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A Alma e o Corpo do Anarquismo(Brasil) - Parte 1

category brazil/guyana/suriname/fguiana | movimento anarquista | other libertarian press author Saturday February 17, 2007 19:41author by Coletivista - UNIPA Report this post to the editors

O Bakuninismo e a Organização Anarquista

Este texto visa fazer uma discussão aprofundada sobre
o bakuninismo, a ideologia anarquista, a organização
política revolucionária e seu papel na luta de massas.
Neste sentido, ele servirá como documento base de toda
a política da União Popular Anarquista (UNIPA). Ele
poderá também auxiliar a todos os militantes,
revolucionários socialistas, ou ainda militantes de
base, a encontrar uma formulação clara que os possa
conduzir rumo à luta pela revolução social no Brasil.

A Alma e o Corpo

O Bakuninismo e a Organização Anarquista

Documento Teórico da UNIPA


Introdução
Este texto visa fazer uma discussão aprofundada sobre
o bakuninismo, a ideologia anarquista, a organização
política revolucionária e seu papel na luta de massas.
Neste sentido, ele servirá como documento base de toda
a política da União Popular Anarquista (UNIPA). Ele
poderá também auxiliar a todos os militantes,
revolucionários socialistas, ou ainda militantes de
base, a encontrar uma formulação clara que os possa
conduzir rumo à luta pela revolução social no Brasil.
O texto é dividido em duas partes. A
primeira parte (“A Alma”) trata de determinar com
clareza as bases teóricas e ideológicas para uma
organização política revolucionária. A segunda parte
(“O Corpo”) analisa a relação entre a organização
política e organização de massas, de forma a
determinar com clareza os elementos de nossa linha
política e nossa linha de massas.

Este texto foi produzido coletivamente, no
período que precedeu e sucedeu o II Congresso da União
Anarquista (fevereiro-março de 2004), momento de
intensa reflexão teórica, feita paralelamente a
momentos graves nas nossas frentes de massa. Por isso,
este documento surge com uma feição especial,
concebido por um longo processo de discussão e
amadurecimento teórico fecundado por uma prática
política também prolongada e exaustiva.

As orientações aqui contidas representam o
movimento real e duplo da luta política; da ação para
as idéias, por um lado, e por outro, das idéias
novamente para a ação, revigorada pela reflexão
coletiva. Por isso confiamos que as orientações
contidas em nossos documentos irão ter a devida
durabilidade e garantirão o avanço de nossa
organização na sua luta pelo socialismo.



I – O Pensamento-Guia (A Alma)

“A sociedade, no grande sentido da palavra, o povo, a
vil multidão, a massa dos trabalhadores, não só dá a
força e a vida, mas também dá os elementos de todos os
pensamentos modernos, e um pensamento que não sai do
seu seio e que não é a expressão fiel dos seus
instintos populares, segundo a minha opinião, é um
pensamento morto à nascença.”.

(Mikhail Bakunin)



O Bakuninismo é o Pensamento Guia de nossa
organização. Defini-lo é ao mesmo tempo avançar e
aprofundar o conhecimento sobre o anarquismo enquanto
ideologia revolucionária na história da luta do
proletariado por sua emancipação.

Para realizar esta discussão é de
importância fundamental que, em primeiro lugar, fique
clara a exigência de um rigor e uma precisão
conceitual máxima. É preciso fazer a distinção clara
entre as noções de ideologia, teoria e
pensamento-guia.

Com relação a ideologia existem dois elementos
essenciais: seu caráter sistêmico e sua existência
necessariamente articulada nos planos do pensamento e
da vida material. O que está dito aqui é o seguinte:

1) As idéias/valores e aspirações, somente constituem
uma ideologia porque estão coerente e necessariamente
articuladas entre si na forma de um sistema, onde a
supressão ou alteração de uma destas idéias/valores ou
aspirações, subverte o sistema como um todo e
descaracteriza o conjunto enquanto uma ideologia
determinada;

2) As idéias/valores e aspirações coerentemente
articuladas entre si em forma de sistema constituem a
ideologia, não são apenas noções abstratas: ou estão
manifestas nas práticas materiais de indivíduos e
grupos, ou não são nada. Melhor dizendo, um valor (ou
uma aspiração) que é apenas enunciado e não
manifestado na prática não é verdadeiramente um valor
(ou uma aspiração), é apenas uma figura de discurso e
de retórica. É importante destacar que este conjunto
de afirmações é válido não para uma ou outra
ideologia, mas para o conceito de ideologia enquanto
tal.

A teoria é, assim como a ideologia, um
sistema, ou seja, um conjunto composto por elementos
interdependentes coerentemente e necessariamente
articulados entre si. Enquanto a ideologia é um
sistema formado por idéias/valores e aspirações, a
teoria é um sistema de conceitos, que são as
ferramentas necessárias para a interpretação e o
conhecimento do mundo social (mas também – em geral –
para o mundo natural).

Teorias diferentes - sistemas de conceitos diferentes
– levam a compreensões diferentes sobre o homem e a
sociedade, e autorizam conclusões também diferentes,
que conduzirão a ações distintas e até opostas sobre e
no mundo social. É de fundamental importância destacar
que a teoria (qualquer teoria) nunca é uma apreensão
imediata, neutra e descompromissada da realidade do
homem e da sociedade, ao contrário, é sempre
construída a partir ou de um posicionamento político,
mesmo que pouco sistematizado, sobre o ordenamento da
sociedade, mais ou menos crítico ou conservador.

Portanto, para valores e aspirações diferentes quanto
ao mundo social, correspondem teorias diferentes para
compreender, criticar ou justificar este mundo social,
e qualificar a ação sobre ele. Esta afirmação não
significa que não existam teorias fraudulentas e
mistificadoras, de um lado, e teorias que apontam uma
compreensão correta do mundo social (ou natural),
“verdades científicas”, do outro. Simplesmente aqui
afirma-se o seguinte: 1) Em ciência, todas as
“verdades cientificas” estão permanentemente
submetidas à prova e à verificação, e assim, sujeitas
a serem ultrapassadas e superadas por novas “verdades
científicas”; 2) Mesmo as “verdades científicas” são
produzidas a partir de um determinado ponto de vista
interessado e comprometido, apesar ou por causa disto
mesmo.

