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Um problema mundial chamado NATO

category internacional | imperialismo / guerra | opinião / análise author Thursday October 08, 2009 21:31author by «Esquerda Desalinhada» - Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO (Portugal)author email antinatoportugal at gmail dot com Report this post to the editors

A movimentação contra a NATO, para ser eficaz e genuina, terá de ter duas metas:
• Deve incidir sobre o encerramento da NATO, única forma de resolver o problema e criar um ambiente global de paz;
• Deverá unir todos os povos ameaçados pela sua existência, quer integrantes dos países-membros, quer das nações actualmente vítimas das suas intervenções, quer daqueles que se poderão situar na sua linha de mira para actuações próximas


Um problema mundial chamado NATO


1 - NATO, peça essencial do domínio do capitalismo ocidental no mundo

A evolução do dispositivo estratégico militar ocidental - e da NATO em particular – procura ir ao encontro das necessidades do capitalismo para o controlo de mercados e recursos, mormente energéticos, nesta fase de globalização neoliberal, cuja relevância se não compadece com quadros de actuação limitados geograficamente.

Esse dispositivo é o único com vocação e capacidade para uma intervenção ao nível planetário. Na sua procura de hegemonia, em cada acção concreta, procura cooptar, para a sua órbita, países não integrados na estrutura militar liderada pelo Pentágono. Esse esforço de domínio exige um paciente trabalho de construção jurídica, de persuasão ou ameaça política, de compra de influências e de propaganda, adaptado ao terreno e à conjuntura. Assim se constrói uma complexa rede de dependências, de esferas que se cruzam, justapõem ou complementam, para que a maioria das situações reais esteja abrangida e controlada dentro de, pelo menos, uma dessas esferas de domínio.

No centro desse dispositivo encontra-se o Pentágono, nome que popularmente, designa o Departamento de Defesa dos EUA, estrutura ímpar da administração americana em ligação com outras reputadas instituições, como a CIA ou a NSA. É o Pentágono que tem o maior quinhão, entre todos os departamentos, do orçamento americano. Para o ano fiscal agora iniciado (Setembro), o orçamento do Pentágono é de $ 663 700 M (incluindo $ 130 000 M para o Afeganistão e o Iraque) e que corresponde a mais de 40% dos gastos mundiais com a defesa (1)

No auge da Guerra Fria, os EUA procuraram cercar a então URSS com alianças político-militares hostis, numa estratégia montada pelo secretário de estado George Kennan. Surgiram então, para além da NATO, a CENTO (extinta em 1979 com a revolução iraniana), a SEATO (extinta em 1977 após a derrota americana no Vietnam), a ANZUS, o NORAD e ainda, a OEA – Organização dos Estados Americanos para controlo do quintal latino-americano.

Actualmente, o dispositivo estratégico militar ocidental desenvolve-se em várias dimensões políticas, jurídicas e militares, com vários graus de envolvimento dos países enquadrados:
  • O seu núcleo duro é constituido pelas próprias forças armadas dos EUA que, fora das suas fronteiras, detêm 823 bases militares, das quais 287 na Alemanha, 130 no Japão e 106 na Coreia do Sul, de acordo com Manolis Arkoladis, do ILPS – International League of People’s Struggle(2), em contexto multilateral ou bilateral;

  • A NATO representa o principal órgão militar multilateral ao nível mundial. A inclusão recente da maioria dos países da Europa central e oriental, aumentou a sua relevância territorial e política. Sem ter abandonado a sua característica inicial de oposição à URSS, (transferida para a Rússia), a NATO alargou a sua área de actuação à Ásia central e do sul, bem como ao Índico;

  • Num outro patamar, surge a ONU, cujas possibilidades de intervenção apresentam várias vantagens. Não sendo uma organização militar, a ONU pode ser particularmente útil ao dispositivo estratégico militar ocidental ao intervir em missões secundárias, de rescaldo de conflitos ou, que possam configurar-se como de carácter humanitário, servindo, portanto para ocupar o terreno e manter ou restabelecer uma certa ordem. Por outro lado, permite a utilização de soldados não pertencentes a países da NATO, onde essa presença possa ser objecto de resistências vivas em áreas de antiga colonização europeia. Ao integrar quase todos os países do mundo, a ONU pode representar, simbolicamente, uma neutralidade que as instituições ocidentais não têm, pese embora todas as decisões para operações militares tenham de passar pela aprovação de um directório designado Conselho de Segurança e o não veto dos seus membros permanentes. Em certos casos, a ONU vem vulgarizando a delegação, no terreno, da sua actuação, na NATO (Kosovo); até porque as potências ocidentais dificilmente aceitariam a presença de “capacetes azuis” africanos, asiáticos ou muçulmanos, na Europa.

  • Dentro da lógica de criar elos com outros países não integrados no dispositivo estratégico militar ocidental, em áreas e situações específicas, a NATO criou, em 1994, a Parceria para a Paz, designada como Conselho de Parceria Euro-Atlântico em 1997, com objectivos no âmbito da cooperação militar e assistência. Abrange quase todos os países da NATO, a Rússia e os países neutrais da Europa. Nesse âmbito, foram também construidas instituições de cooperação entre a NATO e a Ucrânia que tem tropas no Kosovo e no Afeganistão, sob o comando da NATO; e entre a NATO e a Rússia que procedeu de igual modo na missão naval ao largo da Somália.

  • Em 1995, a NATO criou o Diálogo no Mediterrâneo para contribuir para a segurança e a estabilidade regionais, abrangendo todos os países do norte de África, excepto a Líbia mas, incluindo a Jordânia e Israel. Note-se que este tipo de designações pomposas pretendem, em regra, disfarçar o desejo de hegemonia e domínio imperialista efectiva nas regiões a que se aplicam:

  • Em 2001, a criação da Operação “Active Endeavour”, para patrulhar o Mediterrâneo, constituiu um aproveitamento americano dos atentados de New York, irrecusável para os outros países, quase obrigados, uns, a tomar atitudes contra uma sempre exagerada ameaça terrorista global e outros, aproveitando a oportunidade para tratarem, como lhes convémm os seus problemas específicos (Rússia – Chechénia).
À semelhança do que se vai passando ao nível interno de cada país, onde se assiste a uma grande integração entre as atribuições das forças armadas e das polícias, no quadro do controlo biopolítico dos povos, também as instituições multilaterais criadas fornecem um quadro de actuação não exclusivamente militar, cabendo sob a designação de “luta contra o terrorismo” actividades como o apoio na administração civil, a organização de eleições, o combate à criminalidade, a vigilância marítima, o tráfico de drogas ou a imigração clandestina.

2 – Uma abordagem histórica da NATO

Nem sempre é possível ou conveniente, numa abordagem sobre a NATO, esquecer as outras peças do dispositivo de domínio ocidental no mundo, uma vez que a utilização de uma ou outra é varíável, articulada caso a caso.

A NATO, pelos meios militares que pode congregar, pelo poder económico e tecnológico que o conjunto dos seus membros dispõem, bem como pela sua abrangência territorial directa e indirecta, é uma peça central do dispositivo ocidental de domínio geoestratégico no mundo. Articula-se. de forma flexível, ao nível militar com o Pentágono e as forças armadas americanas, que constituem a sua trave mestra. Porém, as forças armadas dos EUA – de per si - detêm capacidade para intervir militarmente em quase todo o mundo, nomeadamente onde a NATO não o tem podido fazer.

De facto, todo o dispositivo militar ocidental tem como vértice o Pentágono. E o poder, a autonomia que este detém, no contexto do governo americano dota-o, por exemplo, da capacidade de fazer transitar o secretário de estado da defesa, Robert Gates, da administração Bush para a de Obama, eventualmente considerado menos fiável que o seu antecessor e, portanto, de impor Gates, para garantir uma continuidade sem sobressaltos.

Da fundação até 1991

Desde a sua criação, em 1949 a NATO nunca contribuiu para resolver qualquer problema aos povos; apenas tem servido para acrescentar problemas onde eles já são demais.

Durante os seus primeiros anos de vida e até ao desmembramento do Pacto de Varsóvia (criado posteriormente à NATO, em 1955) a NATO só se expandiu com a admissão da Espanha em 1977, por iniciativa do PSOE de Felipe Gonzalez, desejoso de reforçar a sua integração europeia e no dispositivo imperial liderado pelos EUA. Essa ligação à NATO vem no seguimento da instalação de bases militares americanas em Espanha, permitidas por Franco, necessitado de aceitação internacional para o seu regime, no final da II Guerra, num quadro bilateral e no espírito do mais primário anti-comunismo, comum às administrações americanas como ao fascismo espanhol.

Não é que a NATO se incomodasse muito com os regimes políticos dos seus membros, com a democracia ou falta de democracia reinante neles e, por extensão, com a sorte dos povos; o importante era a aceitação da suserania militar americana. Não foi, portanto, a NATO que excluiu a Espanha, numa paciente espera de que Franco desaparecesse mas antes, a ditadura de Franco que se colocou fora, uma vez que o ditador espanhol queria manter algumas distâncias face aos EUA, desconfiado como era face ao “american way of life”, pouco adequado ao seu conservadorismo católico. Tal como, aliás, o português Salazar, embora este tenha sido obrigado a aderir ao dispositivo americano por causa da importância dos Açores durante a II Guerra e posteriormente, como escala de reabastecimento nas ligações entre os dois lados do Atlântico, em caso de conflito leste-oeste. Refira-se ainda que a NATO também ajudou e veio a coexistir muito bem com os coronéis gregos ou com os regimes militares turcos, igualmente de pendor autoritário e fascista.

Até ao fim da chamada Guerra Fria, a NATO foi o principal manto que cobriu vários objectivos estratégicos dos países ocidentais no seu conjunto e dos EUA, particularmente, no que respeitava à URSS e aos países do Pacto de Varsóvia:
  • Politicamente, promover um clima de insegurança e de ameaça permanente quanto ao poder militar soviético e às reais capacidades e intenções da URSS para com a Europa Ocidental.

  • Internamente, desse clima internacional de crispação sairam atitudes de repressão, descrédito e discriminação relativamente a partidos e movimentos de esquerda e de trabalhadores, sofrendo todos o anátema de estarem ao serviço do “comunismo internacional”. Na Itália, nas décadas de 70-80, tendo em conta a dimensão da reivindicação sindical e política, os militares da NATO congregaram-se com a direita italiana, a Mafia e o Vaticano, na preparação de um golpe de estado (Operação Gládio), para fomentarem uma saída autoritária para o país, dado o esgotamento do regime, baseado no continuado domínio do Partido da Democracia Cristã (PDC), no poder desde 1946.

