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5 anos de ocupação desconhecida, 5 anos de resistência ignorada

category américa central / caribe | imperialismo / guerra | opinião / análise author Sunday March 08, 2009 17:41author by José Antonio Gutiérrez D. Report this post to the editors

Os efeitos da ocupação sobre o povo tem sido desastrosos: já temos incluido em vários outros artigos algumas análises a esse respeito[6]. O principal efeito tem sido o aprofundamento, a força, de um mdelo de fome, miséria e exclusão. Aprofundado de tal forma que em Abril de 2008 aparecem notícias grotescas de que os Haitianos não teriam outra opção para aliviar a fome que recorrer a comer biscoitos de barro, se estourou por todo o país uma rebelião porque o povo, literalmente, estava morrendo de fome. [English] [Castellano] [Français]
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5 anos de ocupação desconhecida, 5 anos de resistência ignorada.

Bay kou, bliye. Pote mak, sonje.
(Quem bate esquece. Quem apanha se recorda” Provérbio Haitiano.)


5 anos se passam desde que o Haiti, paradoxalmente a primeira república latinoamericana a se emancipar do jugo colonial, se ve frente a uma ocupação militar estrangeira. Sendo claro, é o único país latinoamericano submetido a uma ocupação militar atualmente. Localizada em meio ao Caribe, compartindo território com a República Dominicana, próxima a Flórida e Cuba, esta pequena nação desde um lustro que se encontra ocupada por 7.036 soldados e 2.053 policiais da ONU (que fazem parte de uma missão “humanitária”, a MINUSTAH). Não é a primeira vez que Haiti é ocupado militarmente: ainda são profundos os traumas da ocupação norteamericana que de 1915 a 1934 enlutou todas as regiões camponesas Haitianas. Desde então, a intervenção política imperialista, principalmente norteamericana, mas também canadense e francesa, tem sido uma constante.

Mas esta ocupação iniciada em 29 de Fevereiro de 2004 é diferente: e não somente porque é uma ocupação a cargo da ONU, o que da certo vies de “legitimidade” a esta violação da dignidade do povo Haitiano. Esta ocupação é radicalmente diferente das anteriores, pois pela primeira vez são os países latinoamericanos que invadem e ocupam os demais.

Em fevereiro de 2004, em meio a um mês de insurreição armada, financiada e preparada pela CIA contra o governo populista de Jean Bertrand Aristide, tropas dos EUA, França, Canadá e Chile, desembarcam no Haiti e sequestram o presidente Aristide, o qual havia logrado a desconfiança de Washington e Paris, e quem desde sempre havia enfrentado a inflamada oposição de uma oligarquia makoute, que negava ceder sequer o mínimo de seu poder enraizado em dois séculos de vida republicana. A desculpa para este desembarque é a imagem do trabalho altruísta de restaurar a ordem e proteger a segurança dos Haitianos (cabe destacar que estes sentimentos altruístas brilharam por sua ausência durante anos de sanções econômicas e saque aberto à economia Haitiana por parte dos yanques e franceses). O derrotado presidente é enviado para a República Centroafricana em um avião, os “reveldes” a serviço da CIA consumam inumeráveis massacres de milhares de partidários do presidente Aristide em bairros populares, os bidonville, e estabelecem um regime de terror nas Zonas Francas, aonde operam importantes empresas transnacionais como Levis e Walt Disney. Tudo isso, sem que os autoproclamados defensores do povo haitiano sequer se incomodassem. Logo, se instalava um títere da oligarquia hatiana e da Casa Branca, no poder, Gerard Latortue, fechando assim o caminho de um Golpe de Estado sui generis em um país sem exército, com a participação de bandos armados ao serviço da CIA e exércitos extrangeiros.

Haiti, um protetorado sobre a custódia dos capacetes azuis

A meados de 2004, na tentativa de dar um certo grau de legitimidade à ocupação, e em meio de crescentes dificuldades militares no Iraque para os EUA, se convoca a ONU para que assuma o cargo de uma situação caótica no país. Assim, os EUA se retiram da cena principal e a presença da ONU da um certificado “humanitário” à ocupação. Ai está a origem da MINUSTAH: é a continuação das forças militares, a sua vez, golpistas e de ocupação, que se impuseram a sangue e fogo neste cada vez mais distante golpe de 2004[1]. Mas, para que a fachada humanitária e democrática fosse ainda mais credibilizada e para que nada pudesse afirmar que Hati novamente era vítima do imperialismo, se assegurou que o comando, assim como o grosso das tropas da MINUSTAH fossem latinoamericanos. Ao Brasil, como era de se esperar, lhe tocou o rol protagonista na MINUSTAH, seguido do Chile e da Argentina. Mas praticamente todos os países latinoamericanos possuem tropas no Haiti. Inclusive países “progressistas” como a Bolívia e o Equador[2].