Como já vimos afirmando, a ideologia de um
determinado grupo ou organização política é o fator
determinante para sua ação e para seu trabalho
teórico. É a ideologia que move e impulsiona a ação,
servindo a teoria para precisar a direção e qualificar
a condução desta ação. Podemos agora aprofundar um
pouco mais o debate. A ideologia é um sistema de
idéias, aspirações e valores, ou seja, um conjunto de
elementos interdependentes e coerentemente
articulados.

É importante perceber que esta articulação coerente de
várias idéias/valores e aspirações é uma construção
humana na sociedade e na história, logo, a ideologia
(toda ideologia) possui uma história específica, é
constituída em um dado momento histórico, por
indivíduos e/ou grupos determinados a partir de um
trabalho intelectual de sistematização de uma
determinada prática social. A ideologia não existe em
um limbo e não surge a partir do nada, possui história
e fundadores determinados que a constituem através de
uma reflexão intelectual sobre uma determinada
prática, para onde retorna necessariamente.

Resumindo, podemos dizer que: o Pensamento-Guia é o
conjunto mais amplo, que compreende a Ideologia e
Teoria; a Ideologia é uma sintetização política dos
elementos fundamentais deste conjunto maior.



2 - A formação histórica da ideologia anarquista e
seus princípios constitutivos



O anarquismo é uma ideologia, assim, é um sistema de
idéias, valores e aspirações, ou seja, é um conjunto
onde estes elementos são interdependentes e estão
necessária e coerentemente articulados entre si. É
verdade que certas idéias/valores e aspirações que
formam o anarquismo enquanto ideologia possuem uma
existência na luta das massas trabalhadoras que é
anterior à sua sistematização, mas não existe
anarquismo antes desta sistematização, ele é esta
sistematização. Assim compreendido, fica claro que o
anarquismo possui uma história bem determinada que
pode ser investigada e conhecida.

É preciso recusar certa mitologia que afirma vagamente
tolices, anacronismos e/ou falsificações grosseiras,
decorrentes de matrizes teóricas idealistas”, tais
como: “O melhor expoente da filosofia anarquista na
Grécia Antiga foi Zenão (342-267ou 270 AC), cretense,
fundador da escola estóica, que opôs uma clara
consciência de uma comunidade livre, sem governo à
utopia estatista de Platão” (Kropotkin, O Anarquismo
1905). Por mais impressionante que possa parecer tal
afirmação, ela é falsa e vazia de qualquer conteúdo
histórico real.

O anarquismo enquanto ideologia vai
começar a ser sistematizado a partir das experiências
de luta do movimento proletário europeu do século XIX,
do interior de seus setores mais intransigentemente
classistas. O dinamismo deste movimento, cada vez mais
radicalizado e anti-burguês, principalmente depois da
década de 1840, vai propiciar o desenvolvimento de um
efervescente trabalho intelectual de indivíduos,
grupos e organizações inseridas neste conflito social.


É neste momento que começam a tomar forma as primeiras
sistematizações do socialismo enquanto ideologia
revolucionária do proletariado, é fruto deste primeiro
momento a clássica obra “O que é a propriedade?” de
Pierre-Joseph Proudhon, onde é frontalmente
desmascarado o sistema político, econômico e
ideológico da burguesia, assim como também é neste
período publicado o pilar do marxismo, o “Manifesto do
Partido Comunista” de Karl Marx e da Liga dos
Comunistas. Com o avançar das décadas o socialismo vai
constituir-se e consolidar-se em duas vertentes
adversárias: o Socialismo Revolucionário ou
Anarquismo, e o Comunismo marxista ou
Social-Democracia.

Será o revolucionário, proletário e
intelectual Proudhon, o primeiro a reivindicar
positivamente o conceito de anarquista para definir a
si mesmo e sua formulação programática. Proudhon é um
intelectual de grande envergadura teórica e durante
duas ou três décadas a principal referência de massas
do movimento operário europeu ocidental (especialmente
francês). A partir de suas reflexões teóricas sobre a
economia capitalista e o poder burguês e de sua
formulação programática de um socialismo anti-estatal
e profundamente anti-burguês, Proudhon vai lançar as
bases daquilo que o revolucionário russo Mikhail
Bakunin vai dar a forma acabada: o anarquismo.

A incansável atividade organizativa no
interior do movimento operário – particularmente no
interior da Associação Internacional dos Trabalhadores
através de sua organização política a Aliança – bem
como sua imensa capacidade de trabalho intelectual fez
de Bakunin uma figura singular na luta proletária e
socialista na Europa do século XIX. Bakunin,
incorporando o fundamental do instrumental teórico e
da síntese programática de Proudhon vai os levar às
suas últimas conseqüências políticas e teóricas.

É Bakunin o responsável por sistematizar a ideologia
anarquista bem como por aprofundar sua teoria,
definir com precisão seu programa e sua estratégia. O
anarquismo, enquanto sistema unitário e dialético das
idéias, valores e aspirações do socialismo, liberdade,
organização e luta classista vai ter como início de
sua trajetória histórica, exatamente a ação
intelectual e prática revolucionária de Mikhail
Bakunin no século XIX. Em suma, a sistematização do
anarquismo enquanto ideologia vai se processar através
e no interior do pensamento elaborado e desenvolvido
historicamente por Bakunin.

Concordamos com o célebre pensamento
exposto na “Plataforma Organizacional” (manifesto do
Grupo Dielo Trouda de 1927) quando afirma que “O
anarquismo não é uma utopia, nem uma idéia filosófica
abstrata, é um movimento social das massas
trabalhadoras.”. Esta afirmação, contida na
“Plataforma”, marca a oposição da perspectiva
anarquista à perspectiva leninista, segundo a qual o
socialismo é produzido no seio de um determinado setor
da intelectualidade burguesa e é daí introduzido na
luta dos trabalhadores.