  • Forçar a URSS a um esforço armamentista para além das suas capacidades que, como se veio a verificar, contribuiu para o desmoronamento do sistema político-económico existente, de capitalismo de Estado;

  • Subsequentemente, após esse desmoronamento, alargar o território de aplicação do modelo de capitalismo assente no “mercado livre” e no domínio irrestrito do capital financeiro e das multinacionais;

  • Criar condições para a manutenção de um elevado volume de encomendas militares, viabilizando assim um complexo político-militar-industrial, com o vértice no Pentágono financiado pelo dinheiro dos impostos e complementado por enormes exportações de armamento sofisticado;

  • Justificar, com o pretexto das necessidades militares de “contenção” do “império do mal”, o foco do investimento público na investigação, a inovação e a tecnologia dependentes das prioridades materializadas em projectos de desenvolvimento de material bélico, de segurança e de comunicações (casos da internet, dos computadores, da exploração espacial);

  • Garantir um mercado vasto e garantido para a colocação do armamento, com dois níveis de integração. Uma a nível produtivo, entre a indústria americana e as dos países europeus ocidentais; e outra a nível dos clientes, destinando-se aos principais Estados as armas mais modernas e aos outros, menores, o armamento usado ou tecnologicamente ultrapassado;
Em todo este período, de 1949 a 1991, a NATO, formalmente, não participou em operações militares, deixando aos seus membros toda a liberdade de actuação em territórios não abrangidos pela organização. Nesse quadro unilateral ou multilateral desenvolveram-se conflitos vários, na Coreia, no Vietnam, no Suez, em Chipre, no âmbito da descolonização, com ou sem guerras de libertação, na maioria dos casos fora do contexto da rivalidade Leste-Oeste mas, a esta redireccionados e sempre sem confronto directo entre tropas da NATO e do Pacto de Varsóvia.

Depois de 1991

Tendo em conta que o objectivo central da NATO era declaradamente a defesa do “mundo livre” contra o “totalitarismo soviético”, ou o “comunismo”, o desmembramento do pacto de Varsóvia, em 1991, após a implosão da URSS deixou, momentaneamente, a NATO órfã de objectivos que lhe justificassem a existência.

Ainda em 1991, na Declaração de Roma, a NATO proclamou que era preciso estar atento aos riscos resultantes das dificuldades económicas, políticas e sociais na Europa Central e Oriental. Essas dificuldades foram deliberada e metodicamente agravadas pelo apoio ocidental ao desmantelamento descontrolado das suas estruturas económicas, pela selvagem intervenção do capital financeiro, pela reciclagem de antigos e corruptos “aparatchiks” em corruptos neoliberais e ferverosos defensores da democracia de mercado, pelo corte brutal de direitos sociais e sujeição dos trabalhadores a um desemprego maciço.

Assim, em 1992, navios da NATO intervieram para impor um embargo de armas à Sérvia-Montenegro, na sua primeira actuação fora do território dos seus membros. Em 1995, a organização bombardeou os territórios da Republica Srpska, na Bósnia-Herzegovina, no prosseguimento da política de desmembramento e divisão étnica da Jugoslávia. Em 1996, 60 000 soldados da NATO ocuparam a Bósnia sob a cobertura de um mandato da ONU (3).

Em 1999, a NATO bombardeou a Sérvia-Montenegro para forçar à retirada dos sérvios duma parte do seu próprio território - Kosovo – a sua separação com base numa divisão étnica e que veio a culminar na independência do território em 2008. Nesses bombardeamentos, os EUA aproveitaram para incorporar resíduos nucleares (urânio empobrecido, proveniente do lixo atómico das centrais nucleares) em projécteis enviados para o território sérvio, o que constitui, claramente, um crime, pois virá a contaminar os seus habitantes durante décadas,

Entretanto, a NATO cresciam acentuadamente de 16 membros em 1991 para os actuais 28, integrando todos os ex-membros do Pacto de Varsóvia (6), as antigas repúblicas soviéticas do Báltico (3), duas repúblicas da ex-Jugoslávia e a Albânia, já em 2009. A pequena Macedónia mantém-se à porta devido ao veto grego enquanto os EUA tentam incluir a Ucrânia e a Geórgia apesar da oposição da França e da Alemanha.

Os objectivos insertos nesta pressão para o alargamento da NATO, é protagonizada pelos EUA, que traçam, no essencial, os seus contornos e, desenvolvem-se em vários sentidos:
  • Aproveitar a dissolução do antigo espaço de influência da URSS para ganhar dimensão territorial e acentuar o seu papel de gendarme mundial;

  • Proceder, sob pretexto do 11 de Setembro, à passagem de uma fase de intervenção armada em conflitos pré-existentes para outra, mais agressiva, de proceder a guerras preventivas, declaradas por sua exclusiva iniciativa;

  • Procurar compensar a fraqueza económica dos EUA e do dólar, bem como a perda de relevância política da Europa, com a utilização da força militar ou a sua exibição de forma intimidatória para com as novas potências emergentes, com realce para a China, a Rússia e a Índia;

  • Envolver a maioria dos países da Europa Central e Oriental num anel de cerco à Rússia, separando esta da Europa Ocidental, reduzindo a sua presença no Báltico, no Mar Negro e a sua tradicional influência nos Balcãs. Para o efeito intentaram (o projecto foi cancelado por Obama em Setembro de 2009) colocar na República Checa e na Polónia um Escudo Anti-Mísseis (Missile Defense Shield) armas orientados contra a Rússia, numa ostensiva atitude de desafio e ameaça, susceptível de gerar represálias, por exemplo, com o abastecimento de energia à Europa. No seguimento da guerra-relâmpago da Ossétia do Sul em 2008, os EUA chegaram, dentro desse objectivo, a assinar um acordo com a Polónia;

  • Reduzir a esfera de influência russa na Europa oriental, gerando tensões na Ucrânia, na Geórgia e na Moldávia;

  • Disputar com a Rússia o controlo das vias de abastecimento energético da Europa, provenientes daquele país, do Cáucaso e da Ásia Central, aproximando-se - tanto quanto possível - das suas origens;

  • Arrastar nas suas aventuras, Estados neutrais pertencentes à UE (Suécia, Áustria, Irlanda…) como parceiros integrantes de uma mesma civilização e modelo político e económico, numa lógica de ocupação de todo o mapa europeu;

  • Dificultar ligações directas de abastecimento energético da Europa a partir do Irão mas, também cercando este país, com as ocupações do Iraque e do Afeganistão ou o controlo aero-naval do Golfo Pérsico, dominar estrategicamente, o vital abastecimento de petróleo da China (60% das necessidades provêm do Golfo) e da Índia, os grandes rivais do século XXI, e do Japão; ou ainda, agitando a “comunidade internacional” com uma eventual ameaça nuclear iraniana;

  • Pressionar e condicionar o mundo islâmico, com ocupações, ameaças, divisões e assim sustentar o seu aliado estratégico – Israel - aplicando as bizarras e racistas teses do “choque das civilizações” proposto por Huntington;

  • Manter o conjunto dos países europeus numa situação de menoridade e subalternidade estratégica, eternizando para o efeito a ideia de uma ameaça russa, que teria sobrevivido, como herdeira de uma ameaça soviética, francamente exagerada;

  • Alargar o número de compradores de armamento, substituindo nos novos aderentes, o antigo fornecedor russo ou soviético, por equipamento militar americano (os EUA em 2008 foram o principal vendedor de armamento ao nível mundial, com 68% do total, a grande distância da concorrência, pois o segundo lugar coube à Itália, com dez vezes menos) (4) ;

  • Alargar a área fornecedora de militares e civis para doutrinamento em acções de formação. Essa doutrinação repousa, em regra, na presunção da eterna superioridade do capitalismo, da economia de mercado, da propriedade privada, tendo subjacente um preconceito racista e neocolonial face aos outros povos e às nações do Sul e respectivas formas de organização politica e social. A título de exemplo refere-se esta frase, presente no “Código de Honra” dos alunos da Academia Militar (onde são formados os oficiais do exército português: “O aluno da Academia Militar ama devotadamente a sua Pátria e forja os seus ideais no culto dos grandes valores humanos e cristãos que a encheram de glória no passado” (citado por Mário Tomé, in “Novo Paradigma para a Defesa Nacional”, Set/2009;
Ideologicamente, a NATO definiu, em 2007(5), num documento de estratégia global que inclui o que se designa aqui como a sua “carta de riscos” onde cada um desses “riscos”, de per si ou pela sua conjugação, pode merecer, de acordo com a organização, uma primeira opção pelo uso de armas nucleares, tácticas ou estratégicas. Essas ameaças são:

• O fundamentalismo religioso, implicitamente islâmico, uma vez que o fundamentalismo cristão, tão influente nos tempos de G. W. Bush… fica de fora pois faz parte da “luta contra o Mal”, como aliás o wahabismo da Arábia Saudita ou os integristas judeus;

• O fundamentalismo político, isto é, todas as formas de organização social que se não enquadrem na democracia representativa de modelo ocidental e o liberalismo económico, fórmula de pensamento definitivo e único, onde cabem elementos tão diversos como a Venezuela de Chavez, Cuba, o Irão, a Coreia do Norte, o Hamas, a al-Qaeda, os talibans, etc e ainda os movimentos políticos de esquerda, pacifistas, ecologistas ou de luta pelos direitos humanos. Nesta concepção de fundamentalismo político não se englobam países parceiros, como a China ou Israel;

• O terrorismo internacional, designação sempre difusa, onde cabem essencialmente organizações de âmbito local ou regional, longe de constituirem ameaças internacionais. A manutenção desses contornos indefinidos é particularmente útil para dotar a NATO de interpretações convenientes, numa lógica de geometria variável que lhe permita agir como, quando e onde lhe possa interessar;

• O crime organizado, retórica que esquece o sistema financeiro onde os seus lucros são transformados em respeitáveis investimentos imobiliários, hoteleiros e financeiros, bastas vezes utilizados para corromper governos, partidos políticos e poderes locais; que exclui a fraude financeira que, pela sua dimensão é geradora última de recessão e desemprego, como se vem assistindo; que é um utilizador activo de ”offshores” e da evasão ou fraude fiscal; e que se interliga amistosamente com o dispositivo militar ocidental na Colômbia, no Afeganistão, no Kosovo ou na Albânia;

• A proliferação de armas de destruição maciça, se estiverem localizadas em países onde manda “O Mal” (Coreia do Norte) ou, mesmo onde não existam (Irão e Iraque de Saddam, em 2003) mas, desde que os acusados estejam ao serviço do “Mal”, definido pelos EUA. Naturalmente que as cerca de 150 armas nucleares não assumidamente possuidas por Israel estão ao serviço da paz (6) e do “Bem”, assim como as das outras potências nucleares (12000 dos EUA ou da Rússia, centenas da Inglaterra e da França). Em 2008, o Congresso americano ratificou um acordo com a Índia em que esta (que tem cerca de 150 ogivas nucleares) é definida como potência nuclear militar responsável, segundo o critério americano de responsabilidade. Também no que respeita ao Tratado de Ottawa, que contempla a não produção e uso das mortíferas minas anti-pessoais, os EUA, a Rússia e a China, mantêm-se de fora.

