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Falando de Espanha: A confusão entre anarcosindicalismo e política

category iberia | movimento anarquista | opinião / análise author Friday November 04, 2005 18:25author by Pier Francesco Zarcone - FdCA (personal capacity) Report this post to the editors

Artigo de «A BATALHA» N. 213


Falando de Espanha: A confusão entre anarcosindicalismo e política

Os aniversários dos eventos históricos, quando celebrados para os que vêem neles uma parte da sua própria história, em linha geral são comemorações apologéticas: aí não cabe o espírito crítico. De qualquer forma compreende-se o desejo de não estragar a festa.

Em 2006 comemoram-se os setenta anos do início da revolução espanhola, em relação à qual è praticamente impossível esconder o cunho libertário que animou as massas populares na luta contra o fascismo e na prática das colectivizações espontâneas.

Deixemos que as celebrações se desenvolvam como de costume, e antecipemos temporalmente um fragmento de discurso crítico. O assunto da revolução espanhola tem uma amplitude imensa, e nestas poucas linhas vamos falar apenas duma questão que as mais das vezes é descurada nos escritos sobre o anarquismo espanhol; mas que, apesar disso, apresenta relevância notável, dado que o seu conteúdo não se esgotou nos anos da guerra civil, mas prosseguiu nas décadas sucessivas: falamos da confusão de papéis entre o anarco-sindicalismo e o anarquismo “político”.

Numa perspectiva abstracta e teórica a situação era clara: a CNT constituía a organização sindical e a FAI a entidade “política” anarquista. A confusão à qual nos referimos começa a manifestar-se aquando da participação da CNT, em nome do anarquismo espanhol, no governo regional de Catalunha e depois no da república, chefiado por Francisco Largo Caballero.

Esta escolha táctica – que depois infelizmente se revelou quase estratégica – sabe-se que originou críticas muito fortes no meio anarquista internacional. Pessoalmente – não sendo nem dogmático nem reformista por vocação – considero esta decisão um erro político terrível: melhor seria proclamar o comunismo libertário, custasse o que custasse, e lutar decididamente contra o ressurgimento do Estado burguês. Contudo e de qualquer forma, podia-se revelar uma táctica discutível e perigosa mas útil, se desenvolvida astutamente: ou seja, para condicionar desde o interior os governos de Espanha e de Catalunha (considerando a força do anarquismo espanhol nas massas em 1936), por forma a que estes governos não fossem um obstáculo para a revolução proletária que eclodiu na zona republicana toda.

Na prática, ao invés, a escolha da participação nos governos burgueses tornou-se um erro fatal e auto-lesivo por causa do espírito de lealdade, digno de melhor causa, que animou os aparelhos da CNT e da FAI, até mesmo quando a burguesia e os estalinistas chegaram a usar as armas contra a revolução libertária. Isto junto com outros erros, tais como deixar o ouro do Banco de Espanha nas mãos do governo da república, não dar impulso a uma revolta no Marrocos espanhol, não organizar guerrilhas por detrás das linhas franquistas, e sofrer o condicionamento psicológico do temor de as “democracias ocidentais”se tornarem inimigas da república durante a guerra civil!

À parte isto, a coisa que estranha mais è o facto de ter sido a CNT a assumir a representação anarquista no governo da república (o único sindicato no governo), e não a FAI, como ao invés se podia esperar na base da distinção de “competências” acima lembrada. Mal menor, considerados os erros comuns às duas organizações? Não sei. E não sei, porque desta maneira acabou por ser vinculada à escolha governamental a organização de massa cujos militantes andavam a fazer a revolução social, enquanto parte integrante das massas populares.

Assim a confederação sindical, tendo entrado no governo em representação do movimento libertário espanhol, fez como tal uma escolha de campo que não lhe deixou as mãos livres para actuar no seio dos trabalhadores, como sujeito revolucionário: com muitas saudações ao Congresso Confederal de Saragoça de 1936, que sancionou o comunismo libertário como objectivo de acção da CNT na sociedade espanhola. O resto foi consequência.

Como dito no início, esta confusão de papeis prosseguiu após a guerra civil, produzindo desastres, se não definitivos .. quase. Em Março de 2004 foi publicado pelo Siglo XXI de Espanha Editores um livro fundamental de Angel Herrerín López: La CNT durante el franquismo. Clandestinidad y exilio (1939-1975), muito rico em documentação e análises, que proporciona uma interessante história orgânica do anarco-sindicalismo espanhol naquela altura.