Nós, ao contrário, entendemos que o conjunto de
idéias/valores e aspirações constitutivo do anarquismo
enquanto ideologia, já estava manifesto na luta dos
operários e camponeses do século XIX contra a
dominação burguesa. E se Bakunin foi capaz de ordenar
estas aspirações, idéias e valores difusos num sistema
ideológico, através de seu pensamento e no interior de
seu pensamento, foi exatamente porque Bakunin estava
inserido absolutamente na mesma luta e condição
material dos operários e camponeses [1].

Quatro elementos constituem os princípios ideológicos,
que caracterizam o anarquismo: Socialismo e Liberdade,
Luta Classista e Organização. As idéias de socialismo
e liberdade como aspirações e as de luta classista e
organização como valores máximos.

Estes quatro princípios ideológicos não foram
definidos arbitrariamente. Eles surgiram da
experiência histórica em que se forjou o nosso
pensamento guia. É o pensamento guia que afirma a
importância da organização. Bakunin diz “ há no povo
uma força elementar, mas esta precisa ser amparada por
uma organização que permita mais do que a sublevação
por si só, mas também a vitória revolucionária por uma
preparação longa e prolongada”. Para Bakunin, é também
a organização (a associação) o único caminho das
massas para a libertação, a emancipação pela prática.

Mas a organização não se explica por si só. A
organização só faz sentido em face de outra idéia, a
luta classista. Bakunin afirma: “Que desta
organização, cada vez maior, da solidariedade
militante do proletariado contra a exploração burguesa
deva sair e surja efetivamente a luta política do
proletariado contra a burguesia, quem duvida disso?”.

A luta se apresenta como fator positivo de movimento
da sociedade e da história: “Esta harmonia, é a
ausência de luta, a ausência de vida, é a morte. Em
política é o despotismo. Olhem para toda a história e
convençam-se que em todas as épocas em todos os
paises em que há desenvolvimento e exuberância da
vida, do pensamento, da ação criadora e livre, houve
divergência, luta intelectual e social, luta de
partidos políticos ...”

As noções de luta e organização se apresentam assim
como idéias sempre presentes tanto na teoria quanto na
prática política de Bakunin. São elas que caracterizam
e sintetizam o fundamental do anarquismo.

A crítica bakuninista da sociedade capitalista é
conjugada com outras duas idéias que sintetizam as
aspirações fundamentais do anarquismo: “Que a
liberdade sem o socialismo é o privilegio, a
injustiça; e que o socialismo sem a liberdade é a
escravidão e a brutalidade...”

Socialismo e Liberdade, dois termos unidos
dialeticamente pela concepção anarquista, quando
separados se apresentam apenas como deformação. A
revolução social se apresenta como meio necessário
para a realização de tais aspirações. A luta e
organização anarquista se vinculam a aspiração
socialista e libertária e estas se vinculam a prática
da luta classista e da organização.

Socialismo, Liberdade, Organização e Luta Classista;
estes dois pares de idéias/valores e aspirações
dialeticamente unidos constituem os elementos básicos
da ideologia anarquista.

Amparada de um lado na crítica teórica da sociedade
capitalista, e de outro numa experiência
revolucionária, com as quais constitui uma unidade em
permanente movimento, a ideologia anarquista tem uma
dimensão própria, sendo o motor da prática política
anarquista.

Página: 4


3 - Os elementos constitutivos da teoria bakuninista



Ao nos referirmos ao pensamento de Bakunin,
estamos enfocando precisamente o pensamento expresso e
manifesto na sua obra, e esta obra é definida pelo
conjunto dos livros, panfletos, artigos, manuscritos e
etc, por ele redigidos. Assim ao mencionarmos o
pensamento de Bakunin estamos mencionando algo
materialmente determinado e determinável e não “idéias
implícitas” ou “sentimentos interiores”, mesmo porque,
como afirma Bakunin: “O homem tem unicamente no seu
interior o que manifesta de qualquer modo no seu
exterior”[2].

É o pensamento de Bakunin que gera o anarquismo
historicamente enquanto ideologia revolucionária. Este
pensamento tem, pois, uma relação de paternidade com a
ideologia anarquista – no sentido de que é com base em
seus conceitos e reflexões que a sistematiza – ao
mesmo tempo em que é impulsionado por ela, que o
pensamento de Bakunin se desenvolve. Está aqui
claramente explicitada e marcada a profunda unidade
que existe entre o anarquismo e o pensamento de
Bakunin.

O pensamento de Bakunin tomado como fundamento da
compreensão do mundo social, ou seja, como base a
partir da qual desenvolver o trabalho dinâmico de
produção teórica analítica e interpretativa da
realidade social, nós o definimos como Bakuninismo.

Entendemos que o bakuninismo fornece não somente uma
correta compreensão a respeito do complexo de relações
que se estabelece entre o homem e a sociedade, bem
como fornece uma crítica definitiva ao sistema
político e econômico burguês e à sua ideologia. Além
disto, o bakuninismo também apresenta uma compreensão
precisa a respeito da relação entre as classes na
sociedade capitalista e o seu papel na transformação
ou preservação deste sistema social. Por último, mas
não menos fundamental, entendemos que o bakuninismo
desenvolve e apresenta uma perspectiva justa a
respeito da relação entre a ação da força coletiva na
sociedade e a construção das idéias, representações e
do conhecimento, incluindo-se aí a ciência. Não deve
ser perdido de vista o fato de que o bakuninismo é uma
produção intelectual desenvolvida a partir dos marcos
de um enfrentamento de morte contra a dominação
burguesa, com base na organização e na luta classista
e apontando para a construção do socialismo e da
liberdade, é um pensamento que expressa uma visão
proletária e revolucionária do mundo social.