Nesta ocupação, ainda que haja aqueles que tenham algo de concreto a ganhar além dos favores de Washington[3], em última instância, reflete a modificações na correlação de forças na região e em um maior peso dos atores locais para manter a “segurança hemisférica”, demonstrando que há outras potências interessadas em estabelecer que, depois de tudo, também possuem o seu quintal.

A eleição de Preval em Fevereiro de 2006 não alternou o caráter da ocupação, e este já tem demonstrado ser nada mais que um presidente capaxo da ocupação, da oligarquia haitiana e de seus patrões extrangeiros, que vêm dando sequência ao caminho de Latortue e que tem aprofundado o saqueio do Haiti, mediante tratados de livre comércio como as EPAs com a União Europeia e a lei HOPE com os EUA[4].

No momento, não há sinais de que haja a menor intenção de acabar com a ocupação. Ao menos que isto se desprenda da resolução 1840 (2008) do Conselho de Segurança da ONU, aprovada em 14 de Outubro de 2008, que quase ironicamente começa com as seguintes palavras: “reafirmando sua firme determinação de preservar a soberania , independência(...) do Haiti”, para logo concluir na decisão de extender o mandato da MINUSTAH até 15 de Outubro de 2009, “com a intenção de renova-lo novamente”[5]. Ou seja, que há uma ocupação momentanea, a qual podemos supor que o projeto é de um protetorado mais ou menos permanente ao serviço das transnacionais...

A morte lenta de um país ocupado...

Os efeitos da ocupação sobre o povo tem sido desastrosos: já temos incluido em vários outros artigos algumas análises a esse respeito[6]. O principal efeito tem sido o aprofundamento, a força, de um mdelo de fome, miséria e exclusão. Aprofundado de tal forma que em Abril de 2008 aparecem notícias grotescas de que os Haitianos não teriam outra opção para aliviar a fome que recorrer a comer biscoitos de barro, se estourou por todo o país uma rebelião porque o povo, literalmente, estava morrendo de fome[7].

Um artigo da revista “The Economist” (12/12) nos assinala que os “avanços” da ocupação se reduzem a duas coisas, muito irrosórias. Nos diz, sem nenhuma vergonha, que “a missão da ONU tem melhorado a segurança: os sequestros denunciados caíram de 722 em 2006 para 258 no ano passado(...) As ruas de Porto Principe estão muito mais limpas”[8]. Não se sabe se é para rir ou chorar com esta farsa que pretendem fazer passar por “éxito”... mais de 9.000 uniformizados ocupando uma ilha somente para ter ruas mais limpas! Para que haja apenas 258 sequestros! Sem falar do que se gasta na MINUSTAH: para o ano que vai de Julho de 2008 a Junho de 2009, se aprovou um pressuposto de que se dispõem de U$ 601.508.000... a metade do pressuposto de que dispõem o fisco haitiano anualmente!

O absurdo que na ocupação se gasta em dinheiro poderia se utilizar para construir infraestrutura, moradia digna, hospitais, escolas, etc. Há dinheiro para manter uma ocupação que deveria ser melhor utilizado no cancelamento da dívida externa haitiana, oneroso legado das ditaduras dos Duvalier. Há dinheiro para fusis mas não há para pão. Além de esclarecer que esta força militar, hábil para massacrar cerca de 10.000 haitianos tenha sido completamente inoperante para ajudar aos milhares de prejudicados pela temporada de furacões que arrazou a ilha caribenha com apocalíptica cólera em Setembro, matando a 793 pessoas, vítimas mais da pobreza que do clima[9].

O mesmo artigo do “Economist” sinala que a economia haitiana se contraira em 0,5% durante o ano de 2009, algo difícil de imaginar para uma economia tão desvastada e atrofiada como a haitiana, que tem sido reduzida a escombros, em meio a duas décadas de violenta supressão das alternativas populares e democráticas que surgiram no Haiti pós-Duvalier e seus consequentes ciclos de ditaduras, intervenções militares norteamericanas e sanções economicas. Esta história recente é a responsável de o Haiti ser hoje um país que sobrevive “graças” a caridade, com um pressuposto nacional que de 65% de dependência de empréstimos e ajuda internacional...

Mas os capacetes azuis também tem demonstrado não ser mais benevolentes no que diz respeito ao trato a população civil que qualquer outra força militar de ocupação: tem sido tolerantes com as incursões dos makoutes para reprimir seletivamente a ativistas populares, os mesmos tem praticado assacres e de maneira sistematica violentando mulheres e menores de idade[10].