• As alterações climáticas também preocupam a NATO e os seus estrategas, não porque põem em causa a sobrevivência da vida na Terra mas, porque geram conflitos, por exemplo, pelo controlo da água. Porém, se Israel envenena ou atulha poços palestinianos, ou se a Coca-Cola, na Índia, deixa milhares de camponeses sem água para a agricultura, aqueles merecem toda a indulgência pois estão do lado do “Bem”. Por outro lado, movimentos ecologistas e de camponeses, podem ser classificados como ameaças globais se se constituirem em obstáculos para investimentos privados (nucleares, no represamento de águas, na destruição da floresta tropical, etc)… cuja prossecução seja fundamental para gerar riqueza e emprego;

• A segurança energética, como adiante mais desenvolvidamente se explicitará, motiva uma luta acerba nomeadamente pelo controlo das energias fósseis, cujas reservas ainda que imprecisas ou objecto de manipulações comerciais, caminham inexoravelmente para o esgotamento.

• O mesmo documento deixa claro que um dispositivo militar que admite utilizar armas nucleares por razões tão diversas e tão desligadas de um cenário de guerra real, como as acima enunciadas, naturalmente, não se contém no capítulo dos direitos humanos aplicados ao inimigo, seja este um fragilizado prisioneiro (Abu Ghraib, Guantanamo), ou uma população civil pobre e indefesa (Iraque, Afeganistão), numa negação dos princípios mais nobres criados pela Humanidade e de que os governos dos países da NATO tanto gostam de se apropriar, em exclusividade. Pelo contrário, a NATO vem incorporando na sua actuação, os princípios e as derivas mais execráveis aplicados durante a História, tais como o genocídio (Palestina), violência sobre populações civis, detenções indefinidas ou internamentos sem acusação formal, nem julgamento, inserindo-se assim na tradição de práticas históricas recentes ou de má memória;

• O referido documento, para agilizar a aplicação da agenda atrás referida, pretende, em termos do processo de tomada de decisão;

o A actuação expedita da NATO, em casos onde seja necessário proteger um grande número de vidas humanas, deve efectuar-se mesmo sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU. Como se sabe, quando necessário, a máquina de propaganda dos EUA e da NATO pode arquitectar a existência de perigosos arsenais de armas de destruição maciça (Iraque); um genocídio sérvio sobre os kosovares; uma aliança com a al-Qaeda (na Somália ou no Iraque), para intervir unilateralmente; ou perigosos terroristas nas pobres aldeias bombardeadas do Afeganistão e do Paquistão;

o Acabar com o consenso na tomada de decisões na NATO, com a abolição do direito de veto, a favor de decisões por maioria, para favorecer uma maior rapidez na sua intervenção no terreno;

o Terminar com o direito nacional à não participação em operações da NATO, por parte dos seus membros. Como o contingente actual da NATO no Afeganistão se concentra nas forças armadas dos EUA, com contribuições relativamente simbólicas dos outros países, pretende-se aumentar o esforço de guerra dos restantes membros da organização;

o Paralelamente, os países da NATO que não estejam no terreno, no âmbito de uma particular operação, não poderão participar nas decisões da organização sobre o assunto;

o Na prática, trata-se de tornar os Estados-membros em vassalos ainda mais obedientes a uma voz de comando proveniente do governo dos EUA e do Pentágono, em particular; de arrastar os povos e os governos recalcitrantes nas aventuras militares da NATO, à sua revelia e envolvendo-os todos nos perigos inerentes às situações, para satisfação dos interesses de grandes empresas multinacionais, veiculados pelo Pentágono e pela NATO; e de diminuir a importância das decisões do Conselho de Segurança da ONU, acentuando a hegemonia americana.

3 – Actuais envolvimentos específicos da NATO

Actualmente, a NATO está envolvida em várias operações militares, directamente ou através dos outros vectores do dispositivo estratégico militar ocidental - as forças armadas americanas ou a ONU.

Afeganistão

A invasão americana em 2001, efectuou-se tendo como objectivos a luta contra o terrorismo e a captura do Mullah Omar e de Bin Laden. O realismo, porém, exige que se refira que essas capturas nem seriam convenientes pois iriam reduzir a validade da luta anti-terrorista como argumento para a futura actuação da NATO ou do Pentágono. A NATO, por seu turno, instalou-se no Afeganistão em Agosto de 2003, a pedido do governo afegão (previamente instalado pelos EUA) e da ONU, que outorgou, de imediato a possibilidade de actuação fora de Cabul, quadro inicial das operações. Recentemente, o Afeganistão foi promovido, ao lugar cimeiro das intervenções americanas, após o início do consulado de Obama.

Em Junho de 2009 estavam no Afeganistão 58000 soldados americanos para além dos 74000 contratados para “serviços” (7) , num total de cerca de 100000 militares ocidentais(8)

A intervenção da NATO, uma vez terminadas as operações da invasão, visa (9):

• Ajudar o governo afegão e o seu povo;
• Lutar contra o terrorismo
• Materializar “os esforços de segurança internacional mais vastos, para além da área euro-atlântica”

Na prática e para além da propaganda, o que tem sido conseguido é:

• A continuidade indefinida de um estado de guerra, que no Afeganistão vem desde 1979, com a invasão soviética, bem como as humilhações e massacres da população civil, demasiadas vezes confundida com os rebeldes;

• A manutenção da partilha territorial entre senhores da guerra e os guerrilheiros taliban, com a autoridade do governo a restringir-se às cidades onde a protecção dos soldados da NATO é mais efectiva; e isso, num contexto de variada e volúvel combinatória local de apoios e inimizades, alianças e rivalidades;

• O volume dos refugiados afegãos no Irão e no Paquistão são, respectivamente, 1.1 M e 1.8 M (10), com todo o cortejo de sofrimentos e violências que daí resultam;

• O recrudescimento da cultura da papoila (ópio), quase extinta no tempo dos talibans e que, embora mais reduzida nos dois últimos anos, não impede que o Afeganistão forneça 90% da produção mundial(11). Depois de decisão de Outubro de 2008, tendo como consequência as grandes ofensivas recentes no sul do Afeganistão (Helmand), a NATO pretende incluir o combate ao tráfego de droga nos objectivos da ocupação, alargando assim o número de justificações para se manter no terreno e justificar reforços (12). Recorde-se que décadas de intervenção militar para combater a droga na Colômbia se têm revelado evidentes fracassos, não evitando a prosperidade dos cartéis da droga e da segunda praça financeira americana, Miami;

• À corrupção generalizada acresce a cobrança forçada pelos talibans que abranje 20% das receitas das empresas locais, ironicamente, em grande parte, resultante da ajuda estrangeira (13).

• A ligação do presidente Karzai aos americanos é antiga, (trabalhou na Unocal, empresa petrolífera que está a construir um gasoduto no Cáspio)(14), o que, a somar à sua dependência dos invasores, o transforma num títere. Por outro lado, a forma fraudulenta como, comprovadamente, ocorreram as eleições recentes, para beneficiar Karzai, desacredita, tanto este como os ocupantes;

• O alargamento do conflito ao Paquistão, em virtude da proximidade étnica e cultural de parcela importante da sua população (pashtuns) pertencer à tribo maioritária no Afeganistão e, cuja separação através de uma fronteira artificial, foi imposta pelos britânicos no século XIX, depois de derrotados pelos afegãos em tentativas de alargamento do seu império na região;

• O aumento das tensões políticas e da violência no Paquistão, muito dividido entre apoiantes e adversários dos EUA e também vítima dos “danos colaterais” causados pelos bombardeamentos americanos. Tem sido apoiada pelos EUA, uma classe política corrupta, isolada do povo, em ligação com os militares, que constituem um verdadeiro bunker autónomo, cheio de regalias e poder, no seio do aparelho de Estado paquistanês;

• Subjacente ao alargamento da intervenção americana no Paquistão, estão vários objectivos. Um, é o controlo do armamento nuclear paquistanês, para que não seja tomado por grupos islâmicos anti-americanos; outro, é a pressão sobre a Índia, manejando o antagonismo com o Paquistão, a propósito de Caxemira; finalmente, introduzir uma cunha na tradicional proximidade estratégica entre o Paquistão e a China, quando esta já goza de facilidades num porto de águas profundas (Gwadar), com terminal petrolífero e ligação por estrada para a China (estrada de Karakorum), criando dificuldades de acesso da China ao Índico;

• A desestabilização no Paquistão estimula o reforço da capacidade militar da Índia que se irá colocar na posição de principal importador de armamento ($ 6000 M por ano, aumento correspondente a mais de 21% do seu orçamento militar)(15).

Kosovo

Na sequência dos bombardeamentos da Jugoslávia em 1999, foi imposta pela NATO a separação de uma das suas províncias, o Kosovo, situação nunca aceite pela Sérvia, eleita como “bête noire” da NATO, nos Balcãs. O Kosovo é um país dominado pelo crime organizado, que depende da ajuda financeira externa que representa 34% do seu PIB, das remessas dos emigrantes (13% do PIB) e onde o desemprego é de 40/50% (16).

A segurança interna é, há 10 anos, assegurada pela NATO e outros países europeus (14000 soldados actualmente) (17) e tende a eternizar-se por várias razões:

• A divisão étnica imposta pelos EUA e pela UE nos Balcãs acentua o antagonismo e a desconfiança entre as comunidades sérvia e albanesa, sendo difícil a sua proximidade, sem uma mediação externa;

• O objectivo da constituição de uma Grande Albânia, unificando a Albânia com o Kosovo, parte da Macedónia e pequenas faixas da Sérvia, do Montenegro e da Grécia está muito presente entre os políticos albaneses e a sua concretização levaria, certamente, a uma outra guerra na região;

• Por outro lado, sendo o Kosovo pobre e com poucos recursos, a presença das tropas da NATO é um factor importante de manutenção de algum alento económico;

• Finalmente, a instalação da enorme base de Boldsteel, conhecida como a Pequena Guantanamo, na fronteira com a Macedónia, é essencial para o dispositivo ocidental e visa o controlo da segurança do AMBO, o gasoduto e que ligará o Mar Negro (Burgas) ao Adriático (Vlore).

Nesse contexto, a presença da NATO irá manter-se como o elemento dissuassor de conflitos e de garantia de uma formal adopção da lógica do mercado livre e da democracia representativa mesmo que na realidade o que esteja presente na região seja a pobreza, uma larga corrupção e o florescimento de uma economia mafiosa. Uma situação com algumas semelhanças, pouco auspiciosas, com a da Colômbia.

Operação “Active Endeavour” (18)

Esta operação naval de vigilância e intercepção de navios no Mediterrâneo, sobretudo oriental, começou em Outubro de 2001, um mês depois dos atentados em New York, interpretados como um ataque contra um Estado-membro, os EUA (artigo 5º do Tratado de Washington, fundador da NATO). Através desta Operação, o dispositivo estratégico militar ocidental constrói uma das suas esferas de influência e envolvimento de outros países e territórios, fora do seu núcleo íntimo.