É importante apresentar neste momento os
fundamentos principais do bakuninismo, ou seja: o
materialismo e a dialética. O materialismo
constitui-se na afirmação de que a materialidade, os
fatos, a vida, produz as idéias, as representações, o
conhecimento. Oposição intransigente ao idealismo,
para o qual as idéias geram a vida material, o
materialismo historicamente desenvolveu-se mesclado ao
socialismo. Podemos entender o centro da definição
materialista de Bakunin a partir desta citação:



“A força do sentimento coletivo ou do espírito público
é já hoje poderosa. (...) Mas se esta força social
existe, por que é que ela não foi suficiente, até aos
nossos dias, para moralizar e humanizar os homens?
(...) porque até aos nossos dias, ela própria nunca
foi humanizada porque a vida social da qual ela é
sempre a expressão mais fiel baseia-se, como se sabe,
no culto divino e não no respeito humano; na
autoridade e não na liberdade; no privilégio e não na
igualdade; na exploração e não na fraternidade dos
homens, na corrupção e na mentira e não na justiça e
na verdade. (...) Querem torná-la benéfica e humana?
Façam a Revolução Social.”[3]



Bakunin recusa o economicismo de Marx e o esquematismo
mecanicista deste mesmo pensador que o leva a entender
a realidade política, jurídica e cultural de uma
sociedade como uma mera reflexão da “infra-estrutura”
econômica. Bakunin admite que certas idéias “retornam”
ao mundo material quando incarnadas em fatos
materiais, em instituições e etc. A realidade
determina as idéias, mas idéias também estão presentes
nesta realidade. O materialismo, segundo Bakunin, é
fundamentalmente um materialismo da ação, do fato, da
vida, do conjunto da realidade que determina a
produção das representações e das idéias, não um
materialismo que reduz a explicação do mundo à base
econômica da sociedade, como em Marx.

Como um pensador capacitado e imerso na luta de
classes, Bakunin tinha clareza de todas as
consequências e de todos os vínculos políticos do
conhecimento produzido e do próprio processo de
produção do conhecimento. Assim, Bakunin combatia o
idealismo “dos metafísicos e doutrinários” por ser a
racionalidade própria à legitimação de todos os
modelos sociais de opressão da história.

Por outro lado, a afirmação materialista de Bakunin
está intimamente vinculada às necessidades políticas
do proletariado em luta:



“Porque o que toma por seu ponto de partida o
pensamento abstrato não poderá nunca chegar a vida,
porque não existe caminho que possa conduzir da
metafísica a vida. Estão separadas por um abismo.
Superar este abismo, realizar um salto mortal ou mesmo
o que Hegel denominou um salto qualitativo desde o
mundo da lógica ao mundo da natureza, da vida real,
não o conseguiu ainda ninguém e nunca conseguirá. O
que se apóia na abstração morrerá nela.

A rota vivente concretamente justificada é a ciência,
o caminho do fato real ao pensamento que o abarca, que
o expressa e que, por conseguinte, o explica: e no
mundo prático, é o movimento da vida social até uma
organização impregnada o máximo possível desta vida,
conforme as indicações, condições, as necessidades e
as exigências mais ou menos apaixonadas desta mesma
vida (p. 212)

Tal é a vasta rota popular da emancipação real e
total, acessível a todos e, por conseguinte, realmente
popular, rota da revolução social anarquista, que
surge por si mesma do seio do povo, destruindo tudo o
que se opõe ao desabrochar generoso da vida do povo a
fim de criar logo, das profundezas mesmas da alma
popular, as novas formas da vida social livre.” (p.
Estatismo e Anarquia, p. 213).



Torna-se o materialismo perspectiva de análise social
e método de intervenção política revolucionária.

No que diz respeito à idéia de dialética,
Bakunin, compreende que o conflito e a luta são
elementos constantes e permanentes na sociedade. Em
ruptura porém com a dialética hegeliana (e marxista)
que aponta para a idéia de que a contradição entre
tese e antítese é superada por uma síntese, Bakunin
compreende que a tese, ou lado positivo, manifesta-se
como quietude absoluta; e a antítese, ou lado
negativo, elemento dinâmico da dialética, por natureza
tende a caracterizar sua existência pela negação
absoluta da tese não permitindo síntese harmônica .

As séries dialéticas de Proudhon onde os elementos
estão em verdadeira interação conflitiva sem solução
harmonizante, são incorporadas por Bakunin em seu
pensamento, caracterizando o bakuninismo por quatro
eixos principais: a dialética entre o indivíduo e
sociedade, a dialética entre a política e a economia,
a dialética entre a burguesia e o proletariado, e a
dialética entre a ação e o pensamento.

A dialética o individuo e a sociedade diz
respeito à contínua inter-relação que se dá na vida
social entre os indivíduos e a coletividade social. Em
primeiro lugar, Bakunin investe contra o pensamento
liberal afirmando que: Tudo que é humano no homem, e a
liberdade mais do que qualquer outra coisa, é o
produto de um trabalho social, coletivo[4]. Se Bakunin
faz questão de, por um lado, demolir o indivíduo
abstrato do idealismo liberal e burguês, também aponta
suas baterias contra o determinismo simplista da
coletividade social sobre o indivíduo, fundando este
primeiro aspecto de sua concepção dialética: Todos os
indivíduos, mesmo os mais inteligentes, os mais
fortes, e sobretudo os inteligentes e fortes, são, em
qualquer momento de sua vida, os produtores e os
produtos da vontade e da ação das massas[5]

A dialética entre a política e a economia
surge no pensamento de Bakunin como um vigoroso avanço
no conhecimento social de sua época nos marcos do
proletariado em luta. Refutando o economicismo de Marx
e a sua noção de que a “infra-estrutura” econômica da
sociedade determina mecanicamente a “super-estrutura”
política, jurídica e ideológica, Bakunin vai propor
uma perspectiva dialética para a compreensão das
relações entre o político e o econômico:



O estado político de cada país ... é sempre o produto
e a expressão fiel da sua situação econômica; para
mudar o primeiro só é necessário transformar esta
última. Todo o segredo das evoluções históricas,
segundo o Sr. Marx, está lá. Ele não toma em
consideração os outros elementos da história, tais
como a reação contudo evidente, das instituições
políticas, jurídicas e religiosas sobre a situação
econômica. Ele diz: “A miséria produz a escravatura
política, o Estado”; mas não se atreve a revirar esta
frase e dizer: “A escravatura política, o Estado,
reproduz por sua vez e mantém a miséria, como uma
condição de sua existência; de modo que para destruir
a miséria, é preciso destruir o Estado”[6].



