesta questão da propriedade coletiva que está presente uma das principais divergências entre Proudhon e Bakunin. Proudhon achava que alguma forma de propriedade familiar deveria existir, enquanto Bakunin propunha a total socialização da propriedade. Para Bakunin, a socialização da produção tem como fundamento a centralidade do trabalho. Somente os trabalhadores têm os direitos sociais e políticos, e somente os trabalhadores colherão os frutos produzidos coletivamente. A transformação econômica, apontada por ele, propõe a criação de associações produtivas, que serão as proprietárias do capital que lhes são necessárias para o desenvolvimento das atividades. Essas associações produtivas funcionam como a união de trabalhadores que realizam determinado trabalho. A associação será livre. O trabalhador se quiser desenvolver seu trabalho sozinho poderá. Porém, Bakunin acreditava que com exceção dos trabalhos em que a criatividade individual fosse importante, o homem tenderia a se associar, pois desta maneira trabalharia menos e ganharia mais. (BAKUNIN, 1999, p. 104). Essas associações produtivas estariam federalizadas, constituindo assim uma imensa federação econômica que levando em consideração a oferta e a procura, reparte e distribui a produção entre os diferentes países e regiões. (BAKUNIN, 1999, 105).

A eliminação do direito de sucessão e de propriedade Para a constituição desta igualdade é preciso abolir o direito de sucessão. A herança de cargos, fortunas, honras, propriedades, etc, deve ser extinta. O princípio sobre o qual toda a idéia do direito de sucessão é abolida é o de que cada homem deve ser o fruto de suas obras.

... devemos repudiar a hereditariedade fictícia da virtude, das honras e dos direitos, assim como a da fortuna. O herdeiro de uma forma qualquer não é mais o filho de suas obras e, em relação ao ponto de partida, é um privilegiado.

A abolição do direito de herança é fundamental para a abolição das classes sociais, pois enquanto houver um grupo que detém a propriedade e a transmite para seus filhos, a divisão entre uma classe proprietária e a classe dos deserdados permanecerá.

Enquanto este direito existir, a diferença hereditária das classes, das posições, das fortunas, a desigualdade social e o privilégio substituirão, senão de direito ao menos de fato, por uma lei inerente à sociedade que produz sempre a igualdade dos direitos... (BAKUNIN, 1999, p. 95).

Assim, cada um vive do seu trabalho e as riquezas materiais que conseguir com ele não servirá para acumular uma riqueza que vai sendo passada de geração para geração até algumas pessoas deterem o poder de recriar a propriedade privada dos meios de produção.

A eliminação da divisão entre trabalho intelectual e manual Uma outra transformação econômica é a eliminação da divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual. O trabalho intelectual, que é apropriado pelos privilegiados capitalistas, compreende “(...) as ciências, as artes, a idéia, a concepção, a invenção, o cálculo, o governo e a direção geral ou subordinada das forças operárias”. (BAKUNIN, 1999, p. 99). O trabalho manual, de que se ocupa o povo, se define pela “(...) execução manual reduzida a uma ação puramente mecânica, sem inteligência, sem idéia (...)” (idem, ibidem). A divisão entre trabalho intelectual e manual acarreta males. Os burgueses tornam-se cada vez mais mesquinhos no mundo intelectual e moral, pois “(...) todo lazer privilegiado, longe de fortificar o espírito, o debilita, o desmoraliza e o mata”. (BAKUNIN, 1999, p. 100). Assim, o burguês acaba por tornar o seu tempo livre em “(...) ociosidade, corrupção, desregramento, ou ainda servirá dele como de uma arma terrível para submeter ainda mais as classes operárias (...)”. (idem, p. 101). O povo é embrutecido com a divisão do trabalho. Ela torna o trabalho algo privado de inteligência e de lazer e, portanto, algo que o degrada. “(...) ele trabalha para outrem, e seu trabalho, privado de liberdade, de lazer e de inteligência, e por isso mesmo alvitado, o degrada, o esmaga e o mata”. (BAKUNIN, 1999, p. 101). A produção da sociedade também sofre com esta separação entre trabalho intelectual e manual. A força bruta separada da inteligência e a inteligência separada da força física são incapazes de produzir o quanto poderia se esta separação não existisse. Bakunin propõe, assim, o surgimento de uma única ação produtiva: todos trabalham e todos pensam.

