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Movimentos Sociais, Burocratização e Poder Popular

category brazil/guyana/suriname/fguiana | a esquerda | feature author Friday December 03, 2010 01:57author by Felipe Corrêaauthor email felipe at riseup dot net Report this post to the editors

Da Teoria à Prática

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São Paulo, 1917: Greve Geral

O artigo conceitua os movimentos sociais, situando-os na história e busca um método de análise para pensá-los. Discutindo diferentes teorias dos movimentos sociais, o autor chega à Teoria do Confronto e a partir dela analisa os mecanismos e processos que envolvem a burocratização dos movimentos.

Depois, ele propõe contra-mecanismos e contra-processos para a desburocratização dos movimentos (um programa antiburocrático), juntamente com um projeto de poder popular. Ao final, discute problemas colocados pela prática.


MOVIMENTOS SOCIAIS, BUROCRATIZAÇÃO E PODER POPULAR

Da teoria à prática

Felipe Corrêa


Este artigo surgiu a partir de um convite do portal Passa Palavra, para todos que estiveram envolvidos no debate em torno da burocratização dos movimentos sociais lançado pelo artigo “Entre o Fogo e a Panela: movimentos sociais e burocratização”. A partir do convite, pensei que haveria algumas contribuições que eu poderia trazer ao debate, tanto a partir de referenciais teóricos, que venho estudando mais recentemente, quanto a partir do pouco mais de dez anos de prática com os movimentos sociais, que creio terem agregado algum conhecimento.

Na realidade, minha breve contribuição ao debate no Passa Palavra, feita por meio de um comentário ao artigo citado, referia-se aos problemas colocados pela prática, que muitas vezes complicam a análise e as propostas teóricas. E o convite foi realizado para que eu desenvolvesse esse argumento em um artigo.

Apesar disso, pensei que seria interessante voltar um pouco na discussão e tentar fazê-la do início, retomando aspectos de “Entre o Fogo e a Panela” e colocando uma análise própria sobre o tema para, posteriormente, chegar ao argumento dos problemas práticos.

Finalmente, decidi pelos seguintes passos que foram desenvolvidos: primeiro, busquei uma definição de objeto, tentando conceituar o que são os movimentos sociais e quando eles surgiram; depois, buscando um método de análise coerente, discutindo brevemente as três principais correntes teóricas sobre os movimentos sociais e chegando à Teoria do Confronto que, no campo acadêmico, parece oferecer boas bases para um trabalho teórico sobre os movimentos sociais.

Ainda que sem aprofundar significativamente o assunto, considerei as reflexões da Teoria do Confronto Político em torno de mecanismos e processos dos movimentos sociais e tentei aplicá-los, tanto para uma análise da burocratização como para um possível programa antiburocrático para os movimentos sociais. Se na primeira parte, de definição do objeto e de busca de um método de análise, utilizei referenciais acadêmicos, para a segunda parte, tentei formalizar uma série de conhecimentos que foram sendo adquiridos na prática com os movimentos sociais nesses anos. A idéia foi, basicamente, a partir de uma definição de burocracia e burocratização, listar tudo aquilo que contribuía com elas e, refletindo sobre causas e conseqüências, poder classificar e evidenciar mecanismos e processos de burocratização – o que constitui o problema a ser resolvido. Em seguida, desenvolvi um programa antiburocrático, que pode ser considerado uma saída para o problema apresentado.

Nessa reflexão sobre o programa antiburocrático, trago a discussão sobre o poder popular, baseando meus argumentos em material bastante recente produzido por uma determinada corrente, que hoje atua em movimentos sociais dos mais diferentes tipos – sindical, comunitário, estudantil, etc. E a partir dessa discussão, formulo teses sobre o poder popular que definem a concepção que sustento do conceito.

Por fim, entro em problemas que a prática coloca para a implementação do programa antiburocrático e do projeto de poder popular defendidos, levantando questões sem resposta para futuros debates coletivos.

O subtítulo “Da teoria à prática” revela esse fluxo do texto, que parte de reflexões em grande medida teóricas e acadêmicas, para uma elaboração de teoria baseada em conhecimentos práticos adquiridos ao longo do tempo e discutidos no âmbito da militância, chegando por fim aos problemas essencialmente práticos que se colocam para esta própria teoria.

Enfim, nada do que coloco, tanto em termos de crítica quanto de proposições, tem por objetivo constituir uma teoria fixa, nem mesmo uma sistematização que desconsidera a particularidade de cada situação e que pode ser aplicada em qualquer contexto sem variações significativas. As próprias categorias utilizadas podem se sobrepor ou serem analisadas de maneira distinta, conforme o caso.

De qualquer maneira, creio que este artigo pode contribuir com o debate acerca da burocratização dos movimentos sociais, levantando os problemas e sugerindo possíveis saídas para eles. E espero que ele possa contribuir com isso. Ainda que o maior problema, hoje em dia, para mim, esteja naquilo que diz respeito à dificuldade de mobilização – relacionando- se, portanto, mais aos setores externos aos movimentos, não há dúvida que, para os setores mobilizados, e, portanto, dos próprios movimentos, a burocratização é um problema de primeira ordem.


OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA HISTÓRIA: DEFINIÇÕES

Diversas produções teóricas contemporâneas vêm buscando criar ferramentas para aprofundar o estudo dos movimentos sociais. Ferramentas estas que podem ser utilizadas para análises dos movimentos sociais, mas também para um universo mais amplo de ações coletivas que envolvem as relações de poder. Utilizarei, para uma definição de objeto, conceitos desenvolvidos por autores da chamada “Teoria do Confronto Político” – em inglês, “Contentious Politics”.

O que são os movimentos sociais?

Doug McAdam, Sidney Tarrow e Charles Tilly, teóricos que hoje podem ser inscritos nesse campo da Teoria do Confronto Político, vêm se esforçando nas últimas décadas para uma definição de objeto, a partir de determinadas ferramentas conceituais. Segundo sua definição,

“um movimento social é uma interação sustentada entre pessoas poderosas e outras que não têm poder: um desafio contínuo aos detentores de poder em nome da população cujos interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente prejudicada ou ameaçada por isso. […] Esta definição específica exclui as reivindicações coletivas de poderosos em relação a poderosos, esforços coletivos para se evadir ou se auto-renovar e alguns outros fenômenos próximos que, de fato, compartilham características importantes com as interações que estão dentro das fronteiras. Nós nos concentramos nas relações dominantes-subordinados baseados na hipótese de que o confronto que envolve uma desigualdade substancial entre os protagonistas tem características gerais distintivas que ligam movimentos sociais a revoluções, rebeliões e nacionalismos de base popular (bottom-up).” (McAdam, Tarrow, Tilly, 1996, p. 21)

Neste sentido, os movimentos sociais são definidos a partir dessa relação de poder. Poder este que circula por todo o corpo social, nas mais diferentes esferas estruturadas e relações sociais – e, portanto, circula pelas esferas econômica, política- jurídica-militar e também ideológica-cultural. Resultado destas relações de poder, os movimentos sociais surgem para organizar uma força social que tem por objetivo modificar a relação de poder estabelecida; uma relação em que os poderosos impuseram sua vontade por meio da força social mobilizada, sobrepujando outras forças e constituindo, na maioria dos casos, uma relação de dominação, chamada de “relações dominantes-subordinados”, e gerando confronto político.

Relações de confronto político foram muito comuns durante todas as épocas da história “desde tumultos por comida e rebeliões contra impostos e até guerras religiosas e revoluções”. No entanto,

“é apenas quando a ação coletiva contra antagonistas é sustentada que um episódio de confronto se torna um movimento social. Objetivos comuns, identidades coletivas e desafios identificáveis ajudam os movimentos a fazer isso, mas, a não ser que possam sustentar seu desafio, irão desaparecer numa espécie de ressentimento individualista, que James Scott chama de ‘resistência’, endurecer-se em seitas religiosas ou intelectuais ou recolher-se ao isolamento. A sustentação da ação coletiva em interação com opositores poderosos distingue o movimento social das formas iniciais de protesto que vieram antes dele na história e ainda hoje o acompanham.” (Tarrow, 2009, p. 23)

Quando e como surgiram os movimentos sociais?

É a partir desta definição que os autores consideram que as condições para o surgimento dos movimentos sociais se deram somente a partir do século XVIII. “Durante o século XVIII, pessoas na Europa Ocidental e na América do Norte deram início à decisiva criação de um novo fenômeno político. Elas começaram a criar movimentos sociais.” (Tilly e Wood, 2008, p. 3). Foi neste contexto que se reuniram as condições para que os movimentos sociais começassem uma intervenção no jogo de forças da sociedade, colocando-se como novos atores políticos – ainda que o termo “movimentos sociais” tenha sido utilizado somente a partir de meados do século XIX.

Mudanças fundamentais que possibilitaram o surgimento e o desenvolvimento dos movimentos sociais foram: a formação de governos fortes, ainda que em diversos deles possa ser notado um enfraquecimento das monarquias; a formação de organizações populares reivindicando algo a esses governos; o surgimento de uma elite propensa a governar em nome do povo; desenvolvimentos nos transportes e nas relações comerciais, que passaram a ligar povos distantes; o aumento da capacidade de ler e escrever e o surgimento de novos meios de comunicação, conectando maior número de pessoas. Era um contexto, enfim, de desenvolvimento do capitalismo e do Estado Moderno.

Foi esse contexto que possibilitou o surgimento dos movimentos sociais, no ocidente, depois de 1750, a partir de uma síntese inovadora, resultante de três elementos:

“1. Um esforço público sustentado e organizado para fazer reivindicações em relação às autoridades (chamemos isso de campanha).
2. O emprego de combinações dentre as seguintes formas de ação política: criação de associações e coalizões com propósitos especiais, reuniões públicas, marchas, vigílias, comícios, manifestações, petições, declarações para a imprensa e panfletagem (chamemos o conjunto variável de atuação de repertório do movimento social).
3. As representações públicas planejadas pelos participantes de ‘RUNC’: respeitabilidade, unidade, números e compromisso de uma parte deles e/ou daqueles em seu círculo (chamemos isso de demonstrações de RUNC).” (Tilly e Lesley 2008, pp. 3-4)

As campanhas diferenciam-se das ações que se realizam somente uma vez, estendendo-se para além disso, e possuem, geralmente, três partes envolvidas: um grupo de reivindicadores, um objeto de reivindicação e algum tipo de público. As reivindicações podem ser dirigidas ao governo, mas também a outros detentores de poder como proprietários, autoridades religiosas, entre outros. O repertório do movimento social se sobrepõe a outros tipos de fenômenos políticos e o conjunto “RUNC” influencia as formas de ação do movimento.

A partir dessas definições, pode-se entender que os movimentos sociais incluem uma infinidade de fenômenos que vão do século XVIII até os nossos dias. Movimentos mais ou menos revolucionários, em torno do local de trabalho, do local de moradia, do local de estudo, em torno das mais diversas reivindicações.

Hoje, no Brasil, pensar na questão dos movimentos sociais deve significar, portanto, uma análise sobre os mais diversos fenômenos, incluindo os diversos movimentos populares, e, portanto, também o movimento sindical. Fenômenos que existem por aqui há mais de um século.



A BUSCA DE UM MÉTODO DE ANÁLISE: TEORIAS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

Depois de um processo de longas discussões entre teóricos dos movimentos sociais das ciências sociais, há hoje uma busca de conciliação. Apresentarei brevemente as principais teorias clássicas sobre os movimentos sociais para dar uma idéia das posições envolvidas no debate, tendo por objetivo encontrar um método de análise adequado para pensar a questão da burocratização dos movimentos.

As teorias clássicas sobre os movimentos sociais

Surgiram, desde os anos 1970, três teorias fundamentais sobre os movimentos sociais. A Teoria da Mobilização de Recursos (TMR), a Teoria do Processo Político (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS). A TMR “enfatizou o significado das bases organizacionais, da acumulação de recursos e a coordenação coletiva de atores políticos populares”; defendeu as “similaridades e convergências entre movimentos sociais e grupos de interesse”; os modelos iniciais “exageraram na centralidade das decisões estratégicas deliberadas para os movimentos sociais” e praticamente não consideraram “as eventualidades, a emotividade, a plasticidade e as características interativas das políticas dos movimentos”. Pelo menos, a TMR atentou “ao significado dos processos organizacionais na política popular”. A TPP enfatizou, diferentemente, “o dinamismo, a interação estratégica, e a resposta ao ambiente político”; produzindo “pesquisas sobre as formas de reivindicação que as pessoas utilizam em situações reais da vida – o que seria chamado de ‘repertório do confronto’”. Mais recentemente, uma reação ao estruturalismo desses estudos anteriores aproximou pesquisadores de “perspectivas culturais e sociais-psicológicas”, adicionando outro elemento ao estudo dos movimentos sociais: o processo de criação de quadros interpretativos (framing). (McAdam, Tarrow, Tilly, 2001, pp. 15- 16)

O processo de desenvolvimento dessas teorias, dos debates e do movimento conciliatório, tratado no artigo “As Teorias dos Movimentos Sociais”, de Angela Alonso, coloca um resumo dessas três teorias.

“Em suma, as três teorias – agora clássicas – sobre movimentos sociais têm contornos bastante peculiares. A TMR focalizou a dimensão micro-organizacional e estratégica da ação coletiva e praticamente limou o simbolismo na explicação. Já a TPP privilegiou o ambiente macropolítico e incorporou a cultura na análise por meio do conceito de repertório, embora não tenha lhe dado lugar de honra. A TNMS, inversamente, acentuou aspectos simbólicos e cognitivos – e mesmo emoções coletivas –, incluindo-os na própria definição de movimentos sociais. Em contrapartida, deu menor relevo ao ambiente político em que a mobilização transcorre e aos interesses e recursos materiais que ela envolve.” (Alonso, 2009, p. 69)

A defesa dessas três teorias ocupou os debates até o início dos anos 1980 e, após isso, houve intensas discussões e polêmicas em torno do problema identidade versus estratégia. Naquele momento, autores criticavam as teorias que não defendiam e, ao mesmo tempo, afirmando suas próprias teorias, realizavam certa autocrítica.