A dialética entre a burguesia e o
proletariado tal como afirmada por Bakunin fundamenta
que o estado presente de uma determinada conjuntura
histórica da sociedade capitalista é o resultado de
uma correlação de forças na luta entre a classe
proletária e a burguesia:



“Compreendeste que entre o proletariado e a burguesia
existe um antagonismo que é irreconciliável, pois que
é conseqüência necessária de suas posições
respectivas? Que a prosperidade da classe burguesa é
incompatível com o bem-estar e a liberdade dos
trabalhadores, porque esta prosperidade exclusiva não
é nem pode ser fundada senão na exploração e na
escravidão do seu trabalho, e que,pela mesma razão, a
prosperidade e a dignidade humana das massas operarias
exigem absolutamente a abolição da burguesia como
classe autônoma? Que por conseguinte a guerra entre o
proletariado e a burguesia é fatal, e só pode acabar
através da destruição desta ultima? (Política da
Internacional, p. 53)

Quanto a estas causas[causas da criação de fatos novos
na sociedade], é preciso procurá-las no
desenvolvimento ascendente das necessidades econômicas
e das forças organizadas e ativas, não ideais mas
reais, da sociedade[7].



Também será exclusivamente a partir da luta de classes
que Bakunin entende o avanço da sociedade. A concepção
dialética da relação entre as classes sociais leva
Bakunin a buscar a transformação radical da sociedade
capitalista nos termos da dialética tal como ele a
defende (com a antítese suprimindo e não acomodando-se
com a tese em um novo arranjo): A revolução é a
guerra, e quem diz guerra diz destruição dos homens e
das coisas. Sem dúvida que é uma pena que a humanidade
ainda não tenha inventado um meio mais pacífico de
progresso, mas até hoje qualquer passo novo na
história só foi realizado na realidade depois de ter
recebido o batismo de sangue[8]

A dialética entre a ação e o pensamento expressa a
concepção de Bakunin que fundamenta sua radical
perspectiva materialista. Para Bakunin, o pensamento e
a vida (o plano da ação) não podem nunca ser
redutíveis uma ao outro ou vice-versa: “Como seres
vivos, discernimos e sentimos esta realidade, ela
envolve-nos e nós sofremo-la e exercemo-la nós
próprios, muitas vezes sem o sabermos, a todo momento.
Como seres pensantes, abstraímo-nos forçosamente dela,
pois o nosso próprio pensamento só começa com esta
abstração e por ela”[9]. O pensamento é a abstração da
vida, incluindo aqui a ciência, a vida – a realidade
material – é, ela sim, a totalidade, e não é passível
de ser apreendida diretamente, sem a mediação da
abstração, pela racionalização e pela ciência. “Tudo
o que puderem dizer sobre uma coisa para a
caracterizar, todas as propriedades que lhe atribuam
ou que lhe encontrem serão determinações gerais,
aplicáveis em graus diferentes e numa quantidade
inumerável de diferentes combinações, a muitas outras
coisas. (...) A individualidade de uma coisa não se
exprime”[10].

Apesar de estabelecer este limite à razão, Bakunin
está longe de se posicionar ao lado do irracionalismo
e de atacar a ciência:



“Nós respeitamos inteiramente a ciência e
consideramo-la como um dos mais preciosos tesouros,
como uma das glórias mais puras da humanidade. Por sua
causa o homem distingue-se do animal ,hoje seu irmão
mais novo, outrora seu antepassado, e torna-se capaz
de liberdade. Portanto também é necessário reconhecer
os limites da ciência e de lhe lembrar que não é o
todo, é só uma parte, e que o todo é a vida ...[11].



Bakunin é, no entanto, um inimigo ferrenho do
cientificismo e de sua obra social tanto no aspecto
mais amplo quanto no interior da luta proletária. O
cientificismo nasce com a dominação burguesa: “Ela [a
burguesia] sabe muito bem que a principal base, e até
se poderia dizer a única, da sua força política atual,
é a sua riqueza; mas, não querendo nem podendo
confessá-lo, ela procura explicar esta força pela
superioridade da sua inteligência, não natural mas
científica; para governar os homens, acha ela, é
preciso saber muito e hoje só ela é que sabe””[12].

Pondo os devidos freios às pretensões do governo dos
homens de ciência, Bakunin igualmente ataca as
pretensões de hegemonia “científica” de Marx, seus
partidários e seu programa no interior do movimento
operário e na construção do socialismo, ao apontar
para a sociedade socialista sob poder dos
trabalhadores, diz Bakunin:



“O trabalho “em geral” não é senão uma idéia abstrata
que não encontra a sua “realidade” senão numa imensa
diversidade de indústrias especiais, em que cada uma
tem a sua natureza própria, as suas próprias
condições, que não se podem adivinhar e muito menos
determinar pelo pensamento abstrato, mas que, só se
manifestando pelo fato de seu desenvolvimento real,
podem determinar sozinho o seu equilíbrio particular,
as suas relações e o seu lugar na organização geral do
trabalho, - organização que, como toda as coisas
gerais, tem de ser a representante sempre reproduzida
de novo pela combinação viva e real de todas as
indústrias particulares e não o seu princípio
abstrato, imposto violenta e doutrinariamente, como o
queriam os comunistas alemães, partidários do Estado
Popular[13].