Assim, qualquer navio suspeito de transportar drogas, explosivos ou… imigrantes clandestinos pode ser interceptado e inspeccionado, no âmbito da luta contra o terrorismo. Para o efeito foi montado um sistema de informações – Maritime Safety and Security Information Service que envolve mais de 50 países, da NATO e da orla mediterrânica, entre outros.

A liderança da NATO nestas operações, que tendem a perpetuar o patrulhamento do Mediterrâneo e a vigilância do mundo islâmico, é aceite por outros países como a Rússia (por causa da Chetchénia ou do Daguestão), Israel (entusiasmadamente), a Ucrânia e a Geórgia (para recolherem os favores ocidentais e entrar na NATO) e Marrocos (muito ligado aos EUA e com forte oposição interna ao actual regime). Estão ali envolvidos cerca de 2000 soldados (19).

Somália

Os EUA disputaram o domínio do Corno de África com a URSS, até aos anos 80, para consolidarem o seu papel de suserania no Índico. Depois da primeira guerra no Iraque, em 1991, decidiram intervir na Somália em 1992, com a cobertura da ONU a partir do ano seguinte, tentando mascarar através de preocupações humanitárias o seu principal objectivo de controlo das rotas do petróleo.

Foram lançados 38000 soldados nessa operação (28000 dos EUA) mas, a operação foi desastrosa e em poucos meses veio uma traumática retirada. Depois de uma década em que ninguém parecia interessar-se pela Somália, a ascensão ali, do movimento radical dos Tribunais Islâmicos, segundo a lógica americana, um ramo da Al-Qaeda, os EUA voltaram a falhar quando financiaram contra aqueles alguns senhores da guerra(20).

Quando o país ficou controlado pelos Tribunais Islâmicos, os EUA, alarmados, fizeram avançar, com o seu apoio logístico, o exército etiope que tomou o poder, durante pouco mais de dois anos. Como se esqueceram do tradicional antagonismo entre os dois povos - somalis e etíopes – estes últimos sairam e tudo indica que o poder cairá nas mãos dos sucessores dos Tribunais Islâmicos, a al-Shabaab.

Entretanto, os países ocidentais foram retirando proveitos do caos somali:

• A enorme costa somali, desprovida de qualquer vigilância nacional desde os anos 90, tornou-se um local onde facilmente se vem despejando lixo nuclear e com metais pesados, de indústrias e hospitais europeus, função assegurada pela Mafia, por encomenda. Daí resultaram doenças, malformações em recém-nascidos e mortes na população do litoral que viu, com a turbulência provocada pelo tsunami de 2005, a chegada às suas praias, de bidões com roturas, antes submersos. Que importa isso para os grandes media?

• Face ao esgotamento dos pesqueiros em geral, bem como o controlo ao esforço de pesca existente nas zonas económicas exclusivas da UE, a costa somali vem sendo objecto de uma predatória pesca de atum, camarão e lagosta, sem qualquer pagamento de direitos de pesca, limitando as capacidades dos somalis, sem navios modernos de pesca e … fornecendo aos consumidores europeus peixe eventualmente incorporante de produtos tóxicos, ali despejados por empresas europeias!

Perante estes crimes ambientais e da devastação económica, os pescadores somalis, para subsistir, procuraram escorraçar os grandes navios da pesca industrial, obter rendimento do saque das suas riquezas, sem prejuizo da existência de verdadeiros salteadores e, recolhendo, por esse motivo, o apoio de 70% da população somali (21).

Como esta situação desestabiliza o desenvolvimento de negócios e as rotas do comércio internacional de petróleo, entram en cena os navios de guerra ocidentais, chineses, russos, indianos e japoneses, contra os “piratas” somalis. Em Outubro de 2008 a NATO decidiu mandar sete navios de guerra para os mares da Somália e, em Dezembro a missão, competentemente validada pela ONU, transitou para a órbita da UE (operação Atalanta) que tem destacados para a região 15 navios de guerra.

Decerto que não é por acaso que a Somália é bordejada pelo Golfo de Aden e às portas do Bab el Mandeb, a porta sul do mar Vermelho. E será difícil de compreender como é que as pequenas lanchas dos “piratas somalis” podem justificar que esteja previsto um périplo de navios da NATO com escalas em Karachi, Singapura e Perth, na Austrália (22).

Iraque

Os EUA de George W Bush, como é sabido, em conluio com Blair e Aznar, com Durão Barroso a servir o chá, decidiram invadir o Iraque, em 2003, para encontrar as armas de destruição maciça de Saddam… que nunca existiram. Essa operação foi desencadeada sem aprovação da ONU, tal como posteriormente, foram os EUA que desenharam a reorganização do país, designaram os seus dirigentes e conduziram as acções militares que se sequiram à ocupação. A intervenção da ONU, depois da ocupação, extinguiu-se bem depressa, com a morte de Sérgio Vieira de Melo.

A guerra e a ocupação do Iraque nunca assumiram o carácter de operação NATO, até porque alguns dos seus principais membros - Alemanha, França, Canadá - condenaram a invasão, enquanto a Turquia recusava a passagem de tropas pelo seu território.

Ainda que a guerra e a ocupação do Iraque sejam essencialmente da responsabilidade dos EUA e da Inglaterra, sem o selo da NATO, elas inserem-se totalmente nos mesmos objectivos estratégicos que regem a organização, quanto mais não seja porque a NATO é, tal como o Pentágono, uma das principais peças do dispositivo estratégico militar ocidental. A questão da utilização de uma ou outra das siglas nas operações de afirmação imperial é uma questão de conveniência política e diplomática, uma vez que do ponto de vista restrito das operações militares, da capacidade de destruição, o Pentágono não precisa dos seus aliados, tem meios para actuar sozinho. No Iraque, a NATO mantém, desde 2004, apenas um grupo de instrutores, constituido por 140 militares, como símbolo da sua inserção no dispositivo global (23).

Para além de uma ruidosa opinião pública global contra a invasão do Iraque, os atentados de Londres e de Madrid, ao acrescentarem novos elementos para a medida do risco da operação, foram decisivos para a quebra do entusiasmo dos aliados dos EUA no compromisso militar na ocupação.

A transferência da responsabilidade da vigilância interna, ou contra os grupos opositores à ocupação americana, das tropas dos EUA e seus aliados, para o exército iraquiano (iraquização da guerra), faz lembrar a vietnamização da guerra no Vietnam e, inevitavelmente, o seu desfecho.

Os objectivos do dispositivo estratégico militar ocidental no Iraque são vários mas, neles predomina o controlo das principais reservas de combustíveis fósseis (na área do Golfo Pérsico situam-se 60% do petróleo mundial e 41% do gás natural) (24):

• A ocupação territorial e o controlo militar na área do Golfo permitem aos EUA exercer uma pressão/chantagem que se estende aos seus próprios aliados ocidentais, grandemente dependentes do petróleo desta região, para os transportes e a indústria e, cuja substituição ainda está distante;

• A crescente procura por países rivais que não possuem reservas adequadas de hidrocarbonetos (Índia e China e Japão) torna-os reféns do poder ocidental instalado na área do Golfo Pérsico;

• A emergência de novos jazidas, nem sempre acontece em áreas dominadas pelos EUA (Venezuela, Brasil ou Turquemenistão) e, em regra, apresentam condições de exploração bem mais caras que no Médio Oriente;

• A perda do controlo do Irão em 1979 e as humilhações que se seguiram sofridas pelos EUA, não estão esquecidas pelos governos americanos, que vêm mantendo uma permanente ameaça sobre o país, vítima de um golpe militar orquestrado pela CIA nos anos 50, da agressão iraquiana de Saddam durante oito sangrentos anos, apoiada a todos os níveis pelos países ocidentais. Por outro lado, o Irão tem uma população numerosa (66 M), 10.9% das reservas mundiais de petróleo e 16% das de gás (24); uma posição geográfica que o torna próximo do Afeganistão e do Paquistão (os pashtun têm língua e escrita próximas do farsi), das ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central (que têm petróleo e gás) ou do Cáucaso; e constitui a fronteira leste do mundo árabe além de possuir uma longa linha costeira que passa pelo estratégico estreito de Ormuz.

• A presença militar americana na região é um apoio seguro às monarquias árabes, na contenção de aberturas democráticas e no desenvolvimento económico e constitui um suporte próximo de Israel, à sua agressão genocida aos palestinianos e à progressiva ocupação do território destes;

• A aliança americana com as monarquias árabes visa também a utilização, por estas, do dólar como moeda para as transações petrolíferas, evitando assim a sua maior desvalorização. Recorde-se que pouco antes da invasão do Iraque, Saddam tinha substituido, nas transações externas o dólar pelo euro (2000) e trocou as suas reservas monetárias da mesma forma (2001) (25) . No final de 2006, o Irão trocou também o dólar pelo euro como moeda de transação externa (26);

• Acentua uma divisão territorial e religiosa no Iraque, em benefício dos curdos e dos xiitas, para cultivar inimizades e encontrar aliados que melhor ajudem os EUA a dominar o país.

A proliferação das armas nucleares

Para agilizar os seus planos agressivos dirigidos “urbi et orbi”, a NATO procede a um aprofundamento das relações nas diversas áreas geográficas do planeta, agilizando as suas redes de bases, equipamentos, comunicações, informações, e ainda de interferências na configuração dos regimes políticos.

Embora somente três dos membros da NATO detenham armas nucleares – EUA, França e Inglaterra – foi decidido, em 1999, que é urgente a participação de todos os membros da NATO na colocação de armamento nuclear no seu território, mesmo em tempos de paz (23).

Sucede que esse alastramento da presença de armas nucleares a países signatários do tratado de não proliferação nuclear (TNP) é expressamente vedado aos países detentores dessas armas (artigo I) enquanto os não detentores dessas armas se comprometem em as não receber (artigo II) (27), pelo que aquele objectivo é um incumprimento primário e um passo para que haja reacções em cadeia na sua proliferação. Pior ainda, aumenta a possibilidade de um primeiro uso de armas nucleares, fora do quadro, portanto, de uma legítima defesa face a uma agressão.

A NATO, na Europa, detém armas nucleares em Buckel (Alemanha), Kleine Brogel (Bélgica), Volkel (Holanda), Aviano e Ghedi-Torre (Itália) (23), localizações essencialmente entendidas num quadro de aliança atlântica e de antagonismo com a Rússia. As bases italianas, para além de se inserirem na lógica da confrontação global com a Rússia e de ligação com o arsenal nuclear israelita, desempenham também um elemento dissuassor e de ameaça para os países da margem sul do Mediterrâneo, uma vez que os países dos Balcãs, quase todos, se encontram já absorvidos pela NATO.

Em separado, refere-se a base de Incirlik, na Turquia, onde também estão armazenadas armas nucleares. Esta base situa-se muito próxima do porto turco e petrolífero de Ceyhan no Golfo de Iskenderun/Alexandretta, terminal de oleodutos vindos do Cáucaso e do mar Cáspio, nomeadamente o BTC cujo principal accionista (30.1%) é a BP-British Petroleum mas, onde estão também presentes, a americana Chevron (8.9%), a norueguesa Statoil (8.71%), a francesa Total e a italiana ENI (5% cada), entre outras (dados divulgados pela BP). Pretende-se ainda que seja parte de uma futura ligação ao Mar Negro e a Kirkuk, no Curdistão iraquiano (28).