A resistência ignorada

Lamentavelmente, esta ocupação ocorre em nosso nariz e ante um silêncio vexaminoso no movimento popular latinoamericano. Salvo certas declarações de apoio, como em Lima durante a conferência dos povos (maio de 2007), a regra tem sido ignorar a responsabilidade de nossos próprios governos na ocupação que padece um povo irmão...por tanto tempo temos acostumado a sofrer das arbritariedades do “frio país do norte” que parece que acreditamos que nossas próprias repúblicas sejam incapazes de praticar atos de sub-imperialismo! Parece que o movimento popular latinoamericano não entende o grave precedente que se passa com o Haiti: Em diante, as ocupações militares em nosso continente não terão porque ser realizadas diretamente pelo imperialismo norte-americano, se este pode contar com uma eficaz rede de apoio local dos países latinoamericanos que atuam como mercenários[11].

Mas este protetorado em que se quer converter o Haiti, encontra uma persistente resistência na mesma cultura haitiana, cultura forjada em uma secular resistência à imposição extrangeira e a uma elite tão alheia ao povo como seus patrões imperialistas. Cultura na qual persiste a altivez rebelde do quilombola que rompeu seus grilhões ao final do século XVIII, dando pela primeira vez sentido a palavra “liberdade” e dando a luz nesta gestação libertária um potente turbilhão que inspirou todas as lutas anti-coloniais dos últimos séculos.

O haitiano é paciente e sua resistência também o é. Renovem o quanto queiram o mandato da MINUSTAH e o povo haitiano seguirá tocando o manducumán, os tambores radás, congos, os tambores de Boukman, os tambores dos grandes pactos, todos os tambores do Vudu. Por isso é que toda manifestação termina em demosntrações de repúdio aos ocupantes: ocorreu tal coisa com os protestos contra a fome em Abril de 2008, que se converteu rapidamente em uma manifestação conta a ocupação[12], e ocorreu também com a comemoração da eleição de Aristide em 1990, celebrada em 16 de Dezembro por dezenas de millhares de manifestantes[13]. Sabemos que hoje, cumprido o quinto aniversário do funesto Golpe de Estado que abriu as portas para a ocupação, saldam novamente dezenas de milhares de haitianos a demonstrar que as ruas lhes pertencem. Essas ruas “limpas” graças segundo a “Economist” à ocupação. A resistência tem raízes muito profundas no Haiti e seguirá respirando na bocade milhares de haitianos.

José Antonio Gutiérrez D.
28 de Fevereiro del 2009


1] Para mais referências sobre o golpe e a ocupação do Haiti, consultar o artigo prévio “Ayití, una cicatriz en el rostro de América” http://www.anarkismo.net/article/1063

[2] Possuem tropas no Haiti os seguintes países latinoamericanos: Argentina, Bolívia. Brasil, Chile, Colombia (somente policiais), Equador, El Salvador (somente policiais), Granada (somente policiais), Guatemala, Jamaica (somente policiais), Paraguay, Perú, Uruguay.

[3] O Brasil tem utilizado a ocupação como uma forma de pressionar pelo seu ingresso como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU

[4] Para mais detalhes sobre a política de Préval no poder e a estratégia neoliberal de saque no Haiti, ver o artigo “Ayití, entre la liberacion y la ocupación” http://www.anarkismo.net/article/4651
[5] http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N08/548/99/PDF/N...ement

[6] Ver particularmente os ja citados “Ayití, entre la liberación y la ocupación” y “Ayití, una cicatriz en el rostro de América”, e también “Ayití, ¿hacia un nuevo dechoukaj?” http://www.anarkismo.net/article/8633 o qual trata fundamentalmente o problema da desnutrição e a fome.

[7] Ver “Ayití, ¿hacia un nuevo dechoukaj?”

[8] “Rebuilding Haiti –Weighed down by disasters”, The Economist, 12 de Febrero del 2009.

[9] Ver um breve artigo sobre os furacões e o contexto político em que aparecem, “Ayití, mucho circo, pero nada de pan” http://www.anarkismo.net/article/9797

[10] Informações sobre o massacre e a repressão, assim como da ligação com os makoutes, podemos encontrar nos artigos citados anteriormente. Informação sobre os casos de violação, podemos encontrar no artigo “La violación en (de) Ayití” http://www.anarkismo.net/article/7616

[11] Para uma discussão mais detalhada ver o artigo “Ayití y los Anarquistas” http://www.anarkismo.net/article/4714

[12] Ver “Ayití ¿hacia un nuevo dechoukaj?”

[13] http://www.haitiaction.net/News/HIP/12_17_8/12_17_8.html

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