O movimento dialético, segundo Bakunin, entre o
pensamento e a vida, se apresenta ao fim das contas
como a determinação da ação concreta sobre o
pensamento, mas este pensamento estando igualmente
inserido no complexo conjunto de elementos materiais
que constituem a ação e a vida”. . Todo o movimento do
conhecimento racional, científico e de sua relação
dialética com a vida e a ação encontra-se expressa
numa breve frase do revolucionário russo: A abstração
científica, já tenho dito, é uma abstração racional,
verdadeira na sua essência, necessária à vida da qual
ela é a representação teórica, a consciência. Ela
pode, deve ser absorvida e dirigida pela vida[14]

Tendo assim caracterizado o bakuninismo é importante
destacar que o anarquismo é o produto e,
simultaneamente, o produtor do bakuninismo, pois é o
eixo ideológico condutor do trabalho intelectual de
Bakunin. Por outro lado, o bakuninismo é o solo fértil
de onde brota o anarquismo além de ser sua explicação
última.

O anarquismo é a ideologia bakuninista e o bakuninismo
é o pensamento anarquista. Anarquismo e bakuninismo
encontram-se indissociavelmente fundidos em uma
poderosa unidade, e a melhor prova para tal é o fato
de que ambos desenvolvem-se historicamente juntos,
construindo-se mútua e dialeticamente ao longo da
trajetória política e revolucionária de Bakunin.

A tentativa de divorciar o anarquismo do bakuninismo
provou historicamente, através da revisão promovida
por Malatesta e seu anarquismo comunista, que enquanto
fraude, só pode degenerar em revisionismo e reação, ou
na melhor das hipóteses, em confusão e hesitação. A
teoria, o programa, e a estratégia gerais do
anarquismo encontram sentido no interior do conjunto
da formulação bakuninista e fora daí tendem a
desembocar no idealismo pequeno-burguês e no
humanitarismo reacionário e conservador.

Ao afirmarmos que o bakuninismo pensamento-guia da
organização, afirmamos que encontramos no conjunto da
obra de Bakunin a base fundamental para o
desenvolvimento de nossa produção teórica,
programática e estratégica.

Entendemos que ao pensamento-guia podemos acrescentar
contribuições complementares e que desempenhem um
papel de aprofundamento com relação às suas
concepções, porém rechaçamos toda e qualquer revisão
nos postulados básicos do bakuninismo e denunciamos
toda tentativa de desvencilhar o anarquismo de sua
base filosófica bakuninista como revisionismo e
traição à causa anarquista. A unidade indissociável
entre bakuninismo e anarquismo é a chave para o
rearmamento ideológico, teórico e político do
socialismo revolucionário anarquista e
conseqüentemente do proletariado em sua luta de
emancipação.





II - a dialética da organização política com a
organização de massas (O Corpo)


Esta parte do texto visa realizar a o aprofundamento
teórico acerca da nossa linha política. Neste sentido,
pretendemos analisar os elementos que determinam o
funcionamento interno e a ação da organização política
revolucionária anarquista.

A nossa linha política define:



“Tendo por base a ideologia anarquista, podemos
afirmar que ela toma a luta e organização como
pressupostos, o que significa que: 1) existe a
necessidade de organização, tanto dos anarquistas em
organização revolucionária como da massa em movimentos
reivindicativos. Além disso, para fins operacionais,
podemos classificar as idéias e aspirações da
ideologia no que chamaremos aqui de Estratégia e
Programa Geral Permanentes, porque compõem a ideologia
anarquista, logo, não são passíveis de revisão.

A Estratégia Permanente é 1) Revolucionária, o que
significa que ela supõe o uso da força para a mudança
da sociedade; 2) Anti-colaboracionista, pois ela
boicota o sistema político burguês e leva a separação
de seus grupos e partidos. Esta estratégia exige: 1)
que os anarquistas sustentem as organizações populares
e façam propaganda dentro delas; 2) que o partido
recrute/forme líderes populares, para que estes
apliquem sua política revolucionária dentro dos seus
respectivos movimentos e lhes dêem uma direção
revolucionária. Esta Estratégia está subordinada e é o
meio principal de alcançar o Objetivo Final da
Ideologia, ou seu Programa Permanente, que é o
estabelecimento de um sistema socialista, que supõe a
destruição do Estado burguês e do Capitalismo.



Os pilares da Organização Anarquista não são somente
idéias, mas práticas e relações que evolvem formas
concretas de distribuição do poder e de organização da
tomada de decisões. “Qualquer coisa não é senão que
ela faz”, dizia Bakunin. Entendendo a centralidade da
ideologia, e os quatro princípios ideológicos
(socialismo e liberdade, luta e organização), devemos
ter consciência entretanto que uma organização não se
apóia somente sobre valores e aspirações.

Uma organização se apóia sobre princípios
organizativos que não se reduzem nem se confundem com
os princípios ideológicos. Os princípios organizativos
visam exatamente dar forma concreta e mecanismos
explícitos de regulação da ação. Nossa Linha Política
se pauta em sete pontos fundamentais, que estruturam
nossa organização:



“1º a organização se apóia sobre quatro princípios:
unidade teórica, unidade tática, responsabilidade
coletiva e federalismo.

2º a função da organização é preparar e dirigir a luta
revolucionária pelo socialismo, através da inserção na
luta política de massas, amparado num planejamento
estratégico harmônico global;

3º a estratégia geral permanente da organização supõe:
a realização de uma revolução social, ou a mudança do
sistema social pela força coletiva do povo; o
anti-colaboracionismo;

4º o programa geral permanente, seu objetivo
finalista, é o socialismo;

5º a organização mobilizará diferentes sujeitos
sociais existentes no país, dos campos e das cidades,
no desenvolvimento da luta revolucionária. Estes
sujeitos são as massas exploradas/oprimidas política e
economicamente, urbanas e rurais, ou seja, o
proletariado de nosso país;

6º o caráter da violência revolucionaria, é reativo
(uma vez que é uma reação legítima à violência da
burguesia) e libertador (garantir a emancipação das
massas e seu protagonismo no processo revolucionário);

7º o caráter violento da revolução exige a formação de
organizações armadas revolucionárias”

.

Discutiremos inicialmente a diferença entre
organização dos anarquistas (organização política
revolucionária) e a organização das massas (e sua
relação dialética). Esta temática é fundamental para
lançarmos as bases do anarquismo enquanto ideologia
revolucionária que funde uma organização política num
movimento popular.