Finalmente, um processo de certa conciliação estendeu-se durante os anos 1990 e 2000. Defensores da TNMS assumiram que as outras teorias eram, de fato, mais adequadas para lidar com a racionalidade e a lógica dos movimentos sociais, agregando em seu método de análise recursos, estratégias e oportunidades. A TPP admitiu a falta de espaço que a cultura tinha em sua abordagem, adotando o conceito de “identidade coletiva”. A TMR perdeu espaço durante o debate, reconhecendo seus limites e incorporando categorias da TPP ou aproximando-se da TNMS.

A partir de então houve uma aproximação entre os teóricos dos movimentos sociais. Buscando extrair os principais resultados desse debate, esses teóricos vêm criando teorias mais amplas, que envolvem aspectos das três antigas correntes, em uma espécie de “síntese” da teoria dos movimentos sociais, ainda que diferenças significativas continuem existindo. Utilizando elementos objetivos e subjetivos, essa síntese estabeleceu-se em torno das seguintes posições: Os “movimentos sociais não surgem pela simples presença de desigualdade”, ainda que a desigualdade seja um fator de relevância e, na presença de outros elementos, possa impulsionar as mobilizações, transformando-se em variadas reivindicações. Os movimentos sociais não “resultam diretamente de cálculos de interesses ou de valores”, ainda que esses cálculos estejam presentes em diversos movimentos. Assim, as “mobilizações envolvem tanto a ação estratégica, crucial para o controle sobre bens e recursos que sustentam a ação coletiva, quanto a formação de solidariedades e identidades coletivas”. (Alonso 2009, p. 72)

No decorrer desse debate, a TNMS deslocou-se do estudo dos movimentos sociais para o estudo da sociedade civil, de maneira mais ampla. A TPP ampliou seu escopo desenvolvendo um método que fosse capaz de compreender episódios de terrorismo (a partir das reflexões sobre a violência, que já estavam presentes em sua teoria), de burocratização, de globalização, dando conta da questão cultural, relegada, de certa forma, anteriormente. A partir desta mudança, teóricos como Tilly, Tarrow e McAdam passam a sustentar que os movimentos sociais fazem parte de um amplo conjunto de políticas “contenciosas”, ou “de confronto”, como vem sendo traduzido o termo “contentious”. Com as ferramentas de análise deste amplo conjunto que envolve o confronto, seria possível interpretar fenômenos que passam por movimentos sociais, sindicalismo, nacionalismo, partidos, conflitos étnicos, guerrilhas, terrorismo, insurreições e revoluções.

Na América Latina, a TNMS detém ainda a hegemonia nos estudos sobre os movimentos sociais e só recentemente as teorias daqueles que estavam em torno da TPP, e que agora a ampliam, incorporando elementos das outras teorias, em torno da Teoria do Confronto, começam a ser pesquisadas e utilizadas.

A Teoria do Confronto Político

Um aspecto importante a ser ressaltado é que todas as teorias dos movimentos sociais, há muito, descartaram o determinismo econômico. Se é verdade que algumas delas dão à economia pouca importância, o me parece um grande equívoco, assumir que ela determinaria mecanicamente a política e a ideologia-cultura é um erro de mesmas proporções. Todas as teorias dos movimentos sociais rejeitam o determinismo econômico, fundamentadas em observações atentas da realidade. E a Teoria do Confronto não é diferente e considera como base a influência mútua e a interdependência das diferentes esferas: econômica, política (envolvendo aspectos jurídicos e militares) e ideológica-cultural.

A própria origem da Teoria do Confronto, que tem por base a TPP, surge deste debate; ela e a TNMS surgem dos “debates sobre a revolução, ou melhor, da exaustão dos debates marxistas sobre as possibilidades da revolução. Ambas se insurgiram contra explicações deterministas e economicistas da ação coletiva e contra a idéia de um sujeito histórico universal.” (Alonso, 2009, p. 53)

A Teoria do Confronto, a partir dessas bases, propõe-se como ferramenta teórica para estudos que também englobam os movimentos sociais. Sem procurar identificar mecanismos e categorias fixas, que se repetem ao longo da história e que permitiriam interpretar o futuro, sem estabelecer causas e conseqüências fixas, e sem buscar estabelecer leis gerais que funcionariam de maneira ahistórica, a Teoria do Confronto propõe um método de análise amplo e dinâmico, oferecendo aos interessados no estudo do confronto um programa, ou seja, um conjunto de elementos que possa nortear a compreensão dos acontecimentos reais.

Esse programa, conforme colocam seus proponentes, tem um lado negativo e outro positivo, constituindo as bases para uma análise que também envolve os movimentos sociais. Seus aspectos negativos envolvem:

“- Abandonar os esforços para provar que o racionalismo, o culturalismo ou o estruturalismo explicam episódios particulares.
- Abandonar a explicação dos eventos enquadrando-os no modelo clássico de movimento social ou qualquer outro modelo geral e invariável. […]
- Abandonar as críticas dos modelos clássicos que adicionam elementos ou simplesmente modificam seus aspectos principais. […]
- Abandonar os esforços para especificar as condições suficientes e/ou necessárias para a totalidade dos tipos de episódios por meio de comparações sim/não ou análises correlacionais. […]
- Utilizar estes mesmos métodos de maneira esparsa, e principalmente especificar o que deve ser explicado. […]”

Seus aspectos positivos envolvem:

“- Transversalmente, em um conjunto de casos, identificar e testar a presença de destaques operacionais específicos para mecanismos particulares. […]
- Identificar, estudar e comparar processos comuns – que frequentemente repitam sequências e combinações de mecanismos. […]
- Especificar como mecanismos particulares funcionam, examinando evidências de múltiplos episódios. […]
- Quando houver esforço para explicar episódios completos, especificar o que pode se distinguir entre eles e que precisam de explicação, identificar mecanismos e processos que causam esses aspectos diferenciados e, então, tornar concreta essa identificação pela comparação com pelo menos um outro episódio diferente no que diz respeito aos aspectos distintos. […]
- Considerar uma categoria de episódios considerada sui generis pelas pessoas, identificar o que é problemático sobre os episódios e, então, especificar os mecanismos e processos que causaram esses aspectos problemáticos. […]” (McAdam, Tarrow, Tilly, 2001, pp. 312-313)

Parece-me que a recente Teoria do Confronto seja uma ferramenta adequada para a análise dos movimentos sociais – e inclusive de outros episódios que envolvem o confronto – nas mais diversas localidades, incluindo a América Latina.

Obviamente que este programa é muito mais complexo e, portanto, excessivamente amplo, visando nortear pesquisas de grande envergadura, o que não é o caso deste artigo. De qualquer forma, creio que vale ressaltar que esta teoria pode contribuir de maneira significativa com as pesquisas sobre movimentos sociais.

Por este motivo, utilizarei neste artigo alguns aspectos da Teoria do Confronto. Desconsiderarei toda a parte negativa do programa citado, e levarei em conta apenas alguns dos aspectos positivos. Buscarei conceituar o que são mecanismos, processos e as relações entre eles.

Definindo mecanismos e processos

Para o método de análise escolhido, é necessário definir mecanismos e processos.

Mecanismos são tipos de eventos que alteram as relações entre conjuntos específicos de elementos de maneira idêntica ou bastante similar em diferentes situações.

Processos são sequências regulares desses mecanismos que produzem transformações similares (geralmente mais complexas e eventuais) desses elementos.” (McAdam, Tarrow, Tilly, 2001, p. 24)

Desconsiderarei aqui os episódios, que são os conjuntos de processos e dão corpo a movimentos coletivos amplos. A meu ver, esta categoria é mais adequada para explicar movimentos de maneira mais geral, e não processos internos aos movimentos, o que é aqui o caso.

McAdam, Tarrow e Tilly (2001) sugerem que os mecanismos podem ser de três tipos: relacionados ao meio, que refletem as influências externas e que afetam a vida geral; cognitivos, que se manifestam na alteração das percepções individuais e coletivas; e relacionais, que se dão a partir das relações entre pessoas e grupos de pessoas. Portanto, os mecanismos envolvem o meio (relações econômicas, políticas e ideológicas-culturais), o indivíduo (a forma com que esse indivíduo vê o mundo) e a interação entre indivíduos e o meio, de maneira mais ampla.

Quando os mecanismos são concatenados com outros, surgem os processos, que são “cadeias causais, sequências e combinações de mecanismos que ocorrem frequentemente”. (Ibidem. p. 27)

A partir desta noção de mecanismos e processos, tentarei identificar os principais mecanismos que são responsáveis pelos processos de burocratização dos movimentos sociais. Em seguida, tentarei propor “contra-mecanismos” que resultem em “contra-processos” que poderiam desburocratizar os movimentos, oferecendo saídas ao problema da burocratização. Finalmente, tratarei de algumas problemáticas que envolvem as questões colocadas.



MECANISMOS E PROCESSOS DE BUROCRATIZAÇÃO

Os processos de burocratização

Para tentar identificar os processos de burocratização dos movimentos sociais, creio ser apropriado definir burocracia e burocratização.

“[O termo burocracia é utilizado para] indicar criticamente a proliferação de normas e regulamentos, o ritualismo, a falta de iniciativa, o desperdício de recursos, em suma, a ineficiência das grandes organizações públicas e privadas. […] Uma organização burocrática é caracterizada por relações de autoridade entre posições ordenadas sistematicamente de modo hierárquico, por esferas de competências claramente definidas, por uma elevada divisão do trabalho e por uma precisa separação entre pessoa e cargo no sentido de que os funcionários e os empregados não possuem, a título pessoal, os recursos administrativos, dos quais devem prestar contas, e não podem apoderar-se do cargo. […] Burocratização significa proliferação de organismos sem conexão com as exigências gerais da funcionalidade, acentuação dos aspectos formais e processuais sobre os aspectos substanciais com a conseqüente morosidade das atividades e redução das tarefas desempenhadas, sobrevivência e elefantíase de organismos que não desempenham mais alguma função efetiva e, finalmente, triunfo da organização – a burocracia – sobre suas finalidades.” (Bobbio, 2004, pp. 124-130)

A partir destas definições, é possível afirmar que a burocracia e a burocratização são definidas a partir de dois grandes processos: 1.) Divisão do trabalho e hierarquia; 2.) Falta de eficiência, desperdício de recursos, excesso de processos e de estruturas.

Ambos processos são responsáveis por criar a burocratização dos movimentos sociais. De forma esquemática, podemos visualizar essa afirmação da seguinte maneira:

movimentos-2

Tentarei definir mais detalhadamente esses dois processos.

1.) Divisão do trabalho e hierarquia

A divisão do trabalho nos movimentos sociais acontece quando há a separação entre funções, reservando a cada militante somente um limitado conjunto de atividades que, na maioria dos casos, não permite a ele o conhecimento de todo o trabalho que é realizado no movimento. A hierarquia existe quando há distintos níveis de autoridade: superiores e inferiores, uns com maior poder de deliberação do que outros, relação de dominação entre uns e outros.

A divisão do trabalho e a hierarquia podem se dar tanto dentro de um movimento social como entre o movimento e outros agentes/organismos. Juntas, a divisão do trabalho e a hierarquia constituem a separação entre o pensar e o fazer, entre o dirigir e o ser dirigido, entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Por meio desta separação, há aqueles que decidem os assuntos mais importantes do movimento, e que terão um desenvolvimento intelectual mais amplo, e outros que obedecem e que, por razão do excesso de trabalho que envolve baixo nível intelectual, tenderão a permanecer menos intelectualizados. Diferença que tende a manter a divisão do trabalho e a hierarquia, sempre com os mesmos indivíduos/grupos exercendo autoridade, em um círculo vicioso que fortalece cada vez mais quem detém as posições de autoridade e enfraquece o restante, a maior parte do movimento.

2.) Falta de eficiência, desperdício de recursos, excesso de processos e de estruturas

Falar de eficiência no movimento social significa discutir a estratégia do próprio movimento. Envolve, portanto, discutir os objetivos e os caminhos para atingi-los – é, portanto, uma discussão de tática e estratégia. A eficiência envolve a capacidade de atingir os objetivos da maneira mais rápida e menos custosa possível, falando em termos dos mais diferentes tipos de recursos (incluindo humanos). A falta de eficiência ocorre geralmente por alguns motivos: objetivos mal-definidos, escolha de caminhos que levam a outros objetivos, diferentes dos estabelecidos, e/ou a transformação dos meios em fins.

Os recursos em um movimento social são de três tipos: materiais, envolvendo recursos financeiros e infra-estrutura; humanos, envolvendo a militância e os apoiadores; organizativos, com os espaços de coordenação/articulação. O desperdício desses recursos em um movimento implica que ele certamente terá resultados aquém do que poderia estar tendo. Dessa forma, para aumentar permanentemente seus resultados o movimento social deve pensar em como potencializar ao máximo seus recursos e fazer com que se convertam em ferramentas para atingir seus objetivos com eficiência.

Falar de excesso de processos e estruturas envolve também pensar a questão da eficiência. Um movimento social, para ser eficiente, tem de ter processos e estruturas na medida ideal, de maneira que não tornem a organização lenta, complicada demais de administrar ou que tragam dificuldade às tomadas de decisão. Isso não significa defender que os movimentos não devem ter processos e estruturas; estas são ferramentas imprescindíveis, mas não devem existir em excesso, de maneira a atrapalhar. Na realidade, eficiência, desperdício de recursos e excesso de processos e estruturas estão todos ligados; de maneira estratégica, a eficiência será o resultado de uma boa utilização de recursos e de uma adequação dos processos e das estruturas do movimento.