Mas o que è que aconteceu em concreto com referência ao nosso assunto? É que a confusão da qual falamos, não só se manteve, mas actuou além dos limites das questões espanholas (do interior de Espanha como do exílio). É necessário dizer que aqui só podemos fazer uma exposição esquemática, apenas em torno do nosso tema principal: em virtude disto outras causas e outros factores – não secundários - foram necessariamente afastados. Damos também por conhecidas, pelo menos em traços largos – os longos contrastes entre a maioria “possibilista” dos anarco-sindicalistas do interior de Espanha (os quais viviam dia a dia a repressão da ditadura franquista) e a maioria ortodoxa e intransigente do exílio, hegemonizada pelo aparelho cenetista sob o controlo discutível da “família Esgleas” (do apelido de Germinal Esgleas, marido de Federica Monteseny).

Paralelamente a este contraste coloca-se a atitude negativa assumida dogmática e rigorosamente pela FAI em relação às tácticas e alianças da CNT que envolvessem outras entidades políticas. A CNT foi fortemente condicionada pela FAI neste sentido. Assim, aquela orientação política da FAI – que seguramente pode ser vista como uma legítima determinação desta organização “política” revolucionária – foi transferida também à AIT.

Daí resultou uma atitude de aproximação à realidade que tinha um pressuposto infelizmente não realista: não ter acontecido nada no mundo depois dos anos ’30, e revolução proletária e comunismo libertário estarem ainda ao alcance da mão no espaço de uma ou dois gerações. Atitude que custou caro à AIT como à sua mais importante aderente: a CNT. A AIT é hoje a pálida sombra duma teórica internacional sindical dos trabalhadores; prossegue a prática das expulsões das sus poucas organizações aderentes quando imputadas de “reformismo”. A AIT, que sem a CNT (embora hoje bastante pequena) seria menos que nada, dentro do movimento dos trabalhadores permanece numa posição que se poderá definir como marginal, no mínimo.

A AIT foi sob o condicionamento da CNT (e, a través desta, das políticas da FAI) pelo menos desde a guerra civil espanhola, quando a AIT aceitou a posição naquela altura defendida pela CNT, que participava nas instituições da república burguesa: ser possível conseguir as finalidades libertárias a través da escolha táctica de colaboração política com partidos “antifascistas”. E depois da guerra civil – quando a chamada facção “ortodoxa” da CNT obteve a hegemonia entre os anarco-sindicalistas no exílio, pelo amor ou pela força. Assim foi que a AIT (pelo empurre desta componente da CNT, onde actuavam militantes que nos anos ’36-’39 aderiram à colaboração governamental) escolheu o rigorismo mais absoluto que a condenou à esterilidade sindical.

A sorte da CNT foi parecida: manteve uma espécie de representação do movimento libertário que unia papel político revolucionário e papel sindical na resistência (também militar) ao franquismo; não conseguiu – pelas contradições interiores já referidas – desenvolver na sociedade espanhola, não mais revolucionária, uma implantação (legitimada pela heróica luta antifascista dos seus militantes) que pudesse contrapor-se eficazmente à socialista UGT e às comunistas Comisiones Obreras, nem realizar uma eficaz estratégia de alianças políticas e/ou sindicais; perderam-se as bases da unidade interior; e quando – como nota Herrerín López - o lugar ocupado em Espanha à morte de Franco por cada organização constituía o fundamento da luta sindical, para a CNT – apesar do séquito de massa que ainda tinha – imensas foram as dificuldades encontradas na tarefa de ocupar um espaço numa sociedade mudada em todas as suas estruturas: na economia, política, cultura, sistema jurídico do trabalho, etc.

Com o resultado que hoje existirem bem quatro organizações sindicais que se consideram anarco-sindicalistas: a CGT (a terceira confederação sindical de Espanha), a mais pequena CNT, a pequena Solidaridad Obrera e a CNT-Catalã “desconfederada”

Por amor do passado heróico, talvez é melhor não julgar a árvore em geral pelos frutos deste árvore particular.

Preparemo-nos para as celebrações do ano próximo.

Pier Francesco Zarcone

author by Luís Garcia e Silvapublication date Thu Jan 19, 2006 18:16author address author phone Report this post to the editors

Falando de Espanha: A confusão entre anarcosindicalismo e política

Comentário ao artigo de P. F. Zarcone no número anterior de "A Batalha"


Emídio Santana recusava-se a criticar os rumos seguidos pelo movimento anarco-sindicalista espanhol, e suas diversas correntes, durante a Guerra Civil de 1936-39. Porque a situação então vivida era extraordinariamente grave e complexa.