Quando o homem de ciência trabalhar e o trabalhador pensar, o trabalho inteligente e livre será considerado como o mais belo título de glória para a humanidade, como a base de sua dignidade, de seu direito, como a manifestação de seu poder humano na terra; e a humanidade será constituída. (BAKUNIN, 1999, p. 104).

3.2. A transformação política



Para os coletivistas, a nova sociedade precisa construir uma estrutura igualitária na economia, mas também igualitária na política, de forma que todos os trabalhadores possam participar diretamente das decisões e da gestão da nova sociedade. Esta posição se deve, em grande parte, à concepção de autoridade que os coletivistas possuem. O que é a autoridade?

Destruir a autoridade infalível Para Bakunin, existem vários tipos de autoridade. Existe a autoridade das leis naturais, isto é, o reconhecimento de que existe um fato natural que é inevitável, como o fato do fogo queimar, dos corpos tenderem ao chão devido à gravidade e etc. Estas leis naturais, só são chamadas de leis porque os homens a sistematizaram e a denominaram de leis. Porém, não existe nenhuma autoridade externa que as impõe. A natureza é o que é e seria ridículo se revoltar contra o fato do fogo se queimar. Simplesmente é assim. Este tipo de autoridade, obviamente, não é contestado pelos coletivistas. Outro tipo de autoridade é a autoridade dos homens especiais, isto é, a autoridade que cada pessoa tem sobre aquele conhecimento que ela possui. Neste sentido, o sapateiro tem autoridade para falar de sapatos e o pedreiro para levantar muros. Esta autoridade, que é natural, visto que o conhecimento é imenso e não se desenvolve de forma homogênea entre as pessoas, sempre havendo pessoas que desenvolveram habilidades em uma coisa, e pessoas que desenvolveram em outra, os coletivistas também não negam. Pelo contrário, esta é a autoridade que deve ser buscada em toda a sociedade, a autoridade do mandar obedecendo. As tarefas se dividem, mas alguns mandam em algumas coisas, outros mandam em outras, alguns são delegados para determinada coordenação, mas outro é delegado posteriormente de forma que nenhuma autoridade se petrifica, nenhuma autoridade se torna universal e infalível com o poder de decidir definitivamente sobre o coletivo. Esta é a autoridade do mandar obedecendo, todos mandam e todos obedecem, de forma que ninguém tem maior poder sobre todos.

Inclino-me diante da autoridade dos homens especiais porque ela me é imposta pela minha própria razão. Tenho consciência de só poder abraçar, em todos os seus detalhes uma parte muito pequena da ciência humana. A maior inteligência não bastaria para abraçar tudo. Daí resulta, tanto para a ciência quanto para a indústria, a necessidade da divisão e da associação do trabalho. Recebo e dou, tal é a vida humana. Cada um é dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação mútuas, passageiras e sobretudo voluntárias. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Assim, o terceiro tipo de autoridade é que é combatida pelos coletivistas, a autoridade infalível. É a autoridade em que uma pessoa ou um grupo de pessoas detém o poder de decidir sobre todos o que diz respeito a todos. Para Bakunin é preciso rejeitar esta autoridade por diversos motivos. Primeiro, porque não há homem universal ou infalível, homem que possa saber de tudo e que seja, por isso, capacitado para mandar em todos.

(...) não há homem universal, homem que seja capaz de aplicar sua inteligência nesta riqueza de detalhes sem a qual a aplicação da ciência à vida não é absolutamente possível, a todas as ciências, a todos os ramos da atividade social. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Em segundo lugar, quando os homens investem alguém ou alguns em um poder acima de todos os outros, se tornam incapazes de pensarem por si mesmos e são destinados à obediência simples e ignorante. Desta forma, a autoridade infalível “reduziria todos os outros à escravidão e à imbecilidade”. (BAKUNIN, s.d., p. 42).

Em terceiro lugar, o homem que ocupa uma posição de autoridade infalível e, por isso, uma posição de privilégio, tende a se tornar um charlatão, um corrupto, um opressor. Ainda que tenha as melhores intenções, a posição superior que adquire, posição privilegiada, gera uma mudança de caráter e de perspectiva. Desta forma, uma mudança de posição, de um homem igual a todos os outros a um homem com poder e privilégio acima dos demais cria neste homem uma mudança do lugar em que vê o mundo, e, portanto, uma mudança de ótica.

Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente considerados atos de traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e, portanto, de perspectiva. (BAKUNIN, 1986, p. 99).