Os mecanismos de burocratização

Esses dois processos de burocratização dos movimentos sociais surgem a partir de mecanismos de burocratização. Agrupados, os mecanismos dão corpo aos processos.

Para definir quais são os mecanismos que se evidenciam na prática, e que levam aos processos de burocratização, é importante levar em conta o método de análise proposto pela Teoria do Confronto. Recordemos que ele é “amplo e dinâmico, sem estabelecer causas e conseqüências fixas, e leis gerais, que funcionariam de maneira ahistórica”. Portanto, esses mecanismos são dinâmicos e, podem, dependendo do contexto, além de ser a causa dos processos de burocratização, ser também sua conseqüência, dando corpo a uma espécie de “círculo vicioso”; eles têm, também, relações com o contexto histórico dentro do qual estão inseridos. Recordemos que esses mecanismos podem ser gerados: pelo reflexo de influências externas (relacionados ao meio), pelas alterações de percepções individuais e coletivas (cognitivos) e pelas relações humanas (relacionais).

Assim, refletindo sobre o primeiro processo de burocratização (Divisão do trabalho e hierarquia), é possível afirmar que ele seja gerado a partir de dois mecanismos fundamentais: a.) Separação entre a base e a direção do movimento social; b.) Subordinação do movimento a instrumentos, instituições, e/ou indivíduos externos.

Sobre o segundo processo de burocratização (Falta de eficiência, desperdício de recursos, excesso de processos e de estruturas), é possível afirmar que ele seja gerado a partir de quatro mecanismos fundamentais: a.) Falta de perspectiva de longo prazo; b.) Utilização de meios inadequados para os fins que se quer atingir; c.) Transformação dos meios em fins; d.) Desperdício de força social.

De maneira esquemática, podemos visualizar essa relação entre os mecanismos e os processos de burocratização da seguinte maneira:

movimentos-1

Tentarei, a partir dessa hipótese, definir de maneira mais aprofundada esses seis mecanismos que dão origem aos dois processos de burocratização.

Mecanismos geradores do processo 1.) Divisão do trabalho e hierarquia:

a.) Separação entre base e direção

Nos movimentos sociais, assim como em quaisquer outros espaços da sociedade, é natural que existam pessoas com diferentes características pessoais – isso é, afinal, a diversidade –, e, conseqüentemente, é natural que existam lideranças naturais que possuem maior capacidade de persuasão, de oratória, de iniciativa etc. Assim, com essa diversidade grande entre os indivíduos, é natural que, em espaços coletivos, alguns tenham destaque em relação a outros no que diz respeito à liderança. No entanto, reconhecer isso não significa a mesma coisa que separar o movimento entre base e direção. Na realidade, o que vai determinar se as lideranças naturais atuam para o proveito do movimento ou para seu próprio proveito é a maneira como ela vai trabalhar e a relação que ela vai estabelecer com o movimento social.

A separação entre base e direção dentro de um movimento social pode ocorrer de duas formas: a primeira, quando o movimento escolhe deliberadamente uma estrutura orgânica hierárquica e estabelece níveis diferenciados de militantes, havendo relação de dominação entre eles; a segunda quando as lideranças naturais vão se cristalizando e, geralmente por uma passividade da base, há uma separação, ainda que informal, entre a base e a direção; separação esta que se consolida paulatinamente em um modelo de organização forjado nas relações de dominação, ainda que isso não seja assumido formalmente.

Uma das práticas que reforça esta separação é quando o movimento opta por delegar funções a militantes sem utilizar o mandato imperativo, ou seja, os delegados, ao invés de responderem a uma instância da base, que deveria controlar a delegação, tomam as decisões por conta própria, de acordo com aquilo que acreditam ser melhor e não de acordo com aquilo que foi deliberado pela base. Há, nos casos em que não se utiliza o mandato imperativo, uma autonomia completa dos delegados em relação à base.

Outra prática que reforça a separação acontece quando as delegações, e as próprias funções dentro do movimento, não são rotativas; tende-se assim ao estabelecimento de funções diferenciadas e quem ficar responsável pelos trabalhos que exijam maior capacitação, envolvam contatos, articulações, formação etc. tenderá a capacitar-se cada vez mais e distanciar-se da base.

A principal divisão do trabalho em movimentos sociais hierárquicos é a separação entre a base e a direção. Ou seja, uma separação entre um grupo menor que dirige, planeja, pensa, organiza, comanda e controla e um grupo maior que é dirigido, executa, faz, é organizado, comandado e controlado. É uma divisão semelhante ao que acontece no capitalismo entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Outras formas de divisão do trabalho, ainda que não tenham a hierarquia, tendem a criar funções especializadas e manter os militantes sempre nas mesmas funções, impedindo, com freqüência, um conhecimento geral das atividades e das lutas do movimento. Quando isso acontece, não há uma educação que se amplie no fazer cotidiano e a alienação pode ser constante. Cada militante ou grupo executa sempre as mesmas tarefas ou conjuntos de tarefas e deixa de lado aquilo que é realizado pelos outros; perde, portanto, a noção da totalidade do movimento, a visão estratégica.

b.) Subordinação do movimento a instrumentos, instituições e/ou indivíduos externos

O mecanismo descrito como separação entre base e direção se dá dentro do movimento social, mas há um outro mecanismo que contribui para os processos de burocratização, ocorrendo nas relações entre o movimento social e instrumentos, instituições, e/ ou indivíduos externos a ele. Se, no primeiro caso, a ameaça está dentro do próprio movimento, neste caso ela está fora dele. Ainda assim, não são mecanismos excludentes e podem ocorrer concomitantemente.

A subordinação do movimento social acontece quando ele se coloca sob relação de hierarquia e dominação. Da mesma forma que na separação entre base e direção, essa relação de subordinação coloca o movimento na posição de subjugado, em relação a agentes/organismos externos a ele.

Um caso muito comum é o da relação entre movimentos sociais e partidos. Sejam esses partidos revolucionários ou reformistas, neste caso, eles colocam-se sobre os movimentos sociais, constituindo, de fato, suas direções. Independente do motivo disso acontecer – pode ser por uma concepção ideológica de que o movimento social só tem capacidade de realizar lutas de curto prazo, e que a consciência lhe deve ser trazida de fora, ou por posições mais pragmáticas, de angariar apoiadores e votos para uma campanha eleitoral, entre outros –, o fato é que o movimento social passa a não ter mais capacidade de autodeterminação; não decide mais sobre aquilo que lhe diz respeito: seus objetivos, seus meios de luta, suas alianças, etc. Nesta relação de subordinação do movimento em relação ao partido, o movimento atua em proveito de interesses alheios, diferentes dos seus.

Não é só em relação aos partidos que os movimentos sociais podem estar subordinados. Isso pode ocorrer na relação com o Estado, ONGs, empresas privadas, igrejas, sindicatos ou mesmo individualidades. São comuns casos em que movimentos sociais aproximam- se de governos de esquerda, que lhe prometem maior espaço dentro da institucionalidade, casos em que movimentos relacionam-se com ONGs e, por questões de formação, financiamento etc., terminam perdendo a autonomia e passam a funcionar em torno do interesse desses terceiros. A mesma coisa acontece em relação às empresas com financiamento de projetos, igrejas buscando fiéis, sindicatos burocratizados em busca de base etc.

Finalmente, não tão comum quanto os outros, é a subordinação de todo um movimento a pessoas, pelos motivos mais diversos – poder alcançado por controle de recursos, capacidade profissional (advogados, por exemplo), ameaça e medo dos outros etc.

Enfim, este mecanismo é similar à separação entre direção e base, com a diferença que, nesse caso, a subjugação é de todo o movimento social em relação a agentes/ organismos externos a ele.

Os problemas da divisão do trabalho e da hierarquia

Separação entre base e direção e subordinação do movimento social a agentes/organismos externos são mecanismos que ocasionam um processo de burocratização e têm efeitos perversos. Com a divisão do trabalho e a hierarquia, independente se o movimento é analisado internamente, ou a análise se dá em torno das suas relações com agentes/organismos externos, pode-se afirmar que, em ambos os casos, há uma direção, que pode estar dentro ou fora do movimento, e uma base, que pode estar dentro do movimento ou ser o próprio movimento, como um todo.

A partir destes mecanismos, é comum identificar a independência e a autonomia da direção, em relação às tomadas de decisão, sendo as bases cada vez menos envolvidas. A direção delibera e passa as orientações, ainda que em assembléia, para a base, que somente executa essas deliberações.

As assembléias, dessa forma, não são espaços privilegiados em que todo o movimento expõe suas posições e toma suas decisões; tornam-se espaços de informes, daquilo que a direção (a minoria) deliberou, e que será executado pela base (a maioria). Neste modelo, as decisões são tomadas “de cima para baixo”, e uma minoria decide em nome da maioria, muitas vezes a partir de interesses distintos.

Ambos os mecanismos, neste caso, criam dependência e subserviência da base, minam sua iniciativa e sufocam sua espontaneidade natural. Ocasionam prejuízos para a base, que é criada para obedecer e executar. Num círculo vicioso, a passividade gera passividade, tendendo a afastar cada vez mais a base dos processos do movimento e do próprio movimento: é comum, em algum tempo, o movimento passar a ser constituído praticamente só pela direção, com a base contando em número, mas não em participação efetiva. A passividade disseminada na base faz com que ela não se interesse pelos assuntos do movimento, não possua iniciativa e nem capacidade crítica, incluindo a criação de mecanismos de controle da direção.

Separada da base, a direção se cristaliza e gosta cada vez mais dos privilégios que a posição oferece: autoridade moral, benefícios financeiros, poder em relação a outros etc. Com o tempo, não quer mais perdê-los, passando a atuar mais para a manutenção desses privilégios obtidos, do que para os objetivos do movimento. Um problema que se agrava ainda mais quando o emprego do militante é a militância no movimento, ou seja, quando sua fonte única/ principal de renda vem da realização de atividades no movimento.

Além disso, a direção, envolvida cada vez mais freqüentemente com gestores de empresas, membros da burocracia do Estado, direções partidárias etc. – em processos de negociação, por exemplo – tem contato com uma vida diferente, convive com pessoas diferentes, membros de outras classes, e é natural que tenda a se sentir cada mais afastada da base e, assim também, do movimento. É freqüente que não queira mais o trabalho de base do dia-a-dia e prefira as discussões burocráticas, os almoços de negociações, a gestão de amplos recursos, a convivência com uma realidade distante daquela que lhe deu origem. Com algum tempo nesta posição, a realidade do movimento, fundamentalmente a da base, não lhe pertence mais. A direção, enfim, pertence à outra classe, diferente daquela da base do movimento e, portanto, possui aspirações, valores e interesses distintos, sendo natural que reproduza dentro do movimento um processo de dominação, que passa a ser de classe. Os privilégios passam progressivamente a ser fonte de um medo cada vez maior da direção, que teme processos que os ameacem e a retire dessa posição.

Mecanismos geradores do processo 2.) Falta de eficiência, desperdício de recursos, excesso de processos e de estruturas

a.) Falta de perspectiva de longo prazo

Este mecanismo implica a discussão de objetivos dos movimentos sociais. De maneira simples, poderíamos dividir os objetivos naqueles de curto e de longo prazo. Os objetivos de curto prazo são aqueles que o movimento deve buscar em um pequeno espaço de tempo e os de longo aquilo que devem ter como horizonte, como projeto para ser atingido em um grande espaço de tempo.

Nos movimentos sociais, é natural que existam os objetivos de curto prazo, pois geralmente é em torno da luta por esses objetivos que se forma o movimento. Objetivos de curto prazo envolvem: a conquista de moradia, para um movimento de sem-teto; a ocupação de uma terra sem função social e o estabelecimento de um assentamento, para um movimento de sem- terra; a conquista de planos assistenciais e de emprego para um movimento de desempregados; a conquista de melhorias para o bairro, para um movimento comunitário; o aumento das bolsas para alunos pobres em universidades, para o movimento estudantil. A lista é interminável.

Para o movimento sindical, especificamente, o objetivo de curto prazo fundamental é a defesa dos trabalhadores, naquilo que diz respeito à manutenção de seus direitos conquistados e da ampliação desses direitos. Ou pelo menos o objetivo deveria ser este.

Discutir objetivos de curto prazo já traz um problema: ainda que diversos movimentos tenham objetivos concretos de curto prazo, e saibam, portanto, para onde caminhar, no que diz respeito ao imediato, tratar especificamente do movimento sindical possibilita afirmar que a maior parte dele, ainda que na retórica afirme esses objetivos, na prática já os abandonou. Nestes casos, que constituem maioria, nem mesmo existem os objetivos de curto prazo, já que diversos sindicatos e centrais estão completamente comprometidos com os patrões, com o Estado e com os partidos políticos, obviamente em detrimento dos trabalhadores.

O problema se aprofunda na discussão dos objetivos de longo prazo. Ou seja, finalmente, onde querem chegar os movimentos? Se a maior parte dos movimentos sociais, excluindo os sindicatos, está formada a partir dos objetivos de curto prazo, também é verdade que a maioria não possui objetivos ou perspectiva de longo prazo. Para essa maioria, a conquista imediata é o fim: conquistando a moradia termina a luta, conquistando terra termina a luta, e assim por diante.

Isso permite considerar esses movimentos reformistas, já que seu fim último encontra-se com a realização dos objetivos de curto prazo dentro do capitalismo. No caso do sindicalismo, se a grande maioria não tem sequer objetivos de curto prazo, o que dizer da perspectiva de longo prazo…

Sem a perspectiva de longo prazo, os movimentos não possuem um “norte”, que os permita caminhar com certa unidade. E a falta deste “norte” faz com que o movimento torne-se um verdadeiro barco sem bússola que, com freqüência, gira em torno de si mesmo sem conseguir avançar. A falta de perspectiva de longo prazo faz com que os movimentos girem em torno de si mesmos, contribuindo com os processos de burocratização.

b.) Utilização de meios inadequados para os fins que se quer atingir

Pensando de maneira estratégica, é possível afirmar que são os meios que conduzem aos fins. Utilizando uma metáfora, pode-se afirmar que se queremos ir para o Rio de Janeiro, saindo de São Paulo, não adianta pegarmos uma estrada que vá para Curitiba. Se pegarmos a estrada para Curitiba, chegaremos em Curitiba e não no Rio de Janeiro.