Todas estas ligações têm como objectivo fazer chegar a energia ao Mediterrâneo e à Europa, através de percursos “seguros”, fora da interferência russa e sem atravessamento da Síria ou dependendo dos seus portos. Incirlik serve também de vigia do Mediterrâneo oriental onde, não por acaso, está incrustrado o aliado israelita.

A Assembleia Geral da ONU em 24 de Setembro aprovou, por proposta dos EUA, a Resolução nº 1887 que visa a criação de um mundo sem armas nucleares. Tendo em consideração que os EUA são um dos principais detentores das mesmas; que, juntamente com as outras potências nucleares, não aprovaram nada que conduza à redução dos seus arsenais, nem têm procedido a passos significativos nesse sentido; que Israel, a Índia ou o Paquistão, não tendo assinado o TNP, não são referidos na Resolução, esta não passa de um instrumento de pressão sobre a Coreia do Norte e o Irão, por parte dos EUA. E também para se passe a incluir na revisão do TNP, prevista para 2010, temas como o desarmamento e o uso pacífico da energia nuclear.

Nesse sentido, Obama, assessorado por Sarkozy e Gordon Brown, passaram de imediato à formulação de ameaças de intervenção militar no Irão, enquanto a Rússia, aliviada pelo abandono pelos EUA dos mísseis na Europa de Leste retribui, com um formal azedume para com o Irão e denunciando, a construção por este país, há dois anos de uma fábrica de urânio enriquecido. Estranhamente, toda a gente parecia desconhecer este facto, numa manifestação de que a CIA e os satélites espiões não servirão para nada.

GUAM

A Organização para a Democracia e Desenvolvimento Económico – GUAM foi constituido em 1997 e engloba a Geórgia, a Ucrânia, o Azerbaijão e a Moldávia mas, contrariamente ao que o nome indica tem sido utilizada pelos EUA para pressionar e cercar a Rússia pelo sul, alargar a intervenção ocidental no Mar Negro e controlar os oleodutos que se dirigem à Europa, através da Ucrânia e provenientes do Cáucaso e do Turquemenistão. De facto, o GUAM é o protagonista fundamental para o CTG, oleoduto que visa ligar o Cáspio (Baku) à costa georgiana e daqui até Odessa, evitando a travessia da Rússia, para abastecer a Europa. A partir de Odessa já existe um oleoduto ucraniano até Brody, onde actualmente, o petróleo russo entra na UE através da Eslováquia e da Hungria. A NATO projecta prolongá-lo até Plotsk na Polónia, onde hoje chega também o abastecimento russo através da Bielorússia, sem passar por território ucraniano. Este projecto de Odessa a Plotsk será o oleoduto OBP. Esta questão estratégica que envolve os oleodutos tem diversas consequências:

• Origina que o GUAM seja uma óbvia fase intermédia para a integração formal dos seus membros na NATO, configurando-se assim, como mais uma das preliminares esferas de alargamento da influência e da intervenção da NATO;

• Inclui o GUAM, mais a subserviente Polónia de Kackzinsky e Tusk, num caro dispositivo logístico (com transporte por oleoduto e por mar), que visa reduzir a dependência energética da Rússia, numa lógica concorrencial agressiva do interesse das multinacionais do petróleo ocidentais;

• A construção do oleoduto CTG, seguido do transporte marítimo para Odessa e do oleoduto OBP transportará petróleo do Cáspio para a Europa através de países “seguros”, quer da NATO (Polónia), quer de candidatos, como a membros (Ucrânia e Geórgia), em detrimento da Rússia e da Bielorússia, esta, muito ligada a Moscovo;

• É sob este prisma que se manifestou a ameaça militar da NATO (o projecto Escudo Anti-Mísseis - Missile Defense Shield, entretanto abandonado por Obama em Setembro de 2009) e a guerra (Ossétia do Sul, Chetchénia, ou Daguestão) que, decerto não beneficiaram os seus povos, submetidos a estas disputas petrolíferas;

A acção mais expedita do GUAM naquela estratégia desenvolveu-se em princípios de Julho de 2008, quando os presidentes desses países (excepto a Moldávia) com os seus homólogos da Polónia e da Lituânia se encontraram para discutir precisamente as questões dos oleodutos e dos corredores de transporte, com a paralela e discreta supervisão de um responsável americano (David Merkel). Duas semanas depois e até ao final do mesmo mês, realizaram-se manobras militares com soldados americanos, georgianos, ucranianos, azeris e até arménios (operação “Resposta Imediata”). Decerto e não por coincidência, em 5 de Julho, 8000 soldados russos exercitavam-se perto da fronteira georgiana.

Em 7 de Agosto, o presidente georgiano, confiando no apoio dos seus aliados tenta invadir a Ossétia do Sul, parcela secessionista da Geórgia, apoiada pela Rússia. Na sua imprudência, não contou com a reacção russa que rapidamente travou essa invasão e promoveu a declaração de independência da Ossétia do Sul e da Abekásia, com muito escasso reconhecimento da “comunidade internacional”. Embora com menos sucesso que a declaração de independência do Kosovo, patrocinada pelos EUA(29) esta estratégia visa exactamente o mesmo fim: a afirmação de que esses territórios são protectorados seus.

Os EUA de Bush mostraram-se discretos nos seus protestos formais mas, passados poucos dias do fracasso georgiano na Ossétia, a 14 de Agosto assinava um acordo com a Polónia para a instalação ali de “mísseis interceptores”, projecto há muito combatido pelo seu alvo - a Rússia - e entretanto abandonado.

Israel

Israel não pertence à NATO mas, insere-se profunda e claramente no dispositivo estratégico militar ocidental:

• É objecto de continuada ajuda e assistência militar dos EUA, desde a sua criação. Tem sido mesmo o principal beneficiário nas ajudas militares concedidas pelos americanos desde 1976 até 2003, quando foi… compreensivelmente. ultrapassado pelo Iraque. Desde 1985, Israel recebeu subsídios dos EUA numa média de $ 3000 M por ano, de acordo com Jeremy M. Sharp (30);

• Israel participa, com os EUA, no desenvolvimento de tecnologia militar, bem como em exercícios militares e estabelece acordos de cooperação militar com países que vão sendo objecto de particular atenção por parte dos EUA, como a Geórgia ou o Azerbaijão, numa clara posição de complementaridade estratégica (31);

• Beneficia de todo o apoio diplomático dos EUA e da infinita tolerância da UE em todas as suas atitudes racistas e genocidas face aos palestinianos e agressivas relativamente ao mundo islâmico em geral;

• Israel cumpre escrupulosamente a estratégia do “choque de civilizações” e, a sua persistente ocupação de território alheio é inspirada na versão mais extremista do sionismo que nada deve ao Lebensraum hitleriano. E a Europa que tanto sofreu sob a barbárie nazi parece infinitamente tolerante para com Israel, concedendo-lhe o perdão irrestrito pelas suas acções só porque os judeus europeus sofreram duramente com essa mesma barbárie;

• Políticamente, Israel fundamenta a suas atitudes e a sua própria existência na procura de uma emenda de factos históricos milenares, baseada numa tese delirante de se considerar como povo eleito por uma divindade. Na verdade, nos EUA ainda é vulgar encontrar quem sinta que a nação tem uma missão civilizadora do mundo, sobre povos inferiores, moralmente decadentes, aos quais compete a subordinação à nação eleita;

• Israel constitui uma ilegítima fortaleza ocidental em terras árabes, numa região petrolífera e, por isso os EUA e a Europa dispõem-se a acarretar com todo o antagonismo do mundo islâmico e com os frequentes conflitos e guerras com nações islâmicas, em vez de procurar criar relações de paz, amizade e de cooperação pacífica;

• O dispositivo militar da NATO interliga-se com Israel na operação “Active Endeavour” para o policiamento do Mediterrâneo oriental, oferecendo, portanto a Israel um apoio importante, numa zona fulcral para o país;

• Os países ocidentais são capazes de verberar a posse de armas nucleares pela Índia, por exemplo e gerar campanhas mediáticas, ameaças e sanções contra o Irão, sem apresentar quaisquer provas de que o país esteja a construir armas nucleares. Porém, ignoram que Israel tem mais de 150 e contou com o decisivo apoio da França para o desenvolvimento da sua capacidade nuclear;

• A chegada do petróleo e do gás natural proveniente do Cáspio e da Ásia Central a Ceyhan (desde 2006) visa disponibilizar no Mediterrâneo oriental (já vigiado por navios da NATO no âmbito da operação “Active Endeavour” e pelo aparelho militar israelita) sem a interferência da Rússia. Outras vias de assegurar o escoamento daqueles produtores de combustíveis fósseis dependeriam da travessia de estados árabes (Síria ou Iraque) ou do Irão, uma vez que a utilização do Afeganistão e a costa paquistanesa parecem bastante problemáticas. Ceyhan tenderá não apenas a constituir uma via de abastecimento da Europa (objectivo essencial para a NATO) como também a disponibilizar hidrocarbonetos a Israel e, através deste, fazê-lo chegar a Eilat, no mar Vermelho, onde ficaria disponível aos consumidores asiáticos, tornados portanto, dependentes dos humores do Ocidente e da NATO-Israel para o seu abastecimento (32);

• Note-se também que a Turquia é detentora da principal fonte de um recurso estratégico essencial que é a água, particularmente escassa no Médio Oriente. Situam-se na Turquia as nascentes do Tigre e do Eufrates e já existiram tensões com a Síria e o Iraque a propósito da água. Israel tem graves carências de água que, por exemplo, justificam parcialmente, a irredutibilidade em devolver os montes Golan à Síria, porque se encontra ali um importante aquífero. Em 2002 Israel e a Turquia celebraram um acordo para o fornecimento de água turca durante 20 anos, num total de 50000 M de litros (cerca de 3% do consumo israelita) (33);

• A entrada em funcionamento do BTC abre caminho ao desenvolvimento de outras fases do projecto global e no qual Israel é parte essencial. Projecta-se a construção de várias ligações subterrâneas, por mar, entre Ceyhan e Ashkelon para o transporte de petróleo, gás natural, água e electricidade, cuja viabilidade depende da travessia de águas territoriais sírias e libanesas. Talvez por essas razões, Israel vem tentado esmagar o Hezbollah, os EUA afastaram as tropas sírias do Líbano e mantêm uma relação crispada com Damasco. Esperam-se, provavelmente, novos conflitos, para os quais a aliança estratégica entre a NATO e Israel será uma peça chave (28);.