Assim, os coletivistas condenavam a autoridade infalível, pois fazer uma revolução e eleger uma autoridade seja sob a forma de Estado democrático ou ditatorial, seria o mesmo que criar os novos senhores e os novos exploradores do povo. O Estado é a maior expressão da autoridade infalível, juntando-se a isto o seu caráter de classe, o qual já comentamos e que é um elemento fundamental para o pensamento bakuninista, faz-se necessário não só a sua destruição, mas a constituição de uma nova forma de organização política, uma forma que se estruture de baixo para cima, um poder descentralizado, em que todos os trabalhadores tenham o poder de protagonizar a política, gerindo a sociedade sem a necessidade de um grupo acima de todos os outros.

Uma nova forma de organização: o Federalismo Entretanto, como poderiam os trabalhadores participar diretamente das decisões políticas e da gestão da nova sociedade? Como seria possível uma sociedade baseada em uma estrutura horizontal sem a existência de um poder investido de autoridade infalível? Como seria possível a organização da sociedade sem Estado? Primeiro de tudo, é preciso desfazer uma confusão muito comum na atualidade em relação ao pensamento anarquista. Muitos acreditam que o anarquismo quer destruir o Estado e deixar com que naturalmente a sociedade encontre a sua ordem natural. Isto já esteve presente em algumas correntes do anarquismo, que acreditando no espontaneísmo e em uma certa harmonia natural da sociedade, tendiam a ignorar a importância de se pensar um método de organização política para a futura sociedade. Isto não é o caso dos coletivistas. Eles tinham como método o Federalismo. Trata-se de um método de organização da sociedade de forma horizontal que torna possível todos os trabalhadores participarem diretamente das decisões políticas da sociedade. O método federalista teve como precursor o anarquista francês Proudhon. Entendamos o que Proudhon diz sobre a federação. Para ele,

Federação, do latin foedus, genitivo foederis, quer dizer, pacto, contrato, tratado, convenção, aliança, etc., significa um convênio pelo qual um ou muitos chefes de família, um ou muitos municípios, um ou muitos grupos de municípios ou Estados, se obrigam recíproca e igualmente uns com os outros, com o fim de chegar a um ou muitos objetos particulares que desde então pesam sobre os delegados da federação de uma maneira especial e exclusiva. (PROUDHON, 2003, s.p.).

A Federação significa, portanto, acordos livres que ligam um indivíduo a outros indivíduos, uma associação de um município a outras associações do mesmo lugar, um município a outros municípios, uma nação a outras nações. Esta proposta de federação é estruturada de baixo pra cima através de acordos em que todos os envolvidos participam diretamente do debate e da decisão. Por isso, dizia Proudhon:

No sistema federativo, o contrato social é mais do que uma ficção; ele é um pacto real e efetivo, que é verdadeiramente proposto, discutido, votado, aprovado, e está sempre susceptível de modificações regulares de acordo com a vontade dos interessados. (PROUDHON, 2003, s.p.).

O método federalista é, assim, uma forma de garantir com que as pessoas estejam associadas livremente e de forma horizontal. Eu me associo com alguém porque fazemos um acordo mútuo, acordo que surge de nosso debate e de nossa conclusão coletiva. Assim, para Proudhon, esta deve ser a forma política da nova sociedade. Os indivíduos se associam de igual para igual formando uma associação, as associações se associam livremente formando uma Comuna, uma Comuna se federa formando uma Nação, uma Nação se associa com outras Nações formando uma Comunidade Internacional. Desta forma, o vínculo entre o indivíduo e a associação, entre a associação e a Comuna, entre a Comuna e a Nação, entre a Nação e a Comunidade Internacional não está garantido pela força bruta imposta de cima pra baixo, mas pela livre necessidade e vontade de todos os membros. Isto é uma organização livre, autônoma, horizontal e participativa. Bakunin irá defender o princípio federativo criado por Proudhon. Entretanto, ele o torna um princípio mais orgânico, mais coordenado. Para Proudhon, as pessoas se associam quando querem e se houver necessidade. Bakunin, compreendendo o desenvolvimento do capitalismo e da complexidade da sociedade moderna, achava que a necessidade de associação estava presente e que, portanto, a federação seria algo sólido, coeso, cuja autonomia e a unidade conviveriam, pois, por mais que a associação fosse voluntária e não obrigatória, a necessidade de associação e federação seria mais do que necessária e a união entre as pessoas em nível local, regional, nacional internacional se faria presente de forma coesa.
Assim, para Bakunin, é no federalismo, onde se respeita mais a autonomia, que a unidade e a coesão é maior, porque é uma coesão real, firmada nas necessidades reais do povo, enquanto, a unidade do Estado é uma unidade artificial sustentada pela força.