O raciocínio pode parecer ingênuo, mas não é. Ele aponta conceitos básicos em torno da discussão de estratégia e tática: os objetivos estratégicos devem determinar a estratégia e esta deve determinar as táticas. Portanto, a realização das táticas deve contribuir com o avanço da estratégia e com a aproximação dos objetivos. Um movimento social que não consegue atingir seus objetivos, como já colocado, é um movimento que não possui eficiência.

Diversos equívocos nas escolhas dos meios utilizados pelos movimentos sociais os têm conduzido a fins distintos daqueles que haviam sido planejados ou daqueles que deveriam, de fato, ser os seus fins.

Muitas dessas escolhas equivocadas de meios ocorrem por razão de uma concepção que entende que é possível organizar um movimento social utilizando todos os meios disponíveis e forjados pela sociedade presente – ela própria geradora de contradições que deram origem aos movimentos. Dessa maneira, muitos movimentos vêm incorporando meios da atual sociedade, tais como instrumentos, práticas, valores, imaginando que, com a sua utilização, seja possível chegar a uma nova sociedade.

O Estado talvez seja um dos aspectos mais evidentes. O atrelamento dos movimentos sociais ao Estado – aconteça ele vindo de cima, com leis que façam essa vinculação, como no caso do movimento sindical, ou sendo buscado pelo próprio movimento – significa juntar-se a um instrumento que faz parte do capitalismo. O Estado não é uma estrutura política independente e neutra em relação à economia capitalista e suas relações. Ele faz parte do capitalismo e, junto com outros elementos que constituem a esfera política (militares, jurídicos), a esfera cultural e ideológica e a esfera econômica, dá corpo à sociedade presente.

Atrelando-se ao Estado, os movimentos sociais atrelam-se a um dos instrumentos que é causa do surgimento do próprio movimento social; portanto, é uma aliança com o inimigo. Nesse processo de atrelamento do movimento ao Estado, é comum que o movimento passe a oferecer quadros para a gestão do aparelho burocrático do Estado, afastando-se da luta e fazendo o movimento funcionar em razão das demandas burocráticas do Estado, e não mais das suas próprias demandas. Processo semelhante ao que se dá quando o movimento adota uma estratégia eleitoral, visando eleger candidatos para o Estado para, daí, empreender a luta, de dentro da institucionalidade do Estado. É comum que tanto nos momentos de eleição como em outros, o movimento vire uma máquina para conseguir quadros, fazer propaganda, disputar votos, afastando- se das suas lutas, que terminam virando bandeiras secundárias, atrás dos interesses político- eleitorais.

Mas não é somente quando o movimento considera o Estado como um meio que esse mecanismo toma corpo. Há diversas outras práticas que utilizam como meio elementos da atual sociedade: quando o movimento herda do capitalismo sua forma de organização, utilizando a divisão do trabalho e a hierarquia (gerando direção e base com as implicações já comentadas); quando o movimento estimula internamente as práticas individualistas, em que cada um é responsável somente pelas suas coisas, quando há competição entre militantes, não há espaços coletivos de interação; quando o movimento passa a obter formas de financiamento que lhe atrelam a outros interesses e lhe tiram a autonomia; quando o movimento perde-se na gestão de altas somas de dinheiro, tornando-se a gestão da máquina do movimento mais importante que o movimento (fundamentalmente no movimento sindical); quando se perde a capacidade de crítica e autocrítica e, portanto, não se reflete sobre os problemas e sua superação para avançar; quando comportamentos e relações da sociedade presente se instalam dentro dos movimentos, pela valorização da produtividade, a falta de solidariedade, as listas de presença, os sistemas “meritocráticos” de pontuação etc.

Todos estes meios, que pertencem à lógica da sociedade presente, impulsionam os movimentos para fins que não condizem com seus objetivos. Se os movimentos sociais são gerados pelas contradições dessa sociedade, a utilização de seus meios não conduzirá o movimento à resolução de seus problemas, e muito menos dessas contradições. Meios que são gerados e sustentados para dar continuidade à forma existente da atual sociedade, ao serem utilizados pelos movimentos, levam a fins que, longe de resolver seus problemas, tenderão a acentuá-los.

c.) Transformação dos meios em fins

Diferente do mecanismo anterior, em que determinados meios conduzem a fins inadequados, a transformação dos meios em fins constitui um outro mecanismo que se evidencia quando os meios escolhidos pelo movimento social, que deveriam constituir os caminhos para levar a um fim determinado, transformam-se nos próprios fins.

Quando este mecanismo evidencia-se na prática, o movimento social não atinge nem mesmo seus objetivos de curto prazo, pois anda em círculos. As atividades realizadas, que deveriam reunir os recursos adequados e escolher os melhores caminhos para a luta, na realidade, passam a ter por objetivo sua própria manutenção, afastando a militância da busca pelos objetivos e, nos casos mais graves, da própria luta do movimento.

Há, na realidade, uma série de meios que os movimentos utilizam para atingir seus fins, dentre eles os recursos – materiais (financeiros e infra), humanos (militância e apoio) e organizativos (espaços de coordenação/articulação) – e os próprios caminhos escolhidos para a luta.

Meios transformam-se em fins em um movimento social quando diversas atividades passam a ter prioridade sobre a luta e a mobilização pelas reivindicações, em torno das quais se organizou o movimento: o esforço para conseguir/manter/aumentar os recursos materiais do movimento (dinheiro e infra); militantes sustentados por cargos remunerados e, como empregados, seu interesse em manter os empregos; a manutenção de processos e estruturas do movimento; a gestão dos recursos e dos espaços organizativos; as trocas de favores para conseguir maiores recursos etc.

Além desses fatores, que possuem relação com os recursos, este mecanismo também diz respeito aos caminhos escolhidos pelo movimento social. Quando o movimento aproxima-se do Estado, muitas vezes incorporando-se nele e acreditando que sua função é a gestão do aparelho do Estado; a participação nos processos político-eleitorais, envolvendo a maior parte do esforço do movimento na organização e na realização de campanhas para candidatos; os projetos de construção político-partidária e mesmo a utilização do movimento tão- somente como fonte de votos ou quadros para partidos; acordos com capitalistas que muitas vezes beneficiam quem negocia em detrimento dos outros; projetos de poder (conquista/manutenção) que dão privilégios a alguns poucos em detrimento da maioria. Há certamente muitos outros exemplos.

O que quero evidenciar, ao tratar deste mecanismo, é a escolha de meios que, pela sua própria dinâmica, tendem a perpetuarem-se como fins em si mesmos, a partir da reprodução das tarefas do dia-a-dia, que se sobrepõem à luta e à mobilização do movimento. O objetivo do movimento torna-se conseguir ou gerir recursos, defender o próprio emprego (no movimento), gerir o Estado (e conseqüentemente intermediar o processo de luta de classes), eleger políticos, fortalecer partidos, conquistar e manter-se no poder etc. Em suma, faz-se de tudo, menos aquilo que o movimento social se dispôs a fazer: buscar conquistas reais para problemas reais.

d.) Desperdício de força social

Pode-se afirmar que um movimento social precisa aproveitar seus recursos da melhor forma e ter processos e estruturas que condigam com as suas necessidades reais, visando aumentar permanentemente sua força social, ou seja, sua capacidade de, no jogo de forças da sociedade, conseguir atingir seus objetivos.

O desperdício de força social acontece quando os recursos não são utilizados da melhor maneira possível: quando a base é subjugada pela direção e tem todo o seu potencial perdido; quando o movimento opta somente pela quantidade e não pela qualidade da militância; quando o movimento é sectário, e não consegue se relacionar com um conjunto amplo de indivíduos, grupos ou outros movimentos, privando-se das alianças; quando tem gastos desnecessários e/ou corrupção; quando estruturas organizativas são subutilizadas; quando há excesso de processos e estruturas, pessoas fazendo o que não é necessário, pouca gente envolvida com atividades importantes (trabalho de base, por exemplo) etc. Com esses desperdícios, o movimento social limita seu acúmulo de força social e perde em capacidade de atingir seus objetivos.

No entanto, evitar o desperdício de força social não significa pensar no movimento como uma empresa e utilizar meios que aparentemente aumentam sua força social (estrutura hierárquica, divisão do trabalho, etc.). As estruturas de movimentos sociais que se baseiam em empresas privadas (como alguns movimentos sociais dos EUA, por exemplo) vêm mostrando que a “racionalidade capitalista” aplicada nas lutas conduz muito mais à perda, do que ao ganho de força social dos movimentos, e, portanto, deve ser descartada. Afinal, buscar potencializar a força do movimento envolve uma preocupação necessariamente com o que se colocou em termos de meios e fins.

Os problemas que envolvem meios, fins e desperdício de força social

Na realidade, todos os apontamentos feitos partem de algumas premissas: que os movimentos sociais são constituídos a partir de situações que envolvem disputa de poder e dominação de uns setores por outros; que esses movimentos, assim, têm por objetivo de curto prazo conquistas que podem se dar nas diferentes esferas (econômica, política e ideológica- cultural), acabando ou ao menos minimizando os efeitos dessa dominação; que esses movimentos, enquanto não superarem a lógica da sociedade presente, continuarão a existir em maior ou menor medida; que, portanto, os movimentos devem apontar para uma transformação da sociedade presente e que, por isso, constituem em si mesmos o germe da sociedade futura.

A partir destas premissas é possível afirmar a necessidade de determinas condições teóricas e práticas dos movimentos sociais, que consigam dar a eles a capacidade de realizar esta dupla função: a luta de curto prazo para a solução das situações mais evidentes que lhes deram origem e que tem por objetivo as conquistas imediatas e, em um segundo momento, a continuidade da luta, as alianças e uma radicalização que aponte para uma transformação social radical e a superação da ordem atual das coisas na atual sociedade – ou seja, um processo revolucionário.

Os processos de burocratização constituem um entrave para o desenvolvimento de um projeto revolucionário.

Os mecanismos de burocratização que envolvem meios, fins e desperdício de força social contribuem significativamente com a burocratização. Como coloquei, a questão dos objetivos dos movimentos é central para o desenvolvimento de suas atividades e a situação atual é complicada. Se por um lado a falta da perspectiva de longo prazo na grande maioria dos movimentos prejudica um processo de transformação mais amplo, nem mesmo os objetivos de curto prazo existem, para além da retórica, em vários desses movimentos.

Sem objetivo não há estratégia e tática e, por conseqüência, não há condições de avanço do movimento social. Se não há objetivos, não há conquistas e o movimento perde sua razão de existir. Ainda assim, se existem objetivos de curto prazo, mas não existe uma perspectiva de longo prazo, os movimentos caem inevitavelmente em uma lógica de reformismo e corporativismo que impede uma transformação social que ataque mais diretamente as raízes do sistema que origina as diferentes dominações.

Juntamente com a reflexão sobre os objetivos, é necessária uma discussão sobre meios e fins. Os meios escolhidos apontam para os fins desejados? Aspectos que deveriam ser os meios do movimento estão se tornando fins em si mesmos?

Essas questões não podem ser evitadas, já que a escolha de meios equivocados levará, necessariamente, a fins equivocados, ou mesmo a nenhum fim. A utilização de instrumentos, práticas e valores da sociedade presente, o atrelamento ao Estado, a priorização das eleições, a transformação das tarefas do dia-a-dia em fins são fatores que levam o movimento a não conseguir suas conquistas. E mais: impedem-no de conseguir desenvolver um projeto de longo prazo de construção de uma nova sociedade.

O desperdício de recursos necessariamente significa perda de força social e, quanto mais ele ocorre, menos o movimento tem capacidade de luta. Portanto, também é um fator importante no processo de burocratização que se coloca como entrave para as lutas de curto e longo prazo dos movimentos.

Finalmente, é necessário colocar que a reflexão dos movimentos sociais, levando em conta essa dupla função colocada, deve considerar, criticamente, a relação entre meios e fins e a necessidade permanente de aumento de força social do movimento social.


O PROGRAMA ANTIBUROCRÁTICO E O PROJETO DE PODER POPULAR

Como já coloquei, os processos de burocratização constituem um entrave para os movimentos sociais, em todos os níveis: para as lutas de curto prazo e para os projetos de longo prazo. Ao buscar dotar os movimentos sociais da dupla capacidade de luta pelas questões imediatas e pela construção de um projeto de transformação, combater a burocratização é uma tarefa das mais importantes.

Tendo identificado mecanismos e processos de burocratização, torna-se possível, visando desburocratizar os movimentos sociais, a elaboração de um “programa antiburocrático” que contraponha esses mecanismos e processos, por meio da promoção de “contramecanismos” e “contraprocessos”, capazes de modificar a lógica burocrática. Este programa, portanto, pode ser estabelecido a partir de contramecanismos que levem a contraprocessos e, conseqüentemente, possam desburocratizar os movimentos sociais e construir o que chamo de poder popular.

É possível afirmar que há dois contraprocessos fundamentais, que podem contrapor os processos burocráticos. São eles: 1. Horizontalidade e conhecimento do processo de luta; 2. Eficiência por meio de bom aproveitamento de recursos e estruturas/processos adequados.

Dois contramecanismos fundamentais conduzem a esse primeiro contraprocesso (Horizontalidade e conhecimento do processo de luta): a) Utilização da democracia direta; b) Efetivação da autonomia e da ação direta.