É fácil criticar a posteriori qualquer decisão, uma vez conhecidos os eventos posteriores, que dela hajam resultado ou sejam efeito doutras causas. Porém, convém não esquecer que as deliberações foram tomadas sem esse conhecimento. E faz pouco sentido criticar em termos meramente ideológicos, sem ter em conta a situação concreta.

Pareceu-me assim justificado chamar a atenção para as circunstâncias em que as decisões foram tomadas.

Em primeiro lugar, do ponto de vista internacional. Em 1936, as democracias parlamentares estavam em regressão e os regimes autoritários em expansão. A Rússia de 1917 transitara já para o Estalinismo; Mussolini subira ao poder em Itália em 1922; Portugal iniciara em 1926 a sua ditadura de 48 anos; Hitler ascendera ao poder na Alemanha em 1933; Dolfuss instalara uma ditadura fascista na Áustria em 1934. Na Grã-Bretanha o partido conservador substituíra o governo trabalhista de Ramsay Mac Donald em 1935. A Frente Popular venceu as eleições francesas em 1936, mas em termos de defesa perante uma Alemanha ameaçadora a França dependia estreitamente da Grã-Bretanha.

Qual a situação do movimento libertário europeu? O grande movimento espanhol não tinha paralelo em qualquer outro país europeu. Na Rússia, Itália, Alemanha e Portugal os movimentos libertários, sindicais e específicos, haviam sido liquidados. Em França, depois das cisões e reunificações sindicais restava uma CGT-SR muito enfraquecida. Com algum significado só a confederação sueca (SAC) com os seus 30.000 filiados. Os companheiros espanhóis tinham clara noção que desses pequenos movimentos pouco mais se poderia esperar do que simpatia e alguns voluntários.

De início a República espanhola contava essencialmente com a França da Frente Popular, a quem havia feito encomendas de material de guerra. Proclamar a independência do Marrocos espanhol era impelir o Marrocos francês à rebelião, logo hostilizar abertamente a França. A República espanhola não se podia dar a esse luxo. Quem poderia calcular nessa altura que o governo francês se atrelaria à Inglaterra no pacto de não-intervenção, abandonando a Espanha à intervenção conjunta da Itália, Alemanha, Portugal e? da União Soviética?

Além de cônscios da situação internacional desfavorável, os libertários espanhóis sabiam que a implantação da CNT-FAI era regionalmente muito desigual. Dominante na Catalunha, forte no País Valenciano e na Andaluzia, era minoritária na Estremadura, em Castela, Leão, Galiza, Astúrias e País Basco. A hostilização das forças políticas e sindicais minoritárias nas regiões onde era preponderante poderia custar caro à CNT fora dos seus bastiões tradicionais. Daí a necessidade - que vinha a ser sentida desde a revolução das Astúrias (1934) - duma aliança CNT-UGT, aliança que funcionou de maneira algo precária e conforme os sítios. Tal pacto sindical implicava um programa comum, isto é, reforma e não revolução. Ainda que alguns pensassem que o maior dinamismo da CNT arrastaria consigo as bases da UGT.

A entrada da CNT para o Conselho da Generalitat só se verificou a 29 de Setembro (dois meses e meio sobre o golpe fascista) e para o governo da República a 4 de Novembro (três meses e meio depois). Isto teve sobretudo a ver com a progressiva deterioração da situação militar, face ao imparável avanço das forças nacionalistas. Badajoz caiu a 14 de Agosto, Irun a 7 de Setembro, a 26 deste mês Varela cortou a estrada Toledo-Madrid, a 15 de Outubro iniciou-se a ofensiva sobre Madrid, a 29 começaram os bombardeamentos aéreos e, a partir de 30, combate-se na periferia da capital; a 4 caiu o aeródromo de Getafe, no próprio dia em que a CNT entrou para o governo. De resto já havia sido o agravamento da situação militar que levara à queda do governo Giral (coligação republicana) e sua substituição pelo governo de Frente Popular de Largo Caballero em 4 de Setembro. Acresce a considerável desorganização económica e administrativa. A situação militar aflitiva e a falta de apoio internacional explicam a violação dos princípios libertários em nome da sobrevivência. Tal como os esforços conciliatórios nos dias de Maio.