(...) (devemos) reemplazar en ellas (las naciones) la antigua organización fundada de arriba a abajo sobre la violencia y sobre el principio de la autoridad, por una organización nueva que no tenga otra base que los intereses, las necesidades, y las atracciones naturales de los pueblos, ni otro principio que la federación libre de los individuos en las comunas, de las comunas en las provincias (1), de las provincias en las naciones, en fin, de éstas en los Estados Unidos de Europa primero y más tarde del mundo entero.

3.3. A transformação intelectual e moral



Mas, uma revolução econômica e política bastam para a emancipação dos trabalhadores? Isto é:

Poderá ser a emancipação das massas completa, enquanto a instrução que as massas recebem for inferior aquela que é dada aos burgueses, ou enquanto houver uma classe qualquer em geral, numerosa ou não, mas que, pelo seu nascimento, seja chamada aos privilégios duma educação superior e duma instrução mais completa?

Não só são necessárias uma revolução econômica e política como também uma revolução intelectual, que possa propiciar a socialização de todo o conhecimento produzido pelo homem. Pois, para Bakunin, enquanto houver um grupo de pessoas que têm maior acesso ao conhecimento que as outras, haverá dominação da minoria sobre a maioria. Mesmo que haja igualdade econômica, a minoria inteligente tenderá a encontrar meios de explorar a maioria ignorante.

Aquele que sabe mais dominará naturalmente aquele que sabe menos; e se existisse entre duas classes apenas essa diferença de educação e de instrução, esta diferença produzirá em pouco tempo todas as outras, o mundo humano voltará ao seu estado atual, isto é, dividido de novo numa massa de escravos e num pequeno número de dominadores, os primeiros trabalhando, como hoje, para os segundos. (BAKUNIN, 1979, p. 32).

É necessário, portanto, exigir não mais um pouco de educação para o povo, pelo contrário, é preciso exigir a instrução integral, isto é, a instrução plena, a socialização completa de todo o conhecimento produzido pelos homens.

Exigimos para o povo a instrução integral, toda a instrução, tão completa quanto o permite a capacidade intelectual do século, a fim de que acima das massas, não possa existir nenhuma classe que saiba mais do que eles, que os possa dominar e explorar. (BAKUNIN, 1979, p. 32).

No entanto, é preciso ter claro que a instrução integral não é possível no interior da sociedade capitalista. Nesta sociedade, o trabalhador está destinado pelas próprias condições econômicas a ser marginalizado da instrução. Não possui tempo nem dinheiro para se dedicar ao seu desenvolvimento intelectual, tornando-se embrutecido pelo trabalho. Assim, toda a produção de conhecimento, todo avanço científico e artístico, está destinada a aumentar o abismo entre a burguesia e o proletariado. Cada descoberta intelectual, ao invés de servir a toda sociedade e de ser socializada, serve apenas a quem tem dinheiro, e só é compreensível a quem desenvolveu o intelecto longe do trabalho manual e repetitivo das fábricas.

Os progressos (da ciência) são imensos! Sim, é verdade. Mas quanto mais imensos são, mais se tornam causa de escravatura intelectual, e por conseqüência também material, causa de miséria e de inferioridade para o povo; porque cada vez mais se alarga o abismo que separa já a inteligência popular das classes privilegiadas. (BAKUNIN, 1979, p.34).

O grau de conhecimento depende das divisões econômicas. O trabalhador, por sua condição de classe, está excluído do conhecimento produzido por todos, e o burguês, disponível com tempo e dinheiro, pode comprar todo o conhecimento científico e artístico e se apossar de cada um de seus avanços. Este abismo intelectual entre a burguesia e o proletariado só poderá acabar com a destruição das condições econômicas que o geram, portanto, com a destruição do capitalismo. Por isso, Bakunin critica os reformistas, que querem mudar o capitalismo através da educação. Eles não entendem que o trabalhador, enquanto estiver nesta posição econômica lhe imposta pelo capitalismo, não tem o tempo e o dinheiro necessários para se dedicar efetivamente à educação e, portanto, o acesso que possuirá ao conhecimento intelectual neste sistema sempre será menor que o da burguesia. Desta forma, se queremos uma educação igualitária, não é possível consegui-la na sociedade capitalista. É preciso abolir as estruturas econômicas para que a instrução integral seja verdadeira. E assim, quando todos trabalharem tiverem os meios de produzir a sua própria existência, todos também poderão dedicar-se ao trabalho intelectual. Quando ninguém viver da exploração do trabalho do outro, ninguém deverá monopolizar a produção e a distribuição do conhecimento produzido pelos seres humanos.