Três contramecanismos fundamentais conduzem ao segundo contraprocesso (Eficiência por meio de bom aproveitamento de recursos e estruturas/ processos adequados): a) Estabelecimento dos objetivos de curto e longo prazo; b) Coerência entre meios e fins; c) Potencialização da força social.

De maneira esquemática, podemos visualizar essa relação entre os contramecanismos e os contraprocessos, apontando para a desburocratização dos movimentos sociais e a construção do poder popular, da seguinte maneira:

movimentos-12

Tentarei, a partir dessa hipótese, definir de maneira mais aprofundada os cinco contramecanismos que dão origem aos dois contraprocessos em busca da desburocratização e da construção do poder popular.

Contramecanismos e contraprocessos para a desburocratização

a) Utilização da democracia direta

A utilização da democracia direta em um movimento social significa o envolvimento de todos os seus militantes nos processos de tomada de decisão. As decisões são, portanto, tomadas de maneira igualitária e coletiva: todos possuem os mesmos direitos de voz e de voto em assembléias horizontais que abarcam a discussão e a deliberação de todos os assuntos do movimento.

Com a democracia direta em funcionamento, não há deliberações por indivíduos ou grupos fora das assembléias e nem hierarquias ou divisões que separam a direção da base do movimento. Dessa maneira, pode-se dizer que há, efetivamente, um sistema de autogestão que é responsável pelas decisões coletivas em assembléias soberanas, envolvendo todos os participantes do movimento.

Para que esse contramecanismo possa ser colocado em prática, é necessário que o movimento o incorpore organicamente e garanta sua execução. Ou seja, que se conforme um sistema e uma estrutura em que a democracia direta seja prevista, e seu funcionamento prático seja garantido no cotidiano. A democracia direta não acontece e nem se mantém espontaneamente, e daí resulta essa necessidade de ela ser prevista organicamente e de os militantes do movimento preocuparem-se com a sua plena execução, visando corrigir os desvios que a prática cotidiana e espontânea oferece. As lideranças naturais, por exemplo, devem ser estimuladas, mas a organicidade do movimento deve garantir que elas não se coloquem em posição de hierarquia e domínio em relação ao conjunto do movimento.

No entanto, com a democracia direta, não são todos os militantes, necessariamente, em todos os momentos, que devem decidir sobre todos os assuntos. A idéia básica da autogestão é que as pessoas implicadas nas conseqüências das decisões sejam, obrigatoriamente, envolvidas, já que essas decisões terão conseqüências diretas sobre elas. Assim, o primeiro aspecto é que aqueles que forem afetados pelas decisões devem ser priorizados, no que diz respeito ao envolvimento nos processos decisórios. O segundo aspecto é que há diversos casos em que não é possível realizar assembléias ou envolver um grande número de pessoas nas decisões e, para estes casos, a democracia direta prevê a delegação. Ainda assim, essa não é uma delegação em que o delegado tem completa autonomia para fazer o que quiser; sua autonomia é relativa, e ele deve prestar contas para a base que, de fato, é quem o controla – isso é o que se chama de mandato imperativo.

As delegações certamente são necessárias e é necessária a rotação para que diferentes militantes possam ser delegados para as várias tarefas a serem desempenhadas – mesmo quando essas tarefas são de coordenação, de planejamento ou mesmo de direção. A rotação de tarefas não precisa prever que todos façam tudo – ela precisa garantir que todos os militantes do movimento tenham um conjunto de atividades que será composto por funções que exigem menos e mais capacitação e, assim, cada um fará um pouco de trabalho mais penoso, menos confortável e menos instrutivo e um pouco de trabalho mais agradável e instrutivo, permitindo sua educação permanente; buscando, enfim, um nível semelhante entre o trabalho “manual” e “intelectual” para cada um dos militantes. Um terceiro aspecto é que as posições dos delegados são revogáveis, de acordo com as decisões que envolvem o julgamento da base. Portanto, a partir do momento que a base acreditar que alguém designado para uma função não está desempenhando seu papel da melhor forma, ela pode ser retirada imediatamente da função e substituída por outra.

Um dos casos em que a delegação é necessária surge quando o movimento tem a necessidade de articulações mais amplas, com outros grupos, movimentos, etc. e, neste caso, o federalismo prevê a delegação nestes moldes, permitindo um processo democrático que parte das bases e responde a elas na execução de políticas mais amplas.

b) Efetivação da autonomia e da ação direta

Efetivar a autonomia e a ação direta no movimento social significa afastar as ameaças externas no que diz respeito ao estabelecimento de relações de hierarquia e dominação por parte de instrumentos, instituições e/ou indivíduos. A relação de dominação existe quando se utiliza a força social do movimento para realizar objetivos que são diferentes daqueles do movimento.

O movimento possui autonomia quando ele tem capacidade de autodeterminação, e decide sobre aquilo que lhe diz respeito: objetivos, meios de luta, alianças, etc. e atua em seu próprio favor e em proveito de seus próprios interesses. O movimento atua por meio da ação direta quando realiza a sua política sem utilizar as estruturas do Estado como meio, e, portanto, coloca os militantes do próprio movimento atuando, eles mesmos, na realização de sua política.

Pode-se dizer que um movimento social conseguiu efetivar a autonomia e a ação direta quando ele não está sendo subjugado por partidos políticos – sejam eles de direita ou de esquerda, revolucionários ou reformistas –, pelo Estado – em relações estabelecidas por iniciativa do Estado ou do próprio movimento –, por instituições de financiamento, ONGs, empresas, igrejas, sindicatos ou individualidades.

A questão que se coloca não é romper as relações com indivíduos, sindicatos, igrejas, ONGs, etc., mas mantê-las na medida em que sejam positivas para o movimento e não interfiram nas suas tomadas de decisão.

Processos mais complexos se dão nas relações com o Estado e os partidos políticos. Deve-se convir que o Estado, ainda que seja um instrumento de dominação de classe, tem por objetivo dar continuidade ao sistema e intermediar a luta de classes, e é por isso que, algumas vezes, ele também responde às necessidades populares e em detrimento dos capitalistas. Portanto, ainda que na maioria dos casos não seja assim, é possível usufruir de benefícios oferecidos pelo Estado e mesmo pressioná-lo, com objetivo de manter conquistas e realizar novas. Com os partidos, a questão se coloca na forma de sua relação com os movimentos; na maioria dos casos, nesta relação, os movimentos saem prejudicados, visto que a imensa maioria dos partidos tem por objetivo fazer dos movimentos sociais sua correia de transmissão. Quando o partido está dentro do movimento atuando em prol dele – situação de fato rara, pelas suas diferenças de objetivos – isso não afeta sua capacidade de autodeterminação e, portanto, não ocasiona maiores problemas. No entanto, quando os partidos atuam no seio do movimento em proveito próprio – o que é mais comum – eles minam sua autonomia.

A preocupação deve existir ao se constatar que, nesta relação, o movimento está servindo como gerador de quadros para partidos que estão ou não no poder, quando faz campanhas eleitorais em vez de fazer luta, quando somente espera as medidas institucionais pelos canais formais do Estado e respeita completamente as regras do “Estado democrático de direito”, reforçando-o na realidade.

Finalmente, vêm as relações com empresas que são ainda mais complicadas: o objetivo das empresas – obtenção de lucro – coloca-se em grande contradição com os movimentos sociais e, na maioria dos casos, afeta sua autonomia. Entretanto, há exceções, quando é possível a um movimento usufruir de recursos de uma empresa sem perder autonomia, ainda que indiretamente essa autonomia possa estar sendo afetada. Por exemplo, se um movimento recebe financiamento da Nestlé e é convidado a ingressar em uma aliança na denúncia pelo consumo desenfreado de água por parte desta empresa em uma determinada localidade. O movimento aceitaria denunciar seu agente financiador?

Neste sentido, a autonomia envolve também a capacidade de o movimento conseguir, prioritariamente, ser auto-suficiente, naquilo que diz respeito aos seus recursos financeiros. Um movimento autônomo possui formas de financiamento autônomas que não o atrelam a agentes financiadores com interesses diferentes dos seus. E, dessa maneira, o movimento possui não só os recursos financeiros necessários para sua atuação, mas também a capacidade de atuar em seu próprio proveito, sem estar vinculado a agentes financiadores, que podem utilizar o financiamento como forma de comprometer o movimento.

Em suma, movimentos sociais autônomos e que trabalham com a ação direta são aqueles que, independentemente de suas relações, conseguem atuar em seu próprio favor e não serem subjugados em relações de hierarquia e dominação.

1) Horizontalidade e conhecimento do processo de luta

Os dois contramecanismos: a) Utilização da democracia direta e b) Efetivação da autonomia e da ação direta tendem a este contraprocesso, que é 1) Horizontalidade e conhecimento do processo de luta.

A horizontalidade implica os mecanismos de democracia direta para a tomada de decisões, que são igualitárias (poder de decisão, nível de informação, etc.) e coletivas. Envolvem, desta maneira, necessariamente aqueles que são implicados nas decisões e também assembléias amplas, nas quais se busca a maior participação. Isso constitui um sistema de autogestão das lutas do movimento.

Não há, portanto, hierarquia e, conseqüentemente, relação de dominação e separação entre base e direção: o movimento, coletivamente, dirige, planeja, executa, pensa e faz: em suma, “manda obedecendo”. Todo o conjunto do movimento é estimulado e encorajado a tomar a frente nos processos que o envolvem, minimizando a passividade e estimulando o desenvolvimento e o engajamento coletivos.

A delegação e as articulações com a utilização do federalismo implicam mandato imperativo, rotatividade e revogabilidade de funções. Assim, ainda que alguns militantes se envolvam em atividades de coordenação, planejamento, etc., essas funções serão temporárias, impedindo a cristalização e estimulando o desenvolvimento coletivo.

Estes são aspectos da horizontalidade que devem ser previstos organicamente e ser objeto de constante preocupação do movimento.

A horizontalidade, dessa maneira, envolve ainda: a autonomia do movimento social, no que diz respeito à capacidade de autodeterminação do movimento e sua atuação em favor de seus próprios interesses; e a atuação com base na ação direta, com a realização de política pelo movimento sem a utilização do Estado como meio e colocando os militantes como protagonistas da ação.

O conhecimento do processo de luta ocorre com a desalienação das relações dentro do próprio movimento, e quando não há divisão do trabalho cristalizada, fundamentalmente as que envolvem hierarquia. Ele acontece quando militantes estão implicados em diferentes tarefas, que exigem diferentes níveis de capacitação, e não ficam sempre realizando as mesmas funções, envolvendo-se em diversos espaços de discussão e conhecendo o máximo possível o que está fazendo o conjunto do movimento.

a) Estabelecimento dos objetivos de curto e longo prazo

Tratar dos objetivos de um movimento social implica dar uma resposta à pergunta: para que servem os movimentos sociais? Ao tratar da falta de objetivos como um dos mecanismos dos processos de burocratização, coloquei que os movimentos sociais formam- se a partir das contradições da sociedade, e suas mobilizações e lutas se dão para a solução de um problema específico ou um conjunto de problemas que, juntamente com outros elementos, deram origem ao movimento. Coloquei também que a maioria dos movimentos sociais possui objetivos de curto prazo, que estão ligados às suas bandeiras de luta: moradia, terra, emprego, etc., com algumas exceções, notadamente no movimento sindical.

Para o estabelecimento de contraprocessos que possam desburocratizar os movimentos sociais, é necessário voltar um passo atrás e pensar nos objetivos de curto prazo dos movimentos. São esses objetivos que têm por função agregar um conjunto de pessoas significativo para o movimento e que constituem as bases de suas reivindicações imediatas. Os objetivos de curto prazo precisam ser factíveis em um espaço relativamente curto de tempo, proporcionando vitórias ao movimento, pois um movimento não vive somente de derrotas.

Conforme coloquei, exemplos desses objetivos são: a “conquista de moradia, para um movimento de sem-teto; a ocupação de uma terra sem função social e o estabelecimento de um assentamento, para um movimento de sem- terra; a conquista de planos assistenciais e de emprego para um movimento de desempregados; a conquista de melhorias para o bairro para um movimento comunitário; o aumento das bolsas para alunos pobres em universidades para o movimento estudantil”; “a defesa dos trabalhadores, naquilo que diz respeito à manutenção de seus direitos conquistados e da ampliação desses direitos”, “para o movimento sindical”, etc.

Um movimento precisa ter pelo menos os objetivos de curto prazo, se não quiser tornar-se um organismo burocrático, servindo somente à sua própria manutenção, ou um movimento de bases muito reduzidas. São os objetivos de curto prazo que norteiam de maneira mais evidente as ações cotidianas do movimento.

No entanto, ainda que estes objetivos estejam estabelecidos, eles não são suficientes para acabar com o reformismo e o corporativismo e ampliar a luta dos movimentos, de maneira que seja possível uma transformação mais ampla e significativa da sociedade. Ou seja, somente com os objetivos de curto prazo, os movimentos não têm condições de atacar as raízes do sistema que os gera.

O estabelecimento dos objetivos de longo prazo vincula-se à idéia de que combater as conseqüências é importante, mas que se deve prever, de uma ou outra forma, o ataque às causas geradoras das contradições e dos problemas que, pelas disputas de poder, geram dominação. Para além das lutas de curto prazo, os movimentos sociais encarnam uma responsabilidade histórica de reunir as maiorias – o conjunto de subjugados nas relações de dominação na sociedade – e organizá-las para um processo de ruptura. Neste sentido, os movimentos sociais constituem o espaço que permite a organização popular que, a partir das necessidades concretas, pode avançar, crescendo em números e em vínculos orgânicos, nas alianças e na radicalização, e apontar para um projeto de transformação social revolucionária que supere a sociedade atual e consiga chegar ao socialismo.