Desenvolvimentos recentes

O dispositivo militar estratégico ocidental está particularmente atento às alterações na distribuição dos poderes à escala mundial e vai procedendo à adequação e reposicionamento dos seus recursos, de acordo com as hierarquias que estabelece para as suas prioridades e para o que considera ameaças à sua suserania. As recentes posições dos EUA e da NATO revelam elementos de relativa continuidade como o empenhamento no Afeganistão, o prosseguimento da tolerância para com Israel ou a animosidade para com a Venezuela, o Irão ou a Coreia do Norte; e evidenciam mudanças, com o abandono anunciado por Obama (17 de Setembro de 2009), do projecto Escudo Anti-Mísseis - Missile Defense Shield ou a redacção da Resolução nº 1887 da ONU, sobre a proliferação de armas nucleares, já atrás referida.

Considera-se, porém, que as mudanças evidenciam alterações tácticas e não alteram a estratégia que vem sendo desenhada, laboriosamente, desde 1991, por parte dos EUA.

• No corte orçamental global para 2010 ($17000 M), o governo americano só retirou ao Pentágono cerca de metade daquele valor, o que corresponde a uma ínfima parcela dos seus gastos com a defesa ($ 663 700 M). Nessa redução cosmética pesa sobretudo o abandono da aposta em aviões F-22 Raptor ($ 2900 M em 2009). Porém, não deixou de ser referido que pode haver um reforço orçamental se as coisas se agravarem no Afeganistão ou no Iraque (34);

• O abandono do F-22 não é uma conquista dos amantes da paz e do desarmamento. Para a alegria do complexo militar-industrial dos EUA ou… para animar a economia, foi adoptada a construção de 2456 aviões F-35, num programa de 12 anos. Segundo um órgão do congresso americano, o “Congressional Research Service”, custará $ 246 000 M ($100,1 M por aparelho) (35). Em contrapartida, para desespero dos milhões de pessoas que têm fome e a indignação de todos os cidadãos decentes, os países do G-8 dizem ter contribuido com $ 13400 M (pouco mais de 5% do custo total dos F-35) para a segurança alimentar mundial de Janeiro de 2008 a Julho de 2009 (36);

• São conhecidas as pressões americanas para um maior envolvimento dos seus aliados (5) nas despesas militares e no fornecimento de soldados seus para as guerras imperiais. A Alemanha, por exemplo, que durante décadas, se auto-excluiu do envio de tropas para o exterior, está presente no Afeganistão (4000 soldados) onde foi protagonista recente em massacres de população civil;

• O grande reforço da presença americana na Colômbia revela uma maior atenção ao que se passa na América Latina onde vários países (com grandes reservas de combustíveis) vêm mostrando crescente autonomia e irreverência para com a tradicional suserania americana. São os casos da Venezuela, da Bolívia, do Equador e, em menor grau do Brasil e da própria Colômbia, podendo este país, ser uma vai mais acessível de acesso à baxia amazónica. Por outro lado, se Obama fez os golpistas hondurenhos sairem da OEA e vai permitindo a deposição de Zelaya, a poderosa Hillary Clinton, a propósito das Honduras, nada encontrou de melhor do que ameaçar Chavez (37);

• O abandono do projecto da instalação dos mísseis na Europa de Leste terá sido um negócio diplomático cumprindo a Rússia, a sua parte, com a imediata renúncia à colocação de engenhos semelhantes em Kaliningrado. Ao que se julga, haverá propostas menos públicas que poderão conduzir à permissão americana para que a Rússia, a Bielorússia e o Casaquistão entrem na OMC (a reactivação do comércio mundial é prioridade para Obama), em contrapartida de uma pressão russa sobre o Irão. Este tema foi mencionado nas conversações com a Rússia, como aliás referido por Rasmussen, secretário-geral da NATO. A “questão iraniana” está a revelar-se uma peça de primeiro plano na hierarquia das preocupações americanas;

• O mesmo Rasmussen não deixou de cortejar a Rússia para a inserção na NATO, para lutar contra o terrorismo (num momento em que no Cáucaso russo há atentados suicidas) e a proliferação de armas de destruição maciça; para ajudar na estabilização do Afeganistão; para integrar o dispositivo ocidental de mísseis com o fim de contrariar as ameaças nucleares na Ásia e no Médio Oriente… e esquecer os tempos da Guerra Fria. Rasmussen terá decerto querido preparar o isolamento da Coreia do Norte e do Irão, ou mesmo lançar perturbação na OCX – Organização de Cooperação de Xangai que, desde 2001, agrupa a Rússia, a China e países da Ásia Central e que tem como observadores, entre outros, o Irão e a Índia;

• Ao anunciar o fim do projecto da instalação dos mísseis na Europa, Obama não deixou de referir que o mesmo será transferido para “outra localização” e que «a nossa nova arquitectura de defesa na Europa vai permitir uma defesa mais forte, mais eficaz e mais rápida das forças norte-americanas e dos aliados dos Estados Unidos». Foi ainda referido que o programa balístico iraniano, o pretexto para o projecto, continua a ser uma «ameaça importante» e que ex-presidente Bush, «tinha razão» nesse ponto, deixando antever uma maior confrontação no Médio Oriente.

4 - Gastos monstruosos com a defesa e a guerra

Para o desempenho da sua função de braço armado da hegemonia ocidental no mundo e, de momento, com uma abrangência crescente, de contornos variáveis e imprevisíveis, a NATO tem vindo a ser objecto de um constante rearmamento e a absorver uma fatia não dispicienda da riqueza dos seus membros.

Esse volume de recursos é francamente exagerado face às ameaças efectivas e é socialmente inútil… se é que os gastos militares têm alguma utilidade social.

Em quase todos os países da NATO, em graus distintos e, apesar dos níveis elevados de riqueza (muito desigual) entre os seus membros, existem debilidades estruturais no desempenho económico, agravadas pela actual crise. Assim sendo,

• É um luxo a preferência por “canhões em vez de manteiga”, como se costuma dizer, em termos de política económica e social ou de afectação dos seus recursos das nações;

• O elevado desemprego, com o desinteresse pelos jovens, ou mantendo trabalhadores mais velhos até à inanição; a precariedade do trabalho e a estagnação ou redução do poder de compra; a compressão dos gastos com a saúde e a educação; o desprezo pela reabilitação urbana ou o crescimento das periferias urbanas abandonadas pelos governos; a compressão das pensões de reforma ou a sua tomada de apropriação pelo capital financeiro, tornam claro para todos que há formas de aplicação do dinheiro público bem mais úteis do que com com a “defesa”;

• Os gastos militares, o reforço do papel do sector privado, os apoios aos bancos, às seguradoras, à especulação financeira, são, no entanto as grandes prioridades do gasto público por parte dos governos. Discute-se arduamente nos EUA, como forma de cobrir os riscos de 46 milhões de cidadãos, não a criação de um serviço público e universal de saúde mas, um limitado seguro único que permita economias públicas sem marginalizar a indústria seguradora; porém, a discussão é menos viva no que respeita aos aviões F-35 com um custo unitário de $100 M;

• Na UE, a harmonização dos equipamentos militares no seio da NATO é dada como essencial. Ao seu nível de importância, somente o temporariamente adormecido PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento) que pretende aplicar-se a todos os Estados, de forma mecânica e igual, como se todos tivessem a mesma configuração económica; ou os preceitos do BCE, verdadeiro cristal de estupidez, em termos de política monetária; ou o totalitário Tratado de Lisboa. A criação de um regime fiscal único, a tributação da especulação, a criação de um sistema europeu de saúde ou um salário mínimo comum, alinhados pelas melhores práticas europeias, não são prioritárias.

O alargamento geográfico da área de actuação da NATO, a frequência e a profundidade das suas intervenções têm também impactos desastrosos nos países menos desenvolvidos em vários sentidos;

• Geram corridas ao armamento, em detrimento do seu desenvolvimento ou na melhoria das condições de vida dos povos, muitas vezes, beneficiando militares e regimes corruptos. Essas aquisições de equipamentos militares, usados ou tornados obsoletos pela produção de armas mais modernas, permitem o seu escoamento pelos países desenvolvidos e a rendabilidade nestes, da indústria militar;

• Estabelecem uma segmentação artificial e perigosa entre países “bons”, os aliados ou subservientes da NATO e os “maus”, se procurarem traçar caminhos próprios e pacíficos de coexistência com os outros países e povos;
• Dessa segmentação surgem mesmo conflitos armados, entre países pobres, inspirados, em representação ou por encomenda da NATO ou, autonomamente dos EUA e que alimentam tráfegos mafiosos de armas;

• Como não existem povos geneticamente vocacionados para a guerra e, pelo contrário, todos os seres humanos aspiram a viver em paz e bem estar, com segurança, saúde, habitação, trabalho, alimentação e educação, toda a Humanidade é prejudicada pelas manipulações do poder imperial dos seus dirigentes nacionais;

• A influência da NATO e das indústrias militares mundiais gera castas militares, com interesses próprios, antagónicos aos dos seus concidadãos, prontos as golpes de estado e atitudes repressivas contra movimentos populares, sindicais, pacifistas e de luta pelos direitos. Essas castas militares, muitas vezes, verdadeiros estados dentro do Estado estão sempre prontas a ser objecto do “lobbying” dos vendedores de armamento, com o enriquecimento corrupto de generais;

• A manutenção da influência em dado país, da NATO ou dos seus principais membros, tende a fomentar uma lógica conservadora de estagnação das suas estruturas económicas e sociais, em prejuizo da população, com elevadas carências em termos de nutrição, saúde, educação e onde a falta de trabalho obriga ao estabelecimento de dolorosos fluxos migratórios;

• Demasiadas vezes essa lógica conservadora subentende também a manutenção ou o exacerbar da preponderância de uns grupos étnicos ou religiosos, em relação a outros bem como a perpetuação de elites incompetentes e corruptas, baseadas no poder militar ou em sufrágios falsificados ou manipulados, pobres e desastradas réplicas dos modelos ocidentais.

O papel da NATO no que respeita aos gastos militares mundiais tem a seguinte e desmesurada representatividade:



A comparação dos gastos militares em 2008 e a sua evolução desde 1991 (extinção da URSS) relativamente aos principais países da NATO e seus aliados, ou inimigos preferenciais, revela aspectos gritantes do carácter agressivo da organização:



• O elevado crescimento dos gastos militares de países como a China, o Irão, a Ucrânia ou a Índia tem um significado muito relativo e não constitui qualquer ameaça global, uma vez que se insere numa lógica regional. Os EUA e a NATO são as únicas potências com capacidade de intervenção, em termos políticos e militares, em qualquer parte do mundo;

• Os gastos militares da China somados aos da Rússia, representam, em 2008, apenas 18.6% do total dispendido pelos EUA; relativamente ao “perigoso” Irão que tanta preocupação causa a Obama, a percentagem correspondente é de 1.1%;

• As antigas potências coloniais, Inglaterra e França apresentam-se nos 3º e 4º lugares no “ranking” mundial dos gastos militares, uma posição nitidamente exagerada face às ameaças que incidem sobre esses países mas, que revelam a importância das suas indústrias militares e pretensões de retorno a um passado imperial;

• Entre os países europeus da NATO seleccionados regista-se um decrescimento real dos gastos militares, tendência essa que não abrange os pertencentes à orla Mediterrânica (Espanha, Turquia, Itália e Portugal). Poderá parecer estranho que a Turquia tenha um crescimento modesto dos seus gastos militares – tendo em conta a conflitualidade existente na sua região – mas, se isso for relacionado com a forte implantação de bases da NATO no país, poderá dizer-se que a defesa da Turquia foi assumida pela NATO. Inversamente, que ameaça incidirá sobre a Espanha ou sobre a Itália para gastos tão elevados na defesa? Será para deter os fluxos de pobres imigrantes vindos de África?