Essa relação dialética entre economia e conhecimento no pensamento bakuninista supera tanto o idealismo educacionista quanto o economicismo determinista. Não é possível transformar a educação sem transformar as estruturas econômicas, mas, ao mesmo tempo, de nada adianta transformar as estruturas econômicas se não se possibilitar, imediatamente após a mudança econômica, uma educação integral.

Eliminação da divisão entre trabalho manual e intelectual e a instrução integral

Bakunin chegou a apontar alguns elementos fundamentais para uma instrução integral. A primeira e óbvia questão é a da eliminação da divisão entre trabalho manual e intelectual. Uma educação libertária passa por uma sociedade em que a prática de vida não reproduz a divisão entre aqueles que só desenvolvem o trabalho manual, e por isso se alienam do intelecto e das idéias, e aqueles que só desenvolvem o trabalho intelectual, e por isso se alienam da realidade, produzindo teorias cada vez mais abstratas e longe de uma realidade material.

toda a gente deve trabalhar e toda a gente deve receber instrução (...) estamos convencidos de que o homem vivo e completo, cada uma destas duas atividades, muscular e nervosa, deve ser igualmente desenvolvida e que, longe de se anularem mutuamente, cada uma delas deve apoiar, alargar e reforçar a outra; a ciência do sábio se tornará mais fecunda, mais útil e mais vasta quando o sábio deixar de ignorar o trabalho manual, e o trabalho do operário instruído será mais inteligente e por conseguinte mais produtivo do que o do operário ignorante. (BAKUNIN, 1979, p. 38).

Uma reorientação socialista faz o conhecimento atender aos interesses de todos os trabalhadores.

Em uma sociedade em que não haja a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a produção do conhecimento será destinado a toda a sociedade e não estará, como na sociedade capitalista, restrita à burguesia e responsável pelo aumento do abismo e da dominação da classe dominante sobre as massas proletárias. A partir do momento em que, em uma sociedade, quem produz trabalho intelectual também trabalha manualmente, toda a produção científica, intelectual e artística passa a estar integrada aos interesses dos trabalhadores. Se no capitalismo, o cientista visa atender aos burgueses com as suas descobertas, em uma sociedade igualitária e livre, esta ciência pela própria prática de quem a produz serve aos interesses dos trabalhadores.

Daqui resulta que os homens que, pela sua inteligência superior, estão hoje empenhados exclusivamente no mundo da ciência e que uma vez inseridos nesse mundo, cedendo à necessidade de manterem uma posição completamente burguesa, canalizam todas as suas intenções para a utilização exclusiva da classe privilegiada de que eles próprios fazem parte, - que esses homens, uma vez tornados solidários com todo o mundo, solidários não na imaginação nem em palavras apenas, mas na prática, pelo trabalho, canalizarão todas as suas descobertas e as aplicações da ciência em proveito de todo o mundo, e, antes de mais, do melhoramento e enobrecimento do trabalho, a única base real e legítima da sociedade humana. (BAKUNIN, 1979, p. 38).

Em uma sociedade socialista o avanço científico e tecnológico diminui?

Uma questão sempre colocada aos revolucionários, sejam eles anarquistas ou marxistas, é sobre o avanço tecnológico em uma sociedade socialista. É evidente, e Marx no Manifesto Comunista expressa isto muito bem, que o capitalismo foi o grande motor do desenvolvimento científico e tecnológico. Nunca, em toda a história da humanidade, as sociedades produziram tanto avanço técnico em curtos períodos de tempo. Obviamente, o desenvolvimento técnico no capitalismo se dá impulsionado pela burguesia, uma classe composta por indivíduos que concorrem entre si em busca de cada vez maior lucro. Abolida a burguesia e a concorrência entre os indivíduos, uma sociedade socialista não tenderia a diminuir o avanço científico e tecnológico? Para Bakunin, é natural que logo após a revolução social, este progresso técnico tenda a diminuir. Entretanto, a longo prazo, com uma educação integral, a sociedade socialista alargaria o número de pessoas produzindo saber, e um saber não mais voltado para interesses supérfluos de uma classe luxuosa, possibilitando um crescimento tecnológico universal. Quando a instrução integral, dentro de uma sociedade socialista, possibilitar que todos os homens produzem ciência, o progresso científico ultrapassaria o atual, limitado a uma pequena elite intelectual.