Esse processo exige um ganho de consciência, que é similar ao processo que se dá na mobilização de militantes para os movimentos: há um envolvimento com a luta e o ganho de consciência ocorre progressiva e paralelamente a ele. Dessa maneira, o estabelecimento e a busca dos objetivos de longo prazo exigem, ao longo do caminhar das lutas, a investigação das causas geradoras dos movimentos sociais e das próprias contradições da sociedade – o que envolve uma reflexão mais ampla acerca das distintas formas de dominação. Essas investigações evidenciarão, pouco a pouco, juntamente com as experiências práticas das lutas, que as causas geradoras de todos os movimentos sociais possuem relação entre si e que, na realidade, estão ligadas às bases da sociedade atual. Se o problema não é setorial ou parcial, mas de todos os que sofrem relações de dominação dessa sociedade, será necessária uma atuação coletiva, envolvendo os diferentes setores oprimidos, por meio de amplas alianças, para o combate às raízes dos problemas, sem sectarismos ou corporativismos, visando a transformação da sociedade e a construção de uma outra.

Uma nova sociedade pautada na igualdade e na liberdade – o que entendo por socialismo –, a meu ver, deve constituir o objetivo de longo prazo dos movimentos sociais, se eles quiserem, de fato, atacar as causas, e não somente as conseqüências, da sociedade atual. E a discussão de que tipo de socialismo está se falando – levando em conta as experiências históricas – se faz mais do que fundamental. Tratando especificamente da burocracia, por exemplo, é possível afirmar que, muito do que se chamou “socialismo real” constituiu burocracias fortíssimas, sempre em detrimento do conjunto do povo oprimido. Por esse e outros motivos, é realmente relevante o debate acerca de que tipo de socialismo se coloca como objetivo de longo prazo.

b) Coerência entre meios e fins

Este contramecanismo parte do raciocínio estratégico já explicitado: “os objetivos estratégicos devem determinar a estratégia e esta deve determinar as táticas. Portanto, a realização das táticas deve contribuir com o avanço da estratégia e com a aproximação dos objetivos.” Assim, estabelecidos os objetivos, é necessário que se crie uma estratégia e que esta se desdobre em um conjunto de táticas que, conjuntamente, nortearão todo o andamento do movimento social.

Considerando que o movimento social tem a dupla função de realizar as lutas de curto prazo e construir, a partir de suas práticas cotidianas, os caminhos para o objetivo de longo prazo, é necessário pensar em que medida os caminhos escolhidos para as conquistas imediatas estão aproximando o objetivo de longo prazo ou deixando-o mais distante.

As lutas de um movimento são uma escola e um germe da sociedade futura, e por isso, os meios a serem utilizados devem fortalecer este projeto socialista e antiburocrático. Certamente, nesta construção, são necessários novos instrumentos, valores, novas práticas, relações, que construam desde já, cotidianamente, esta nova sociedade. O movimento pode, para isso, incorporar, pouco a pouco, novos elementos que são distintos dos da sociedade atual: fim da divisão do trabalho alienante e da hierarquia, desestímulo ao individualismo, o incentivo aos processos que restabelecem os laços coletivos e a solidariedade, a utilização dos recursos como meios de se chegar aos objetivos e não como fins em si mesmos, o estímulo à capacidade de crítica e autocrítica construtivas, etc.

Ainda neste sentido, o vínculo entre os movimentos sociais e o Estado e seus processos burocráticos tem de ser evitado, visto que, ainda que no curto prazo isso signifique um avanço (com recebimento de alguns favores, recursos, aprovação de leis, projetos, etc.), no longo prazo isso significa enfraquecer a luta pela utilização de um meio que afasta e desmobiliza – comprovado historicamente de maneira emblemática no caso do Partido dos Trabalhadores (PT). O que também significa a não-priorização das eleições como forma de realização da política, que deve se dar em torno das bandeiras do movimento e não da eleição de candidatos que façam a luta no lugar do movimento.

Para que os meios do movimento não se transformem em fins em si mesmos, é necessário clareza sobre os meios e os fins do movimento. Se o movimento despende mais tempo com a gestão de seus recursos e com a discussão dos meios de luta, certamente há um problema a ser superado. A prioridade de um movimento social deve se dar, necessariamente, em torno de sua luta e mobilização; os recursos, as tarefas do dia-a-dia do movimento, etc. são meios que não podem se sobrepor aos objetivos ou tornarem-se fins em si mesmos.

c) Potencialização da força social

Conforme coloquei, os movimentos sociais surgem a partir de contradições da sociedade buscando “organizar uma força social que tem por objetivo modificar a relação de poder estabelecida; uma relação em que os poderosos impuseram sua vontade por meio da força social mobilizada, sobrepujando outras forças e constituindo, na maioria dos casos, uma relação de dominação, chamada […] de ‘relações dominantes-subordinados’ e gerando confronto político.” Portanto, os movimentos sociais estão inseridos dentro da correlação de forças que envolve a política da sociedade e, portanto, para atingir seus objetivos, devem preocupar-se constantemente com o aumento progressivo de sua força social.

Mas o que é força social? É a energia que todo indivíduo, como agente social, possui e que pode aplicar para alcançar seus objetivos. Essa força varia de uma pessoa para outra, e também em uma mesma pessoa ao longo do tempo, havendo vários recursos para aumentar essa força e atingir os objetivos, sendo a organização um deles. O que estou defendendo neste artigo é um modelo de organização não-alienada, que se dá pela livre associação e que consegue multiplicar a força social coletiva, com um resultado que é maior do que a simples soma das forças individuais.

Relacionando essa necessidade de aumento progressivo de força social com os objetivos de curto e longo prazo colocados anteriormente, pode-se dizer que ao organizar setores não-organizados, os movimentos sociais aumentam sua força, aumento este que continua quando o movimento ganha adesões, melhora em organicidade, faz alianças, etc. Esse aumento de força possui relação direta com os objetivos e as conquistas de curto e longo prazo. No que diz respeito ao curto prazo, quanto mais força social tiver um movimento, maior será sua capacidade de impor suas posições aos agentes dominadores, no jogo de forças da sociedade, e conquistar medidas em seu próprio favor. Em relação ao longo prazo, o aumento de força social é imprescindível na criação de uma ampla organização popular, fruto do crescimento e da radicalização dos movimentos sociais em aliança, apontando para uma transformação revolucionária rumo ao socialismo. Portanto, seja para os objetivos mais ou menos imediatos, o movimento social tem de preocupar-se permanentemente com o aumento de força social.

Para isso, é fundamental que os movimentos sociais aproveitem seus recursos da melhor maneira e tenham processos e estruturas que condigam com as suas necessidades reais e que constituam meios adequados para os fins que ele quer atingir. Neste sentido, há diversas práticas que podem potencializar os recursos dos movimentos e contribuir com os objetivos de curto e longo prazo. São elas: o envolvimento da base no movimento, aproveitando todo seu potencial; a preocupação tanto com a quantidade de militantes mobilizados, quanto com a qualidade desta militância; a busca de um campo amplo de relações e alianças; a gestão coletiva e otimizada dos recursos materiais, em que os responsáveis estejam submetidos a um rigoroso controle da base; o cuidado permanente visando evitar processos de corrupção que envolvem desvio de recursos, utilização desses recursos individualmente, etc., afastando imediatamente das posições de responsabilidade de controle de recursos aqueles que atuarem em sentido contrário; a utilização das estruturas da melhor maneira possível, sem deixá-las inativas ou subutilizadas; o ajuste de processos e de estrutura do movimento às necessidades reais; o trabalho com a priorização de atividades, buscando envolver a maior parte da militância e de seu tempo em atividades mais relevantes e dedicando menos tempo e pessoas para questões secundárias ou de pouca relevância. Há certamente outras.

Todo este raciocínio, no entanto, não pode desvincular-se, em momento algum, daquilo que coloquei em relação aos meios, fins e objetivos dos movimentos. Pois, pode ser fácil enganar-se pensando que a melhor maneira de gestão a ser aplicada em um movimento é a de uma empresa capitalista. Ainda que o aumento de força deva ser permanentemente buscado, ele não pode ocorrer ao preço de que sejam adotados meios inadequados para os fins pretendidos, ou mesmo ao preço do abandono dos objetivos de curto e/ou longo prazo. Por isso toda a questão está em torno de conseguir uma maneira que ao mesmo tempo aumente a força do movimento e contribua no caminho que se quer seguir, rumo às conquistas parciais e à transformação social.

2) Eficiência por meio de bom aproveitamento de recursos e estruturas/processos adequados

Os três contramecanismos: a) Estabelecimento dos objetivos de curto e longo prazo, b) Coerência entre meios e fins e c) Potencialização da força social tendem a este contraprocesso que é 2) Eficiência por meio de bom aproveitamento de recursos e estruturas/processos adequados.

Pode-se dizer que o movimento social é eficiente quando consegue atingir seus objetivos da maneira mais rápida e menos custosa possível, falando em termos dos mais diferentes tipos de recursos.

Portanto, os movimentos sociais eficientes são aqueles que possuem um conjunto estratégico: objetivos, estratégias e táticas, envolvendo curto e longo prazo. Com objetivos bem definidos em termos de curto prazo (visando conquistas imediatas) e longo prazo (transformação social), devem subordinar-se a eles estratégias e, subordinadas a essas estratégias, táticas. Se esse conjunto estratégico for bem estabelecido, suas táticas levarão às estratégias e elas aos objetivos, em um esquema em que os meios condizem com os fins e conduzem a eles.

A potencialização da força social de um movimento, imprescindível para o caminho em direção a seus objetivos, pode ser conseguida com o bom aproveitamento de seus recursos (materiais, humanos e organizativos), estruturas e processos.

Construir o Poder Popular

As hipóteses que busquei estabelecer e analisar com alguma profundidade estabelecem possibilidades de mecanismos e processos contrários àqueles que hoje geram a burocratização dos movimentos sociais, de forma a contribuírem significativamente com a sua desburocratização e com a construção do poder popular. Mas o que é poder popular? Para o estudo deste conceito, pode-se iniciar investigando brevemente os significados dos termos “poder” e “popular”.

O poder pode ser entendido como “a imposição da vontade de um agente através da força social que consegue mobilizar para sobrepujar a força mobilizada por aqueles que se opõem”. (Lopez, 2001, p. 62) Ele circula por todas as relações sociais: entre classes, grupos e pessoas que possuem relações e, portanto, está também ligado aos conflitos, sendo possível afirmar que nas relações sociais que envolvem conflito nunca há ausência de poder; se uma parte não tem poder, a outra necessariamente tem. Ainda que determinadas classes, grupos ou pessoas tenham capacidade de realização, ou seja, ainda que, potencialmente, possam fazer algo, isso não significa necessariamente a constituição de uma força social e sua implicação em um conflito. O poder existe quando a capacidade de realização constitui-se em força social e essa força é aplicada em um conflito determinado superando as outras forças em jogo. (Lopez, 2001)

Falar de popular implica trabalhar com uma determinada noção de classe, ou seja, de constatação, por meio da leitura da realidade, que a sociedade presente é constituída de diferentes classes sociais e, portanto, possui uma estrutura de classes. A categoria mais adequada para se trabalhar a noção de classe é, a meu ver, a de dominação. A sociedade presente é constituída por diversas relações de dominação, que se dão nos mais diversos âmbitos: econômico, político e cultural-ideológico. Essa noção de classe, que se baseia na categoria de dominação, não se restringe à categoria de exploração econômica, ainda que esta esteja presente dentro do que entendo por dominação. (Rocha, 2009) Relações de dominação, portanto, envolvem acumulação de capital e de propriedade privada, exploração do trabalho, riqueza/pobreza, imperialismo/colonialismo, governantes/governados, repressão jurídica e militar, acesso diferenciado à instrução e aos veículos de imprensa, opressões de gênero, de raça, de opção sexual, etc.

A partir dessas relações é possível identificar dois amplos conjuntos em permanente contradição: as classes dominantes e as classes oprimidas – contradição que implica conflito e, conseqüentemente, luta de classes. Um projeto popular, e, portanto, classista, é aquele que se fundamenta no conjunto das vítimas das relações de dominação, tomando como base a exploração econômica (envolvendo, assim, trabalhadores assalariados, informais, precarizados e excluídos), mas estendendo-o às outras relações de dominação e incorporando-as, tanto em sua noção de classe, quanto em suas bandeiras de luta.

A partir dessas duas definições é possível afirmar que poder popular é a imposição da vontade das classes oprimidas, por meio da força social que elas conseguem mobilizar, a partir de sua capacidade de realização, aplicando-a na luta de classes, e superando as forças mobilizadas pelas classes dominantes.

Um projeto de poder popular tem por espaço privilegiado os movimentos sociais que proporcionam o espaço orgânico em que a capacidade de realização das classes oprimidas pode constituir-se em força social a ser mobilizada e aplicada no conflito de classes. Um caminho possível para que se possa chegar ao poder popular.

20 Teses sobre o Poder Popular

Toda a reflexão realizada anteriormente em relação aos processos de burocratização e o possível programa antiburocrático está vinculada intimamente à discussão sobre poder popular. Pois acredito que o poder popular só pode existir a partir de uma prática antiburocrática dos movimentos sociais e, portanto, para sua construção, será necessário aplicar, na prática, tanto para a criação, quanto para o trabalho com movimentos já existentes, os contramecanismos e contraprocessos explicitados.

Relacionando o poder popular com o programa antiburocrático proposto, a partir de alguns teóricos contemporâneos que desenvolveram teoria sobre o poder popular (Mauro, 2006; Mechoso, 2009; Lopez, 2001; FAU-FAG, 2009; FAU-FAG, 2010; Samis, 2010; Corrêa, 2010), é possível elaborar algumas teses, que contribuem para sua compreensão, a partir da noção que defendo, e também para o entendimento de sua relação com o programa antiburocrático proposto.