• Tendo em conta que os equipamentos militares são caros, os gastos militares dos países menos desenvolvidos não podem concorrer com os dos países mais ricos da NATO e, em muitos casos, apresentam uma elevada proporção de salários pagos a exércitos volumosos e castas militares parasitárias. E, portanto, tende a eternizar-se a preponderância das sofisticadas máquinas militares da NATO e dos EUA, como potência dominante;

• Todos conhecem “os preparativos iranianos para atacar Israel” mas, os factos revelam que os gastos totais israelitas em defesa são o dobro dos iranianos, que cada iraniano gasta, em média $ 93, contra $ 1704 de Israel e que este último país com gastos militares correspondentes a 8.6% do seu PIB, só é ultrapassado pela Arábia Saudita (9.3%).

Os malefícios da NATO para o caso de um país pequeno – Portugal

Portugal é um país com 10.7 M de habitantes, o mais pobre da Europa Ocidental, com graves problemas estruturais que o dotam de elevados deficits no âmbito da saúde ou das finanças públicas, de elevados níveis de endividamento externo, de um mau sistema educativo, além de ser o único da região com volumes significativos de emigração. Sobre tudo isso paira um domínio absoluto de governos corruptos que controlam toda a sociedade, que esbanjam os fundos comunitários e domesticam o próprio aparelho judiciário. Todos estes problemas acentuam o carácter periférico do país e a dependência perante os mais poderosos países da NATO.

No tempo da Guerra Fria, o território português dos Açores era importante no dispositivo da NATO mas, ficou desvalorizado com a redução de perspectivas de um conflito generalizado. Não existem conflitos regionais que ameacem ou mesmo envolvam Portugal, situando-se o mais próximo, na RASD (Sahara Ocidental), para além da instabilidade interna em Marrocos ou na Argélia. Recentemente, Portugal desempenhou bem o seu papel de vassalo dos EUA dando facilidades aos voos da CIA de/para Guantanamo com prisioneiros, depois da hospedagem dos decisores da invasão do Iraque, em 2003.

É um país com estas características que gasta 2% do PIB em defesa - ao nível da Turquia e da China - só ultrapassado, entre os países ricos, pela França e pela Inglaterrsa e muito acima da Alemanha, do Canadá, da Espanha, da Holanda e da Itália.

Estes enormes gastos militares, em termos relativos, devem-se a três factores:

• Presença militar em todos os lugares onde se acha presente o dispositivo militar ocidental – Kosovo, Iraque, Afeganistão e Somália;

• Manutenção de um elevado número de militares, tributo prestado à sua actuação no derrube do regime fascista, em 1974, embora os protagonistas dessa acção tenham sido rapidamente afastados posteriormente e substituidos por quadros militaristas e ultra-conservadores;

• Gastos militares desajustados, por exemplo em submarinos, quando a costa portuguesa é uma das vias de entrada de drogas na Europa e que tem o sistema de radares parcialmente inactivo há dois anos; ou quando, recentemente, um envio de tropas para o Afeganistão foi retardado, pois dos dois aviões de transporte (Hercules) existentes, um estava em manutenção e o outro avariou, deixando os militares em terra.

Portugal oferece, em suma, um exemplo claro, dos malefícios da existência da NATO. Primeiro, porque inclui um pequeno povo, pobre e pacífico, numa aliança agressiva, em cujas acções participa, subservientemente, sem qualquer possibilidade de exercer influência nas decisões tomadas; e, em segundo lugar, porque os gastos públicos com a defesa contrastam com as imensas carências no âmbito da saúde, da educação, da habitação, etc.

5 - As forças armadas e o militarismo

A incapacidade de encarar a resolução de conflitos que não pela via militar, pela ocupação militar do terreno, enuncia as dificuldades de se gerar desenvolvimento económico e criar riqueza, de combater a pobreza e a doença em grande parte do mundo. E, passo a passo vão-se estabelecendo cordões de segurança, alargando zonas de intervenção, criação de zonas de conflito para o domínio de recursos ou gerando conflitos resultantes do saque de desses mesmos recursos. Em resumo, a importância dada às opções militares ou militarizadas resulta da pequenez e da escassez do próprio planeta Terra para satisfazer a cupidez e a cobiça das elites económicas e políticas.

Como instrumento de domínio global, as forças armadas têm vindo a alterar profunda e rapidamente o seu modo de funcionamento e as formas de ligação com as sociedades em que se inserem:

• O grande reforço tecnológico nos equipamentos militares, exige maiores qualificações aos soldados e, dispensa a presença de milhares de homens pouco qualificados. As forças armadas, nomeadamente as terrestres, passaram, à semelhança dos ramos navais e aeronáuticos, a constituir actividades de capital intensivo;

• Essa incorporação tecnológica tem como objectivo a criação de vantagens decisivas de detecção, neutralização e destruição do “inimigo”, para efeitos de dissuassão ou de destruição efectiva mas, também para reduzir ao mínimo as baixas em combate. Porém, porque que se trata de uma actividade de capital intensivo exige que as operações de desenvolvam rapidamente para que os custos da guerra não assumam montantes brutais de reposição de equipamentos destruidos e de manutenção de complicadas cadeias logísticas, incompatíveis com os orçamentos estatais;

• A redução das baixas em combate não resulta de qualquer preocupação humanitária, de uma elevada sensibilidade das altas esferas militares à perda de vidas ou ao sofrimento humano. Resulta, bem diferentemente, da procura de uma elevada assimetria nas baixas da guerra, que minimize o tempo da guerra;

o As baixas próprias devem ser reduzidas, tendo em conta os investimentos na formação dos soldados, ou a perda de equipamentos pessoais mas, sobretudo para que a opinião pública se mantenha relativamente alheia e desinteressada da guerra;

o As baixas entre os militares do “inimigo” para além de constituirem um factor de redução da sua capacidade de defesa, como sempre foi objectivo da guerra, pretendem-se francamente desproporcionadas para promover o terror, a aceitação da superioridade política e da suserania do “Bem”;

o Está subjacente, neste contexto, um desprezo implícito para com a vida humana, sacrificada. muito para além das necessárias para o ganho de vantagens estritamente militares;

o Está implícito, nesta filosofia, um conteúdo racista, desde que entre as vítimas predominem árabes, muçulmanos, negros, asiáticos.

• Dentro da mesma filosofia anti-humanista, inscreve-se o que é definido nos comunicados militares por “danos colaterais”, isto é as vítimas civis, nem sempre provocadas por enganos mas, sobretudo, de modo deliberado, levados a cabo para atingir a população civil, apoiante de movimentos populares, de guerrilha e, perante esses danos e ameaças, levá-la ao abandono desse apoio, à delação, à rendição aos elevados desígnios da suserania do invasor ou ocupante;

• O já referido reforço tecnológico acentua a cobiça da industria militar para a angariação de encomendas e a produção de equipamentos cada vez mais sofisticados; e, como o crescimento económico nos países ocidentais tem sido anémico, os governos não regateiam apoios financeiros para a modernização das forças armadas e o apoio às indústrias da guerra, para dinamizar a economia;

• A “luta contra o terrorismo” constitui um argumento vago, obscuro, permanente brandido em todas as direcções, uma das quais para justificar o reforço da defesa e da segurança. Com essa “luta” interligam-se, propositadamente, o combate ao narcotráfego e a outros tráfegos ilegais ou criminosos e a contenção da imigração clandestina, que em conjunto permitem uma integração das funções militares com as funções policiais;

• A utilização de empresas privadas como fornecedoras de mão de obra e adjudicatárias de funções e missões militares, efectuadas em regime de “outsourcing” constituem uma verdadeira parceria público-privada que representam uma real privatização de parte significativa da execução da guerra. Na avaliação de Dario Azzelini estas adjudicações são avaliadas em $ 150000/200000 M por ano (39).

• O abandono do serviço militar obrigatório transforma as forças armadas, baseadas em elementos voluntários, seleccionados e contratados, em verdadeira tropa mercenária, guardas pretorianas disciplinadas, doutrinadas e bem pagas, capazes das barbaridades mais dementes, junto de prisioneiros e da população em geral, da qual se acham separados, por um espírito de casta que lhes é incutido. Uma das vantagens para os poderes da profissionalização das forças armadas é que reduz a pressão para o fim dos conflitos, habitual em soldados obrigados à guerra e permite um pacífico arrastamento dos conflitos, conduzido por pretorianos contratados;

• A ausência de conscritos no serviço militar afasta os feitos militares da população, que assim vê menos ameaçados os seus jovens e portanto, menos preocupada com o que se passa na guerra, transformada em palco de verdadeiros senhores da guerra; e, por esse motivo, mais neutros face a uma profissional utilização de comportamentos desumanos ou proibidos por convenções humanitárias, como as bombas de fósforo, os projécteis de urânio empobrecido, as minas anti-pessoais, as cobardes acções sobre civis indefesos;

• O crescente divórcio entre, por um lado, os políticos profissionais e os partidos políticos, sobretudo dos inseridos na lógica do rotativismo e, por outro, a população, num contexto de dificuldades causadas pela globalização neoliberal e pela crise financeira que dela emanou, leva a uma elevada conivência e aliança entre a classe politica e as castas militares, no que respeita à utilização das receitas públicas;

• Contudo, se a guerra visa a apropriação de riqueza alheia por parte dos agressores, esse objectivo pode constituir um fracasso total quando se trata da ocupação efectiva e, sobretudo económica do território. Se a ocupação se tornar mais prolongada, geradora de resistências passivas ou armadas, de não colaboração com o ocupante, tem-se visto que a enorme capacidade de destruição dos exércitos modernos e a dos seus meios sofisticados de comunicação, informação, vigilância e de poupança de baixas se revela bastante frágil. E essa fragilidade, pode estar na origem de uma clara derrota estratégica.