Era impossível prever à partida o papel que o PC viria a desempenhar. Uma organização pequena em número de militantes, de deputados e de ministros. A sua influência cresceu imprevista e rapidamente em função da total dependência do auxílio militar soviético. Tornou-se o instrumento cego da política externa da URSS no sentido de forçar uma aliança defensiva com a Inglaterra e França que mantivesse cercada a Alemanha. Para lograr as boas graças da França e, principalmente, da Inglaterra urgia liquidar a revolução. O que foi feito. Quando se desvaneceu a esperança de lograr essa aliança Estaline abandonou a República espanhola à sua sorte e assinou o célebre pacto germano-soviético.

Suponho impossível dissociar a Espanha de 36-39 da Europa e do Mundo de então. Ninguém estava preparado para enfrentar militarmente o nazi-fascismo no continente europeu. A Espanha foi apenas o primeiro dos países a cair. Outros caíram bem mais depressa.

No que respeita à incongruência de ser a CNT e não FAI a participar no governo, por ser a FAI a organização política, creio que se parte de postulados erróneos. A FAI era a organização específica, não sei se mais ?política? que a CNT, mas mesmo aceitando como certa tal feição não era um partido político. Pelo contrário, era anti-partidária, anti-parlamentar e anti-governamental. E foi por respeito formal a esses princípios, mais explícitos na FAI que na CNT, que fosse esta a integrar o gabinete Caballero. Quem se viria a aproximar dum partido político ? mas já numa fase mais tardia - foi o Movimento Libertário Espanhol (MLE), que congregava a CNT, A FAI e as JJLL.. De resto a distinção entre FAI e CNT é um tanto artificial, porque os membros da FAI eram, na sua esmagadora maioria, membros da CNT e nela recrutados. E alguns indivíduos muito conotados com o Faísmo, real ou suposto (nomeadamente do grupo Nosotros), não pertenciam à FAI, segundo Peirats, que foi secretário-geral da FAI catalã.

As razões que motivaram a entrada dos anarquistas no governo eram diferentes para estes e para os partidos governamentais. Os anarquistas queriam ter acesso a armamento e munições (de que careciam agudamente), apoio técnico, financiamento e o reconhecimento oficial em áreas onde eram minoritários. Os partidos governamentais tinham outros objectivos em vista: o primeiro e mais urgente era obter a caução dos anarquistas para a impopularíssima fuga do governo para Valência (um dos logros em que os ministros libertários prontamente perceberam ter caído) pois a CNT ingressou no governo a 4 de Novembro e o abandono de Madrid teve lugar a 6; o segundo era obter a integração das milícias no exército popular sujeitando-as ao controlo hierárquico dos militares de carreira (ou não) nomeados pelo ministro da guerra. Este foi em parte um logro, porque nunca obtiveram tratamento idêntico às unidades controladas pelo PC, mas a coordenação das operações militares era um imperativo iniludível. Creio que a atitude dos anarquistas impediu a rápida vitória de Franco mas não podia evitar essa vitória, determinada pela conjuntura internacional.

Se tivessem assumido atitude diversa, abrindo uma segunda frente no interior do campo republicano (espécie de antecipação do golpe Casado) talvez a derrota tivesse sido mais rápida e mais curta a duração da guerra civil. Vá lá saber-se! Saramago escreveu um romance ? O Cerco de Lisboa ? a partir duma hipotética recusa dos cruzados em apoiar Afonso Henriques na conquista da cidade. Mas se não pretendermos escrever um romance com base num comportamento imaginário dos anarquistas espanhóis em 1936-39 resta-nos talvez compreender as razões das atitudes que adoptaram, sopesando com o devido cuidado as terríveis e prementes circunstâncias em que o fizeram.

Quanto à CNT no exílio, talvez o regresso à ?ortodoxia? fosse sobretudo um cómodo e conveniente imobilismo: não agir, não ter problemas com as autoridades francesas, pressionadas por Franco. E após a instalação de bases americanas em Espanha, abrir hostilidades contra o ditador teria provavelmente ?efeitos colaterais?, como agora se diz. Continuava a ser impossível dissociar a Espanha da situação internacional. Grande parte dos exilados, depois dos anos de guerra civil, dos campos de concentração franceses, da ocupação nazi e da resistência, do reconhecimento aliado do regime franquista, das dissidências internas, estavam exaustos e sem esperança. A idade começava a pesar. Haviam-se integrado, sobretudo os filhos, no país de residência. ?Ortodoxia? e imobilismo casavam bem entre si e com a impotência. Mas poder-se-ia exigir mais ainda depois de tanto que já haviam dado?

por Luís Garcia e Silva

Artigo de "A Batalha", no.214

 
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