1. Defender o poder popular implica reconhecer que a sociedade presente é uma sociedade de classes, separada entre classes dominantes e classes oprimidas, cujas relações de dominação forjam-se em seu seio e apontam para um processo de luta de classes permanente, envolvendo questões econômicas, políticas e culturais-ideológicas.

2. Essa sociedade, conforme vem demonstrando a história, não caminha para a autodestruição e, portanto, é a vontade das classes oprimidas, organizadas nos movimentos sociais, que pode oferecer uma possibilidade de mudança na correlação de forças da atual sociedade.

3. Os movimentos sociais são espaços privilegiados de organização das classes oprimidas e, portanto, os organismos a partir dos quais essas classes poderão acumular força social e aplicá-la no conflito de classes, visando superar a força das classes dominantes.

4. Construir o poder popular implica, assim, desde já, organizar novos movimentos sociais e integrar movimentos já existentes, defendendo uma posição de fortalecimento permanente. E ele só poderá surgir e realizar-se com e pelo povo, enquanto classe.

5. Ainda que o poder popular seja um projeto de longo prazo (quando a força das classes oprimidas supera as forças das classes dominantes), ele começa a desenvolver-se e se fortalece a partir das experiências de mobilização e luta de curto prazo, forjadas sobre necessidades imediatas da população. Portanto, construir o poder popular exige uma atuação imediata e não de espera em relação a outros fatores que possam trazê-lo sem maiores esforços, pois é na sociedade presente que se desenvolve o embrião da sociedade futura.

6. O poder popular se fortalece na medida em que os movimentos sociais utilizam a democracia direta como método decisório, ao tomarem decisões de maneira igualitária e coletiva, fortalecendo a construção pela base, ou seja, “de baixo para cima” ou “da periferia para o centro”, e acabando com as relações de dominação que existem dentro deles. Neste sentido, a construção do poder popular envolve um processo de democratização dos organismos de base, “um exercício da democracia solidária, de participação direta e de construção da consciência de classe”, que só tem sentido a partir de uma associação voluntária. Processo que se fortalece pelo exercício permanente da autogestão e do federalismo, em “organismos amplamente democráticos e participativos”, apropriando-se da política que privilegia a esfera do Estado.

7. O fortalecimento do poder popular se dá a partir de iniciativas que têm por objetivo dar protagonismo aos movimentos sociais, atuando pela ação direta – e, portanto, fora das instâncias da democracia representativa –, e com autonomia em relação a instrumentos, instituições e/ou indivíduos, sendo capaz de autodeterminação e de auto- sustentação.

8. Democracia direta, ação direta e autonomia são mecanismos que, nos movimentos sociais, criam horizontalidade, conhecimento e envolvimento com os processos de luta, e, por isso, fortalecem o poder popular.

9. Esses mecanismos permitem exercitar, no seio das lutas dos movimentos sociais, novas práticas, valores e sentimentos, que estimulam uma cultura popular que contribui com a consciência de classe – em um processo que surge a partir da luta das próprias classes oprimidas, de sua “‘práxis’ inovadora, lutas/reflexão, prática/consciência, erros/ acertos” – e com diversas outras práticas diferentes daquelas estimuladas pela atual sociedade.

10. O poder popular constrói-se a partir de uma noção de dupla função dos movimentos sociais: as lutas pelas questões de curto prazo e a perspectiva de longo prazo e, portanto, envolve objetivos de curto e longo prazo. Assim, o poder popular cresce à medida que os movimentos sociais envolvem-se nas lutas imediatas e, superando a noção de curto prazo, são capazes de aliar-se com outros, forjando as bases de uma ampla associação das classes oprimidas, atuando conscientemente em proveito próprio e buscando o socialismo.

11. As conquistas de curto prazo, que se poderiam chamar reformas, só contribuem com o poder popular na medida em que são conquistadas pelos movimentos sociais organizados pela base e, portanto, possuem função pedagógica ao estimular o conjunto da militância “pensar, propor e fazer o seu próprio destino e os destinos da comunidade, da região e de um país, respeitando-se as diferenças culturais e as individualidades”.

12. Assim, o socialismo só pode ser uma ideologia que surge dos movimentos sociais na construção do poder popular, envolvendo “lutas, mobilizações de amplos setores populares em resistência. Não é ciência, mas ideologia, e, portanto, envolve aspirações, valores e esperanças de classes, coletivos e povos oprimidos.” Assim, entende-se que “a ideologia não vem de fora, se produz no próprio seio das práticas, nas idéias e nos comportamentos que o povo vai realizando através de seus diversos enfrentamentos.” Esse socialismo só pode ser buscado a partir de uma perspectiva revolucionária, que necessariamente envolve a defesa do poder popular.

13. O poder popular como socialismo realiza-se plenamente “em uma nova sociedade de igualdade e liberdade, ou seja, uma sociedade em que o domínio não exista e as associações e organizações sejam voluntárias, não-alienadas e que não haja mais exploração e dominação; uma sociedade em que haja liberdade individual, mas que esta se dê dentro da liberdade coletiva.” E, dessa forma, constitui-se como uma democracia popular, “um permanente exercício de construção de hegemonia da classe trabalhadora, o mais horizontal possível”.

14. Construir o poder popular implica uma reflexão crítica acerca dos meios a serem utilizados, pois eles devem necessariamente apontar para os fins escolhidos, ou seja, deve haver uma coerência entre meios e fins. Isso implica um trabalho coerente de escolha de objetivos (curto e longo prazo), de estratégias e táticas.

15. Meios equivocados levam a fins equivocados. Portanto, há “meios, orientações, uso de instrumentos, utilização de instituições, forma de organização de atividades sociais, que devem ser dispensados”. Utilizar a lógica do atual sistema significa ser incorporado por ele, já que os dispositivos atuais do poder vigente “absorvem, exprimem, fazem funcional o que entra em sua circulação”. O conjunto institucional atual está “cheio de produções constantes a favor de manter e reproduzir um tipo de ordem social. De manter a dominação. Não parece ser uma boa estratégia escolher as vias, os lugares e os trajetos que têm dono e o poder de imprimir seu selo ao que ali entra.”

16. “‘Usar todos os meios’ pode ser uma maneira efetiva de assegurar que não possa emergir nenhuma estratégia antagônica, portadora dos elementos de desestruturação do sistema vigente”. Assim, o caminho é “não entrar no núcleo duro do sistema com vistas à mudança” e, portanto, a atuação por meio dos mecanismos institucionais do Estado deve ser descartada.

17. Meios que contribuem para o desenvolvimento do poder popular devem necessariamente ser coletivos. Devem “criar novas formas de relações humanas, novas relações societárias, novas relações políticas”, cotidianamente, com foco em “como se orienta e concretiza o trabalho político e social permanente”. No seio das classes oprimidas são produzidas diariamente novas relações sociais, implicando mudanças culturais significativas, relações essas que devem contribuir com os meios de se construir o poder popular e condizer com seus objetivos. Em suma, “se queremos liberdade, o nosso fazer tem que ser libertário”.

18. É, portanto, no seio das lutas que se constrói o poder popular e, por conseqüência “outro sujeito histórico, tanto no pessoal como coletivo”. Um sujeito que “não é determinado a priori, mas historicamente”, no seio das lutas dos movimentos sociais.

19. A construção do poder popular implica a necessidade de uma potencialização da força social dos indivíduos e dos movimentos sociais que nela trabalham. Envolve, portanto o “bom aproveitamento de seus recursos (materiais, humanos e organizativos), estruturas e processos”.

20. O estabelecimento de objetivos de curto e longo prazo, a coerência entre meios e fins e a potencialização da força social apontam para a eficiência dos movimentos sociais na construção do poder popular, por meio do bom aproveitamento de seus recursos, das estruturas e dos processos adequados.



QUANDO A PRÁTICA IMPÕE SÉRIOS PROBLEMAS À TEORIA

Até aqui, o exercício realizado deu-se em termos essencialmente teóricos, ainda que considerando experiências práticas que contribuíram, fundamentalmente, com as reflexões sobre mecanismos e processos, contramecanismos e contraprocessos que envolvem a questão da burocratização. Para isso, tentei buscar uma metodologia teórica em pesquisadores dos movimentos sociais e, a partir dela, pensar os mecanismos e processos de burocratização, principalmente identificando os “problemas” que a burocratização envolve. Posteriormente, realizei uma reflexão em relação aos contramecanismos e os contraprocessos que poderiam ser aplicados nos movimentos sociais para um processo de desburocratização e de construção do poder popular. Enfim, há um sistema teórico com hipóteses que podem ser sustentadas em teoria.

E deve-se reconhecer que a identificação dos problemas é um passo importante. Da mesma forma que a elaboração de idéias construtivas, forjadas em princípios, que possam oferecer uma solução e um rumo para a militância que atua neste sentido. Entender o problema e propor uma solução.

Pois bem, esta de fato é uma tarefa relevante que, infelizmente, não vem sendo realizada pelos mais amplos setores da esquerda. Questões sobre a burocracia, que deveriam ser vistas como entraves para os movimentos não são; problemas não são compreendidos como tais. Quando o são, é também bastante freqüente a posição, também muito característica na esquerda, de criticar, mas de não ter uma solução para ser colocada em prática; o criticar pelo criticar, sem buscar um programa construtivo.

Ainda assim – quando a burocracia é entendida como um problema e se realiza a devida crítica, quando há um programa, ressaltando os aspectos construtivos a serem defendidos por pessoas, grupos, movimentos, etc. –, a prática impõe sérios problemas à teoria. Há diversos setores que já perceberam que fazer pregações de princípios desenvolvidos em teoria – o chamado “principismo” – não é suficiente para resolver as questões do dia-a-dia.

A partir do momento em que se busca implementar um programa antiburocrático ou um projeto de poder popular, como esses colocados nesta série, a complexa realidade das coisas traz desafios que o campo teórico não consegue prever completamente de antemão. Isso porque a teoria exige uma relação com a prática e vice-versa. Um programa antiburocrático e de defesa do poder popular pode ser elaborado em teoria, mas ele certamente possui relações e absorve muito das práticas que se evidenciam nos movimentos populares. Da mesma maneira, a prática de um movimento social orienta-se por elementos teóricos. Com desenvolvimento das práticas, é possível melhorar a teoria, e, com desenvolvimento de teoria, é possível melhorar a prática.

Esta relação dialética apresenta problemas que se colocam da prática para a teoria, ou seja, quando aquilo que está sendo proposto em teoria tem dificuldades para tomar corpo na prática pela própria lógica das coisas. E são algumas dessas questões colocadas pela prática que quero colocar. Se na teoria, aparentemente, um programa antiburocrático e um projeto de poder popular poderiam oferecer todas as soluções para o problema da burocratização dos movimentos sociais, na prática, há várias problemáticas envolvidas nisso.

Tentarei aqui descrever algumas delas com o intuito de compartilhar dificuldades em problemas práticos na atuação nos movimentos sociais. Não é minha intenção discutir todos os problemas que a prática impõe à teoria, mas somente compartilhar exemplos que, certamente, implicam uma discussão ampla e coletiva, com base em casos práticos, cujas diversas formas de se resolver esses problemas devem ser compartilhadas. As questões sem respostas colocadas ao final de cada assunto merecem atenção a meu ver, e experiências práticas distintas podem contribuir com a teoria e a prática das pessoas, grupos e movimentos que promovem programas antiburocráticos e defendem projetos de poder popular.

O envolvimento e a vontade da base

Um programa antiburocrático e um projeto de poder popular exigem necessariamente a participação plena da base dos movimentos sociais. No entanto, a experiência prática vem demonstrando a imensa dificuldade em romper com os laços de dominação da sociedade atual – que envolve enormemente aspectos culturais e ideológicos – que também se reproduzem dentro dos movimentos.

Se, de fato, muitas vezes há interesse por parte da direção em dominar a base, há também, em muitas outras, falta de envolvimento e de vontade da base, que de certa forma não só permite, mas delega realmente a militância à direção. Em muitos dos movimentos em que a força ativa da militância terminou reduzida à direção, isso ocorreu por razão de a base afastar-se da militância, de não querer se envolver nos processos decisórios, organizativos, etc.

É possível perceber que há um círculo vicioso, em processo contínuo, no qual quanto mais se está dominado, mais a dominação se evidencia, e a vontade de se libertar dela diminui. Ou seja, dominação gera dominação e cultura de dominação, e dominação e cultura de dominação geram apatia e subserviência.

Processo identificado também em setores desorganizados da população, gerando imensa dificuldade na mobilização destes setores.

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como envolver a base de movimentos burocratizados em processos de horizontalidade e conhecimento das lutas, ou mesmo mobilizar amplos setores dominados da população se, na grande maioria dos casos, não há envolvimento e nem vontade de envolvimento por parte da base e desses amplos setores da população?

Relações e tomadas de decisão

É certo que programas antiburocráticos e projetos de poder popular devem ter como aspectos centrais as relações que se dão dentro dos movimentos sociais, e que envolvem suas relações com outros setores da população, além dos processos decisórios. Neste sentido, a criação de relações humanas diferenciadas, novas relações societárias, relações políticas diferenciadas, sendo promovidas no dia-a-dia e dando sustentação a um mecanismo forte de democracia direta são imprescindíveis.

No entanto, o excesso de ênfase nas relações e na democratização dos processos decisórios pode levar a um extremo oposto, presente em diversos dos “novos movimentos sociais”, em que o movimento prioriza as relações e as tomadas de decisão, em detrimento das lutas. Ou seja, o movimento social termina sendo somente um espaço de convivência, quase que um falanstério fourierista, um “mundo dos sonhos” que não possui nenhum aspecto da sociedade presente. Sofre, exatamente por este motivo, por não conseguir participar, nem minimamente, do jogo de forças da sociedade e termina sendo um movimento voltado para si mesmo.