É possível e mesmo muito provável que no período de transição mais ou menos longo que sucederá naturalmente à grande crise social; as ciências mais avançadas desçam abaixo do seu nível atual; como é indubitável que o luxo e tudo o que constitui os requintes da vida, deverá desaparecer durante muito tempo, para só reaparecer, não como usufruto exclusivo mas como enobrecimento da vida de toda a gente, logo que a sociedade tenha conquistado o necessário à vida de todos. Mas será este eclipse da temporário da ciência superior a uma grande desgraça? Aquilo que perderá em elevação sublime, ganhará no alargamento da sua base? Sem dúvida, haverá menos sábios ilustres, mas ao mesmo tempo muitíssimos menos ignorantes. Deixará de haver homens que tocam os céus, mas, em contrapartida, milhões de homens hoje aviltados, esmagados, caminharão humanamente na terra: nem semi-deuses, nem escravos. Os semi-deuses e escravos se humanizarão simultaneamente, uns descendo um pouco, os outros subindo muito. Deixará então de haver lugar para o endeusamento quer para o desprezo. Todos se darão as mãos e, uma vez unidos, caminharão com renovado entusiasmo para novas conquistas, tanto na ciência como na vida. (BAKUNIN, 1979, p. 39).

Estamos convencidos de que uma vez conquistada essa nova base, os progressos da humanidade, tanto na ciência como na vida, depressa ultrapassarão tudo o que até agora se viu e tudo o que é hoje possível imaginar. (BAKUNIN, 1979, p. 39).

A instrução integral não vem para homogeneizar o homem, mas pelo contrário para proporcionar a maior diversidade na mais perfeita igualdade

A socialização do conhecimento gerada pela nova sociedade através da nova estrutura econômica e política e da instrução integral criará homens trabalhadores e pensantes, homens que terão os meios reais de desenvolver todas as suas potencialidades materiais, morais e intelectuais. Mas, os pensadores burgueses colocavam a seguinte questão para problematizar o alcance da instrução integral e do socialismo: “serão todos os indivíduos igualmente capazes de alcançarem o mesmo grau de instrução?” (BAKUNIN, 1979, p. 39). Isto é, mesmo em uma sociedade socialista, não haveria entre os milhares de indivíduos, “um sem número de diferenças de energia, de tendências naturais e de aptidões?”. Então a igualdade é impossível, porque cada indivíduo é diferente do outro, ainda que tenha acesso ao mesmo processo de educação. Para Bakunin, é justamente porque os homens são diversos, justamente porque nenhum indivíduo é igual ao outro, é justamente por isso que a igualdade econômica, política e a instrução integral são necessárias. Pois em uma sociedade desigual, os indivíduos não podem desenvolver suas potencialidades intelectuais. São limitados pela condição da classe em que nasceu. Em uma sociedade igualitária, pelo contrário, cada um poderá desenvolver as suas aptidões e potencialidades em condições iguais. Somente nesta sociedade igualitária, a diversidade poderá se desenvolver.

Não há árvore que tenha duas folhas iguais. Com muito mais razão será verdade para os homens que são muito mais complexos do que as folhas. Mas esta diversidade, longe de ser um mal, é, pelo contrário, como muito bem observou o filósofo alemão Feuerbach, uma riqueza da humanidade. A humanidade é, graças a ela, um todo coletivo, em que cada um completa o todo, e dele necessita; essa infinita diversidade é, assim, a principal causa e fundamento da solidariedade entre os seres humanos, um poderoso argumento a favor da igualdade. (BAKUNIN, 1979, p. 41).