Depois trataremos dos quatro princípios organizativos:
1) unidade teórica, 2) unidade tática, 3)
responsabilidade coletiva e 4) federalismo. O objetivo
desta discussão é criar melhores condições para
entendimento do funcionamento da organização
anarquista, de tudo que faz de uma organização o
anarquismo em carne e osso.



1 - O que é a organização política revolucionária
anarquista



Devemos saber claramente o que é uma organização
política revolucionária anarquista. O centro da
organização é a ideologia anarquista. Esta ideologia,
como vimos antes, é um sistema determinado de idéias,
valores e aspirações, manifestos numa prática
política. São estes valores e aspirações que motivam e
governam sua ação política.

A organização política revolucionária
anarquista tem sua missão: construir o socialismo
através da revolução social. Mas o que, em termos
práticos, caracteriza esta organização? Primeiramente
podemos dizer que organização política revolucionária
anarquista tem o caráter de minoria ativa. O que isto
quer dizer? A noção de minoria se relaciona
diretamente a formulação acerca da relação entre
organização revolucionária e massas populares.

Qual será a distinção entre organização específica e
organizações de massa? Como distinguir seus papéis e
objetivos, se é que são distinguíveis? Estas são
questões pertinentes e das respostas a elas dependerá
a aplicação correta da linha política e da linha de
massas.

O nosso parâmetro histórico é dado pela relação entre
a “Aliança dos Socialistas Revolucionários” e a AIT
(Associação Internacional dos Trabalhadores). Mikhail
Bakunin teoriza e define a correta relação entre
“partido e massas”, ao debater a relação entre a
Aliança e a AIT:



“A quem nos perguntar para que serve a existência da
Aliança quando existe a Internacional, nós
respondemos: a Internacional é, sem dúvida, uma
magnífica instituição, é incontestavelmente a mais
bela, a mais útil, a mais benéfica criação deste
século. Ela criou a base da solidariedade dos
trabalhadores de todo o mundo. Ela deu-lhe um começo
de organização através da fronteira de todos os
estados e fora do mundo dos exploradores e
privilegiados. Ela fez mais, já contem hoje os
primeiros germes da organização da unidade que há de
existir e ao mesmo tempo deu ao proletariado de todo o
mundo o sentimento de sua própria força. Estamos
certos também do grande serviço que ela prestou a
grande causa da revolução universal e social. Mas ela
não é uma instituição suficiente para organizar e
dirigir esta revolução.” (Bakunin, op.cit, p.72).



Por que Bakunin afirma esta insuficiência da
organização das massas? Vejamos:



“A Internacional aceita no seu seio, abstraindo-se
completamente de todas as diferenças de crenças
políticas e religiosas, todos os trabalhadores
honestos, com todas as suas conseqüências a
solidariedade da luta dos trabalhadores contra o
capital burguês explorador do trabalho. Esta é uma
condição positiva, suficiente para separar o mundo dos
trabalhadores do mundo dos privilegiados, mas
insuficiente para dar aos primeiro uma direção
revolucionária. ... os fundadores da Associação
Internacional agiram com grande sabedoria eliminando
primeiramente do programa desta Associação todas as
questões políticas e religiosas. Sem dúvida, de modo
nenhum lhes faltou opiniões políticas, nem opiniões
anti-religiosas bem marcadas; mas abstiveram-se de as
emitir neste programa, porque o seu principal
objetivo, em primeiro lugar, era unir as massas
operárias de todo o mundo civilizado numa ação comum.
Necessariamente que tiveram de procurar uma base
comum, uma série de princípios simples sobre os quais
os operários, sejam quais forem assuas aberrações
políticas e religiosas,por pouco que sejam sérios,
isto é, homens duramente explorados e sofredores,
estão e tem de estar de acordo”. (Bakunin, op.cit, p.
72-73).



A organização de massas, para poder incorporar uma
grande e crescente quantidade de pessoas, tem de ser
flexível, no sentido de que só se coloca como
pré-requisito o caráter proletário e a disposição para
a luta e organização coletiva. Logo, para poder ser
ampla, mobilizar milhões, a organização de massas não
consegue cumprir todas as tarefas necessárias a luta
revolucionária.

É por isso que se faz necessária uma
organização política que tem por função dar o
direcionamento revolucionário a organização de massas.
A relação entre organização específica e organização
de massas é assim de complementaridade. Bakunin fala
que:



“A aliança é o complemento necessário da
Internacional ... Mas a Internacional e a Aliança,
tendendo para o mesmo objetivo final, perseguem
objetivos diferentes. Uma tem por missão reunir as
massas operarias, os milhões de trabalhadores, através
das diferenças das nações e dos países, através das
fronteiras de todos os estados, em um só corpo imenso
e compacto; a outra, a Aliança, tem por missão dar as
massas uma direção verdadeiramente revolucionária. Os
programas de uma e outra, sem serem opostos em nada,
são diferentes pelo próprio grau de desenvolvimento
respectivo. O da Internacional, se os tomarmos a
sério, também é em germe, mas só em germe, todo o
programa da Aliança. O programa da Aliança, é a
explicação última do da Internacional.” (Bakunin,
op.cit, p. 72-73).



A organização anarquista e a organização de massas
mantêm uma relação dialética. Mas existem diferenças
fundamentais entre ambas: o Caráter e o Programa.

A organização anarquista tem o caráter de minoria, a
pretensão de aglutinar apenas os militantes de
vanguarda do proletariado, e porta o programa máximo,
o socialismo e a estratégia revolucionária; a
organização de massas, por sua vez, tem o caráter de
maiorias, o objetivo de aglutinar em grande número as
massas, e para isso tem como programa melhorar as
condições materiais de vida dos trabalhadores. Este
programa não contradiz o programa revolucionário,
caminha em direção a ele, mas não é igual a ele.



2 – A Plataforma Organizacional:
Unidade Teórica, Unidade Tática, Responsabilidade
Coletiva e Federalismo.