Neste sentido, quando se utiliza a democracia direta sem os mecanismos de delegação, pode-se incorrer em discussões infindáveis para tomadas de decisão (o que se evidencia ainda mais em movimentos sociais que trabalham com o consenso), ou o que se poderia chamar de “democratismo”, quando todos os militantes são envolvidos em todas as decisões, mesmo naquelas sem nenhuma relevância. Afinal, não se deve perder de vista que o processo de decisão é um meio – ainda que bastante pedagógico – que tem por objetivo dar resoluções coletivas às questões cotidianas, que precisam ser resolvidas. Assim, movimentos que somente discutem, sem tomar decisões, certamente terão problemas de eficiência, já que não conseguirão operacionalizar suas propostas.

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como trabalhar as novas relações e a democracia direta dentro dos movimentos sociais sem que isso se torne um fim em si mesmo e comprometa a razão de ser do próprio movimento? Qual é a medida certa entre a busca dessas relações e processos democráticos e a eficiência das lutas do movimento?

Críticas e espírito construtivo

Outro aspecto relevante é que um programa antiburocrático e um projeto de poder popular exigem um espírito crítico e autocrítico da militância, mas também um espírito construtivo.

São vários os setores antiautoritários da esquerda que, fundamentalmente por atuarem de forma desorganizada e terem sido, por diversas vezes, vítimas de outros setores da esquerda mais organizada (geralmente autoritária e burocrática), desenvolveram uma forma de prática que se resume às críticas dos próprios movimentos em que estão incluídos, buscando sempre um “foco de autoridade” para ser denunciado. Na maioria dos casos sem programas próprios, estes setores se acostumaram a fazer de sua militância um simples “denuncismo”, voltado para o próprio movimento e sem o espírito construtivo. Ou seja, a militância resume-se a identificar os “líderes”, os “autoritários”, os processos de poder sem legitimidade, etc. Evidentemente que isso deve ser buscado e que deve haver autocrítica em relação a isso, mas o espírito crítico não pode, jamais, superar o espírito construtivo, que considera a crítica uma ferramenta para o desenvolvimento e o caminhar coletivo, que possui propostas, que motiva, que incentiva e que impulsiona o movimento social.

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como balancear a capacidade crítica e autocrítica com o espírito coletivo, de maneira que se possa avaliar os próprios erros, os erros dos outros mas, de maneira construtiva, estimular a resolução dos problemas e o processo de constante desenvolvimento dos movimentos sociais?

Resultados da luta

Ainda que se defenda a autonomia e a ação direta, por uma série de motivos, há que se reconhecer que existem inúmeros casos em que a política pelos canais institucionais gera resultados para os movimentos sociais. Por exemplo, quando, em uma conjuntura complicada, os advogados do movimento conseguem mais conquistas que as mobilizações de base, ou mesmo quando políticos, que atuam com o movimento, conseguem avanços maiores do que aqueles das lutas do movimento. Há muitos outros exemplos.

O fato é que, ainda que se reconheçam os problemas que poderão ser gerados pela atuação pelos meios institucionais do Estado, há certamente uma dificuldade na mobilização da base, quando a conjuntura dá exemplos a ela de que a organização do movimento social e suas lutas conquistam menos do que uma atuação institucional.

E a discussão dos resultados implica outros aspectos. Geralmente as lutas de curto prazo consomem completamente todos os recursos (incluindo humanos) dos movimentos. Portanto, tratar de objetivos de longo prazo implica em duas possibilidades: ou o movimento recusa o longo prazo e assume-se reformista, ou prega o socialismo como objetivo de longo prazo, colocando-se no campo revolucionário.

Ainda que o movimento social tenha um objetivo de longo prazo, se pela lógica dos fatos ele nunca consegue avançar para além das bandeiras de curto prazo, que diferença isso tem dos movimentos reformistas? Obviamente que, com a perspectiva socialista, esse movimento conseguirá mais conquistas de curto prazo e tenderá a avançar em conjunturas favoráveis. Mas, se, no caso concreto, movimentos que defendem a transformação há anos e isso fica só na retórica, em que medida eles podem caminhar ainda que seja para o médio prazo? Seria o socialismo, nesses casos, somente uma forma retórica?

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como mobilizar as bases em conjunturas que estejam favorecendo os meios institucionais? Como dotar os movimentos de objetivos de longo prazo e, o mais importante, como fazer com que caminhem neste sentido?

Recursos e motivação

É um fato notável que há falta de militantes nos movimentos sociais. E decorrente disso, é natural que aqueles envolvidos em sua luta terminem consumidos por ela. Hoje, qualquer militante de um movimento sabe que, se estiver disposto a levar a cabo as lutas desse movimento, terá de abrir mão de muita coisa na sua vida. No início, há motivação e, mesmo com esforços quase que sobre-humanos, parte significativa da militância permanece, ainda que alguns fiquem pelo caminho.

Uma questão muito séria é que, por esta precariedade de recursos, a sobrecarga gerada na militância é tamanha – física e psicologicamente falando – que dentro de alguns anos é comum o esgotamento e doenças como estresse, depressão, pânico, etc. Ou mesmo uma sensação de impotência que afasta a militância da luta.

A falta de militantes que defendam posições antiburocráticas e de poder popular também sobrecarrega e, ainda que sem querer, gera burocracia. Em disputas permanentes com outros setores, esses militantes, honestos muitas vezes, tendem a conquistar posições no movimento (de direção, por exemplo) e não poderem mais sair, pois não há militantes para assumir seu lugar e porque setores autoritários poderão tomar seu lugar e fazer com que todo o trabalho realizado seja perdido.

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como resolver o problema da sobrecarga nos movimentos sociais, fazendo com que a dificuldade da luta tenha impactos menos significativos na motivação da militância? Como fazer nos casos em que setores antiautoritários conseguem espaços nos movimentos e vêem suas posições se cristalizarem por não poderem deixá-las sem abrir mão de todo um projeto em construção?

Discursos e realidade

Por diversos motivos, há movimentos sociais que assumiram, pelo menos em teoria, um programa antiburocrático e/ou um projeto de poder popular nos moldes aqui colocados. Portanto em teoria, ou seja, no discurso e às vezes até nas formas jurídicas do movimento (programas, estatutos, etc.), há uma defesa dessa metodologia e desse programa de trabalho para o movimento social. Apesar disso, essa aceitação que se dá em teoria, na maioria dos casos, não se dá na prática.

Ou seja, por um motivo ou por outro, há uma defesa, por exemplo, da autogestão – palavra que hoje está na moda em muitos movimentos – mas que não se converte em prática em qualquer sentido que seja – continua a haver hierarquia e divisão de trabalho, estruturas e processos burocráticos, etc.

Lidar com este problema é tarefa das mais relevantes para os movimentos sociais contemporâneos da América Latina, fundamentalmente pelo trato com os atuais governos “de esquerda”, que possuem prática semelhante. Em vez de se colocarem em oposição aos movimentos, reprimindo claramente, criticando, posicionando-se de maneira contrária, os “novos inimigos”, ao menos em retórica, não reprimem, apóiam as lutas, posicionam-se de maneira favorável, etc. Mas, na prática, não realizam absolutamente nada em prol dos movimentos. Terminam por vencer os movimentos pelo cansaço, com promessas que eternamente não se cumprem, boicotes disfarçados, etc.

Outro caso importante, ainda que não tão evidente no Brasil quanto, por exemplo, nos EUA, é quando o discurso e a mentalidade estratégica são tão fortes que terminam convertendo movimentos sociais em empresas, com funcionários pagos, campanhas de telemarketing, sistemas de database marketing, assessoria de imprensa profissionalizada, gestões centralizadas, etc.

Portanto, o desafio aqui colocado é o seguinte. Como fazer, em movimentos que em teoria defendem pressupostos antiburocráticos e de poder popular, mas que não os aplicam na prática, para que isso seja feito? Como lidar com adversários (e mesmo inimigos) dissimulados, que falam uma coisa e fazem outra? Finalmente, como fazer com que o discurso estratégico não converta, pouco a pouco, o movimento social em uma empresa capitalista?

Desafios colocados

Como enfatizei, esses problemas são apenas alguns. São, realmente, questões práticas que imprimem dilemas à teoria e que mostram que, se por um lado ter uma crítica e um conjunto de propostas acertados é importante, por outro eles não dão conta de todos os problemas que a prática cotidiana dos movimentos sociais coloca.

Alguns apontamentos finais poderiam ser feitos. Certamente haverá casos em que todos os pontos de um programa antiburocrático e de um projeto de poder popular serão implementados em movimentos e que isso será insuficiente para o projeto de transformação que se pretende realizar.

Se os movimentos sociais baseiam-se em grande medida em repertórios de luta já conhecidos, as investigações apontam que o sucesso das lutam implica, em diversos casos, a inovação. No momento em que programas e projetos não dão mais conta da realidade, eles devem ser aperfeiçoados, contemplando novas teorias, novas práticas. Não há programa e nem projeto acabado.

Outro aspecto é que as mudanças em termos de organização em um movimento podem, freqüentemente, não trazer mudanças significativas a ele. A mudança da gestão de um centro acadêmico, a troca de chapa em um sindicato, novas direções nos movimentos, mudanças de estatuto, etc. podem, muitas vezes, não resolver o problema dos movimentos e nem da falta de mobilização.

Finalmente, há que se considerar que, ainda que a vontade dos militantes tenha significativa influência nos rumos dos acontecimentos, há fatos e processos que fogem de um alcance racional por parte da militância. E saber disso, portanto, requer assumir que parte da solução, infelizmente, não está nas mãos da militância ou mesmo dos movimentos sociais.


APONTAMENTOS CONCLUSIVOS

Teorizar sobre os movimentos sociais implica um retorno ao início da discussão, definindo o objeto em questão. Conforme sustentei, baseado nos teóricos contemporâneos da Teoria do Confronto, os movimentos sociais são definidos a partir das relações de poder da sociedade, que se dão nos mais diversos âmbitos, e surgem para organizar determinada força social e modificar as relações de poder estabelecidas. Eles envolvem ações sustentadas e podem ser localizados historicamente a partir do século XVIII, envolvendo “movimentos mais ou menos revolucionários, em torno do local de trabalho, do local de moradia, do local de estudo, em torno das mais diversas reivindicações”.

Cada uma das três teorias clássicas dos movimentos sociais teve uma abordagem diferenciada para o tratamento dos movimentos: a Teoria da Mobilização de Recursos enfatizou os processos organizacionais e a estratégia, por uma abordagem micropolítica; a Teoria do Processo Político enfatizou o repertório do confronto a partir das oportunidades políticas, por uma abordagem macropolítica; e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais enfatizou aspectos simbólicos e cognitivos. A partir das discussões entre essas três correntes, surge a Teoria do Confronto, como ferramenta teórica para estudos que englobam os movimentos sociais e cujos aspectos positivos envolvem mecanismos e processos.

A partir da definição de mecanismos e processos, busquei uma definição de burocracia e burocratização, a partir da qual defini os dois grandes processos de burocratização: 1) Divisão do trabalho e hierarquia (envolvendo separação de funções e distintos níveis de autoridade – superiores e inferiores); 2) Falta de eficiência, desperdício de recursos, excesso de processos e de estruturas (envolvendo objetivos e meios e portanto, estratégia, tática e recursos – materiais, humanos e organizativos). Cada um desses processos desdobrou-se em alguns mecanismos. O primeiro, em dois: a) Separação entre base e direção e b) Subordinação do movimento a instrumentos, instituições e/ou indivíduos externos. O segundo, em quatro: a) Falta de perspectiva de longo prazo, b) Utilização de meios inadequados para os fins que se quer atingir, c) Transformação dos meios em fins, d) Desperdício de força social. Esse conjunto de mecanismos e processos, como tentei demonstrar, é responsável pela burocratização dos movimentos sociais, que envolve amplos problemas.

A partir dos mecanismos e processos de burocratização identificados e discutidos, discuto um programa antiburocrático, que possui como objetivo contrapor contramecanismos e contraprocessos aos mecanismos e processos burocráticos, visando desburocratizar os movimentos sociais. Os dois contraprocessos que identifiquei e busquei discutir são: 1. Horizontalidade e conhecimento do processo de luta (envolvendo tomadas de decisão coletivas e igualitárias, autogestão, federalismo, autonomia e ação direta); 2. Eficiência por meio de bom aproveitamento de recursos e estruturas/processos adequados (envolvendo conjunto estratégico e aproveitamento de recursos – materiais, humanos e organizativos –, estruturas e processos). Contraprocessos esses que se desdobram em contramecanismos. O primeiro, em dois: a) Utilização da democracia direta; b) Efetivação da autonomia e da ação direta. O segundo, em três: a) Estabelecimento dos objetivos de curto e longo prazo; b) Coerência entre meios e fins; c) Potencialização da força social. O conjunto de contramecanismos e contraprocessos, que tentei discutir, constitui o programa antiburocrático para os movimentos sociais, que contribui com o que chamei de construção do poder popular.

Na discussão sobre o poder popular, discuti poder e classe, definindo poder popular como “a imposição da vontade das classes oprimidas, por meio da força social que elas conseguem mobilizar, a partir de sua capacidade de realização, aplicando-a na luta de classes, e superando as forças mobilizadas pelas classes dominantes”. Conceito que busquei aprofundar em 20 teses elaboradas em seguida.

Finalmente, coloco questões que surgem a partir da problemática das tentativas de aplicar esse programa antiburocrático e de fortalecer um projeto de poder popular dentro dos movimentos, a partir de seis eixos fundamentais: O envolvimento e a vontade da base, Relações e tomadas de decisão, Críticas e espírito construtivo, Resultados da luta, Recursos e motivação, Discursos e realidade; todos os quais envolvem sérios desafios.

Conforme coloquei, espero que esse artigo contribua nas discussões sobre o problema da burocratização dos movimentos sociais e das possíveis saídas.

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   Ótimo texto     Bruno    Sat Dec 04, 2010 02:31 
   saludos     Jose Lopez    Thu Dec 16, 2010 01:48 


 

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