O Ensino na nova sociedade
Mas, como funcionaria a ensino em uma nova sociedade? Para Bakunin, o ensino deveria ser dividido em duas partes. 1) O Ensino Científico, 2) O Ensino Industrial. O primeiro se preocuparia mais com as questões teóricas e conceituais, enquanto o segundo com a habilidade necessária para o trabalho manual. O Ensino Científico e o Industrial possuem uma parte geral e uma parte especial. A parte geral será obrigatória para todas as crianças e corresponderá ao conhecimento amplo e básico do conhecimento científico e intelectual, e do conhecimento das industrias e do trabalho manual. Trata-se, portanto, de preparar a criança para, ao chegar à adolescência, optar por uma industria e um trabalho para trabalhar, por um lado, e uma faculdade ou ciência para se aprofundar, por outro. Este aprofundamento se dá na parte especial. Nesta, o jovem escolhe livremente o seu trabalho manual e sob a orientação de professores terá uma aprendizagem mais profunda sobre o trabalho que pretende desenvolver, ao mesmo tempo, o jovem escolhe a faculdade em que estudará, aprofundando a ciência a que pretende se dedicar. É importante perceber que o adolescente deve ser livre para escolha a parte especial a que se dedicará, tanto no que diz respeito ao trabalho manual quanto no que diz respeito ao trabalho intelectual.

... os mestres escola e os pais de família, ao determinarem arbitrariamente o futuro das crianças, interrogam muito mais os seus próprios gostos do que as tendências naturais das crianças; como, em resumo, as faltas cometidas pelo despotismo são sempre mais funestas e menos responsáveis do que as cometidas pela liberdade, sustentamos total e plenamente, contra todos os tutores oficiais, oficiosos, paternais e pedantes do mundo, a liberdade das crianças escolherem e determinarem a sua própria carreira. Se se enganarem, o próprio erro cometido lhes servirá de lição eficaz para o futuro, e a instrução geral que terão recebido, ao servir-lhes de ponto de referência, lhes permitirá facilmente voltar ao caminho que a própria natureza lhes aponta. Tanto as crianças como os homens maduros, não se tornam sábios senão através de sua própria experiência, e nunca pela dos outros. (BAKUNIN, 1979, p. 44).

Além deste Ensino Industrial e Ensino Científico, e paralelo a eles, Bakunin fala de um Ensino Moral. Trata-se de um ensino prático da moral humana, um ensino que não é teórico, mas uma sucessão de experiências. Para Bakunin, esta moral humana é a nova moral da nova sociedade, que desbanca a moral divina na qual os homens são treinados na sociedade atual.

A moral divina baseia-se nestes dois princípios de imorais: o respeito pela autoridade e o desprezo pela humanidade. A moral humana, pelo contrário, funda-se no desprezo pela autoridade e no respeito pela liberdade e pela humanidade. A moral divina considera o trabalho como uma degradação e uma humilhação; a moral humana vê nela a condição suprema da felicidade e dignidade humanas. A moral divina conduz, necessariamente à política que só reconhece direitos àqueles que, devido à situação econômica privilegiada, podem viver sem trabalhar. A moral humana, só diz respeito àqueles que trabalham; ela considera que só pelo trabalho o homem se torna homem. (BAKUNIN, 1979, p. 45).

Assim, esta nova moral humana, através da sucessão de experiências concretas, forneceria um ensino para cada criança e jovem. Uma destas experiências seria a própria educação da criança, que teria como ponto de partida as autoridades, que lhes são responsáveis pelo ensino geral, mas que estimularia um processo em que a própria criança possa protagonizar a sua própria vida, decidindo o seu trabalho, os seus estudos e a sua forma de agir sobre o mundo.

A educação das crianças, tendo como ponto de partida a autoridade, deve gradualmente conduzir à mais completa liberdade. Nós entendemos a liberdade, do ponto de vista positivo, o pleno desenvolvimento de todas as faculdades que o homem possui; e do ponto de vista negativo, a inteira independência da vontade de cada um face aos outros. (BAKUNIN, 1979, p. 45).

Assim, a moral humana é uma moral prática que é decorrente da própria vida nesta nova sociedade. Ela é o resultado das experiências e das influências sociais sobre o homem. Decorre daí a importância do que Bakunin denomina de opinião pública. A opinião pública é “o conjunto das influências sociais dominantes, expresso pela consciência solidária e geral de um grupo humano mais ou menos extenso.” (BAKUNIN, 1979, p. 46). Ela é a educadora do homem por excelência. Ela é a responsável por formar uma nova moral e pelo ensino desta moral humana.

CONTINUAÇÃO DO ARTIGO:

Parte 02 - Os meios

Parte 03 - Nossa avaliação




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author by anarquistapublication date Tue Jan 31, 2006 07:18author address author phone Report this post to the editors

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Vamos a luta!!!!

 
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