6 - A luta contra a NATO

A NATO tem muitas fragilidades que o seu potencial militar tende a obscurecer. A sua capacidade de desencadear a guerra é enorme mas, não é capaz de resolver os problemas que se deparam aos povos. Enumeram-se, de seguida os factores que potenciam a luta dos povos dos seus países-membros contra a organização:

• A NATO tem uma debilidade estratégica evidente, uma vez que, na falta de um inimigo global credível, centra a sua existência numa difusa luta anti-terrorista aliada a objectivos menores (para uma instituição militar) como a criminalidade ou a imigração clandestina;

• Essa debilidade manifesta-se na dificuldade em captar a adesão dos povos dos países-membros, incapazes de compreender a necessidade de gerar conflitos e guerra por parte da NATO; e essa adesão não só está ausente, como é substituida por atitudes de dissidência e oposição por parte de segmentos sociais importantes;

• A NATO goza, em regra, de impopularidade local ou regional nas áreas das suas principais actuações, cujas populações estão longe de receber os soldados ocidentais como agentes portadores de liberdade, paz e bem-estar;

• Dessa impopularidade resultam as dificuldades de ocupação eficaz dos territórios de intervenção, sendo cada vez mais evidente o não cumprimento dos seus objectivos iniciais no Iraque ou no Afeganistão, o que terá de ser encarado como derrota estratégica. Essa impopularidade e esse descrédito irão, sem dúvida aumentar. Em qualquer momento, a NATO poderá desencadear uma acção espectacular, que tenha efeitos demolidores no campo militar, impactos desastrosos sobre a população civil, elevando a já forte desmoralização dos seus soldados e, com os benéficos efeitos no aumento da consciência anti-NATO nos cidadãos dos países-membros, como aconteceu recentemente, depois do massacre de Kunduz;

• Uma derrota estratégica no Afeganistão ou no Iraque virá relançar a discussão sobre a utilidade da NATO e da via militar para a resolução dos problemas do mundo – pobreza, fome, saúde, etc; e, provavelmente, aumentar as divergências no seio da aliança, para além das que já se verificam;

• Uma derrota estratégica da NATO, com o abalar do domínio euro-americano, reduz a sua influência em solo árabe e fragiliza a fortaleza israelita; pode obrigar Israel a cedências efectivas, muito para além das pretensões iniciais do governo sionista e, até conduzir a uma Palestina, democrática e multiconfessional;

• O dispositivo militar da NATO é eficaz na destruição de exércitos convencionais mas, tem falhado na ocupação do terreno, na cooptação de políticos locais credíveis e, nem sequer pode dispor dos meios para proceder a uma mobilização obrigatória de soldados, como aconteceu na Indochina. Por seu turno, a contratação do fornecimento de serviços militares a empresas privadas tem evidentes limitações orçamentais;

• Paralelamente, as economias ocidentais vêm registando um baixo crescimento e, a adopção da política económica neoliberal, a desregulamentação da actividade económica e a financiarização têm aumentado as desigualdades e desgastado a imagem dos partidos do poder. Mais especificamente, os EUA, com os seus crónicos deficits, a debilidade do seu sistema financeiro e uma próxima redução drástica da relevância do dólar, dificilmente poderão sustentar mais operações militares, sobretudo se prolongadas com ocupações;

• A própria subalternização da ONU aos interesses da NATO ou do Pentágono, descredibilizam a instituição e podem conduzir a reformas importantes na sua estrutura, nomeadamente, a extinção do Conselho de Segurança, se se assistir ao fracasso da NATO ou do Pentágono, isto é, do dispositivo estratégico militar ocidental;

• O alargamento do número de membros da NATO tem no bojo as dificuldades próprias do crescimento da sua diversidade, que se podem manifestar em faltas de coesão e no acentuar de conflitos e antagonismos internos;

• A derrota da NATO tornará menos atraente o papel de joguete dos países da Europa de leste não integrados na UE, pressionados para integrar a NATO e com isso alimentarem tensões com a Rússia. E retira o apoio de rectaguarda ao nacionalismo fascizante presente a Leste da UE, nomeadamente na Polónia. Em geral, a existência de políticos e militares corrompidos e alheados das suas obrigações para com os respectivos povos - porque subservientes perante a estratégia agressiva do Pentágono - resultará fragilizada no seu conservadorismo oficial relativamente à NATO;

• Tem-se vindo a assistir a um aumento do peso e influência dos países do Sul na cena mundial, no quadro do comércio, dos investimentos, no crescimento económico, nas instituições internacionais, que dificultam a actuação ou mesmo a afirmação da única potência global, os EUA e dos seus braços armados, onde se inclui a NATO.

A substituição do serviço militar obrigatório pelo voluntariado, que transforma os exércitos em organizações de mercenários, tende a dificultar os movimentos populares de luta pela paz, baseados nas crescentes baixas dos “nossos soldados”. As baixas entre mercenários não provocam grandes mágoas e não motivam tanto os movimentos populares de luta contra a guerra ou, ainda, os movimentos de mães e familiares de soldados mortos ou estropiados na guerra. Se este factor de ordem emocional não estiver presente ou for marginal, a luta contra o militarismo e a guerra tem de se alicerçar em factores de ordem económica, política, ética e humanitária.

A luta contra a NATO e o militarismo, protagonizada pelos povos dos seus países membros, pode envolver várias frentes:

• Uma componente económica, insistindo na inutilidade e inconveniência social dos gastos militares, em contraponto com os necessários investimentos na saúde, na educação, no alojamento, etc;

• Uma componente ecológica, que consiste em apontar os perigos inerentes à presença de bases militares, de território subtraído à população para utilizações militares, sobretudo quando nelas estejam armazenadas armas nucleares;

• Uma componente ética, que incide sobre o carácter anti-democrático das soluções militares e pela intransigente defesa das formas pacíficas de resolução dos conflitos;

• Uma componente humanitária, que se baseia na expressão de solidariedade humana para com as vítimas da guerra, fomentando um espírito de universalista e anti-militarista, de afirmação e consolidação dos direitos humanos, fulcral para a criação de um mundo melhor:

• Uma componente de denúncia política, a incidir sobre o parasitismo de castas militares e das suas funções policiais, levadas a cabo pelos partidos dominantes, como elemento central do controlo biopolítico das populações.

Com frequência se assiste à existência de partidos e movimentos de âmbito nacional que propõem a saída do seu país da NATO o que se considera ser ingénuo quando não mera atitude populista com objectivos eleitorais.

Países como a Inglaterra, a França ou a Alemanha poderão sair da NATO ou recusarem-se a participar numa dada intervenção da organização, se o entenderem, dado o seu poder político e económico e isso poderá mesmo abalar a coesão de que a NATO precisa. O mesmo não sucede para os países mais pequenos, que são a grande maioria dos membros da NATO. E, por dois motivos:

• Um, de natureza política, que é o de os EUA não admitirem facilmente e sem retaliações, deserções dentro da sua esfera mais íntima de suserania, mesmo que a contribuição dessas saídas, a serem protagonizadas por países pequenos, seja irrelevante em termos da actual capacidade de intervenção militar da NATO;

• Em alguns casos, o posicionamento estratégico de um país candidato à saída debilitaria claramente o dispositivo militar da NATO que poderia provocar dificuldades não dispiciendas, provocadas pelos EUA e pelos seus aliados. Seria, por exemplo, o caso da Turquia, à semelhança do que aconteceu em 1979, com a saída do Irão da esfera de influência dos EUA, que nunca esqueceram as humilhações nem a perda estratégica, então sofridas.

Neste contexto, tendem a ser superficiais e ineficazes atitudes levadas a cabo, isoladamente, a nível nacional para que um qualquer país saia unilateralmente da NATO (a França de de Gaulle, saiu da estrutura militar da NATO mas, regressou recentemente).

A movimentação contra a NATO, para ser eficaz e genuina, terá de ter duas metas:

• Deve incidir sobre o encerramento da NATO, única forma de resolver o problema e criar um ambiente global de paz;

• Deverá unir todos os povos ameaçados pela sua existência, quer integrantes dos países-membros, quer das nações actualmente vítimas das suas intervenções, quer daqueles que se poderão situar na sua linha de mira para actuações próximas;


Notas e fontes

(1) http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u562129.shtml
(2) http://www.cebraspo.com/boletim-86-13-de-agosto-de-2008....html
(3) http://en.wikipedia.org/wiki/NATO_intervention_in_Bosnia
(4) http://www.democracynow.org/es/2009/9/8/titulares#11
(5) http://www.wri-irg.org/node/6573
(6) http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/05/26/israel_tem...3.asp
(7) http://www.democracynow.org/es/2009/8/24/titulares#7
(8)
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5iHBo...RyaJQ
(9) http://www.nato.int/cps/fr/SID-FE182CC1-6818B95A/natoli...ution
(10) http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2002/020827_re...shtml
(11) http://www.hojeemdia.com.br/v2/index.php?sessao=17&ver=...34220
(12) http://ultimosegundo.ig.com.br/new_york_times/2008/10/1....html
(13) http://www.democracynow.org/es/2009/8/18/titulares
(14) http://pt.wikipedia.org/wiki/Hamid_Karzai
(15) http://www.wri-irg.org/node/8664
(16) http://pt.wikipedia.org/wiki/Kosovo#Economia
(17) http://www.nato.int/kfor/structur/nations/placemap/kfor...cemat
(18) http://www.nato.int/issues/active_endeavour/#evolution
(19)
http://www.afsouth.nato.int/JFCN_Operations/ActiveEndea...r.htm
(20) http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2007/01/09/ult34u....jhtm
(21)
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/johan....html
(22)
http://pt.wikinews.org/wiki/Frota_mar%C3%ADtima_da_OTAN...A1lia
(23) http://www.wri-irg.org/node/6573, Cerremos la NATO, WRI
(24) http://www.bp.com/productlanding.do?categoryId=6929&con...44622
(25) http://haroldovilhena.multiply.com/journal/item/121

(26) http://noticias.uol.com.br/ultnot/2007/12/08/ult35u5673....jhtm
(27) http://www.onu-brasil.org.br/doc_armas_nucleares.php
(28) http://www.adufrj.org.br/site/imprimir.php?id=527
(29) http://resistir.info/chossudovsky/geopolitica_pipelines....html
(30) http://en.wikipedia.org/wiki/Israel_%25E2%2580%2593_Uni...%3Den
(31) http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/states/GA.html
(32) http://resistir.info/chossudovsky/pipeline_btc.html
(33) http://www.cienciaefe.org.br/JORNAL/e70/mt06.htm
(34) http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u562129.shtml
(35) http://www.aereo.jor.br/?p=11831
(36) http://www.redebrasilatual.com.br/temas/internacional/g...-g-14
(37) Maurice Lemoine em “Sinais de guerra fria nas Honduras”, Le Monde Diplomatique, Set/09, ed. Portuguesa.
As esperanças messiânicas em Obama vão-se diluindo em cada dia que passa. É evidente a sua subordinação ao Pentágono ou a sua subalternidade prática com inclusão no seu governo de Hillary Clinton, candidata derrotada na nomeação democrata de Obama e que domina a política externa. Obama parece ser o caso de maior sucesso de aplicação da tese de Franz Fanon no seu livro de 1952 “ Peau Noire, Masques Blancs”, depois dos ensaios bem conseguidos com Collin Powell e Condoleza Rice. Arrisca-se mesmo a pergunta: será o presidente Barack Obama um “powerpoint”?
(38)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses...tares
(39) http://engforum.pravda.ru/showthread.php?p=2941945


http://www.scribd.com/doc/20691174/Nato#

Related Link: http://antinatoportugal.wordpress.com/
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