Os quatro princípios organizacionais (Unidade Teórica,
Unidade Tática, Responsabilidade Coletiva e
Federalismo) sobre os quais a nossa organização
política revolucionária se apóia, foram formulados no
documento intitulado “A Plataforma Organizacional”,
publicado em 1926, pelo Grupo Dielo Trouda[15]. È
preciso então discuti-los, saber que idéias expressam
e que conseqüências práticas trazem.

Os quatro princípios organizacionais são apresentados
na “Seção Organizacional”, em que se fala da proposta
da União Geral dos Anarquistas. Segundo a Plataforma:



“A teoria representa a força que orienta a atividade
de pessoas e organizações por uma trilha definida e
direcionada a um objetivo determinado. Naturalmente,
ela deve ser comum a todas as pessoas e organizações
aderentes à União Geral. Qualquer atividade realizada
pela União Geral, tanto no global quanto em seus
detalhes, deve estar em perfeita concórdia com os
princípios teóricos professados pelo coletivo.

2. Unidade Tática ou o Método Coletivo de Ação

Da mesma forma, os métodos táticos aplicados pelos
membros e grupos isolados dentro da União devem ser
unitários, ou seja, estar em concórdia rigorosa tanto
entre si quanto com a teoria e a tática da União.

Uma linha tática comum no movimento é de importância
decisiva para a existência da organização e para todo
o movimento: ela elimina o efeito desastroso de várias
táticas que se opõem entre si, concentra as forças do
movimento, oferece à elas uma direção em comum
levando, portanto, a um objetivo fixo.

3. Responsabilidade Coletiva

A prática de agir sob a responsabilidade de um
indivíduo deve ser decididamente condenada e rejeitada
nos postos do movimento anarquista. As áreas da vida
revolucionária, sociais e políticas, são, acima de
tudo, profundamente coletivas por natureza. A
atividade social revolucionária nesta áreas não pode
ser baseada na responsabilidade de indivíduos
militantes.

O órgão executivo do movimento anarquista geral, a
União Anarquista, ao tomar uma posição definitiva
contra a tática de individualismo irresponsável,
introduz em seus postos o princípio de
responsabilidade coletiva: a União toda será
responsável pela atividade política e revolucionária
de cada membro; da mesma forma, cada membro será
responsável pela atividade política e revolucionária
de União como um todo.

4. Federalismo

O anarquismo sempre negou o conceito de organização
centralizada, tanto na área da vida social das massas
quanto na sua ação política. O sistema centralizado
depende na diminuição do espírito crítico, iniciativa
e independência de cada indivíduo e na submissão cega
das massas ao 'centro'. As conseqüências naturais e
inevitáveis deste sistema são a escravidão e a
mecanização da vida social e da vida da organização.

Sendo contra a centralização, o anarquismo sempre
professou e defendeu o princípio de federalismo, que
concilia a independência e a iniciativa dos indivíduos
e da organização que servem à causa comum.

Ao conciliar a idéia de independência e alto grau dos
direitos de cada indivíduo com o serviço das carências
e necessidades sociais, o federalismo abre as portas
para toda manifestação saudável das faculdades de todo
indivíduo.

Mas, freqüentemente, o principio federalista tem sido
deformado nos postos anarquistas: ele tem sido
interpretado como o direito, acima de tudo, de
manifestar o 'ego' de alguém, sem a obrigação de arcar
com os deveres para com a organização,

Esta falsa interpretação já desorganizou nosso
movimento no passado. Está na hora de pôr um fim a
isso de uma forma firme e irreversível.

A federação significa a concordância livre entre
indivíduos e organizações a trabalhar coletivamente em
rumo a um objetivo comum.

Contudo, tal acordo e federação, que é baseada nele,
só poderão se tornar realidade, ao invés de ficção ou
ilusão, sob as condições essenciais de que todos os
participantes do acordo e a União cumpram
completamente os deveres assumidos, e conforme as
decisões compartilhadas. Em se tratando de um projeto
social, independente de quão vasta seja a base
federalista na qual é construído, não podem haver
decisões que não sejam executadas. É ainda menos
admissível em uma organização anarquista, que assume
exclusivamente obrigações relacionadas aos
trabalhadores e sua revolução social.

Consequentemente, o tipo federalista de organização
anarquista, ao mesmo tempo que reconhece os direitos
de independência, opinião livre, liberdade individual
e iniciativa de cada membro, requer deles que assumam
deveres organizacionais fixos, e exige a execução de
decisões compartilhadas.

Somente com esta condição o princípio federalista terá
vida, e a organização anarquista funcionará
corretamente, e se guiará em direção do objetivo
definido.

A idéia da União Geral dos Anarquistas expõe o
problema de coordenação e concordância das atividades
de todas as forças do movimento anarquista.

Cada organização aderente à União representa uma
célula vital do organismo todo. Cada célula deve ter
seu secretariado, executando e guiando teoricamente o
trabalho político e técnico da organização.

Visando a coordenação da atividade de todas as
organizações aderentes da União, um órgão especial
será criado: o comitê executivo da União. O comitê
será responsável pelas seguintes funções: a execução
das decisões tomadas pela União com as quais são
confiados; a orientação teórica e organizacional da
atividade de organizações isoladas consistente com as
posições teóricas e a linha geral tática da União; a
monitoração do estado geral do movimento; a manutenção
das relações de trabalho e organizacionais entre todas
as organizações da União; e com outras organizações.

Os direitos, responsabilidades e tarefas efetivas do
comitê executivo são fixados pelo congresso da União.
A União Geral dos Anarquistas tem uma meta concreta e
determinada. Em nome do sucesso da revolução social
ela deve, acima de tudo, atrair e absorver os
elementos mais revolucionários e altamente críticos
dos operários e camponeses.

Exaltando a revolução social, e mais ainda, sendo uma
organização anti-autoritária que aspira à abolição da
sociedade de classes, a União Geral dos Anarquistas
depende igualmente da duas classes fundamentais da
sociedade: os operários e os camponeses. Ela põe peso
igual sob o trabalho de emancipação destas duas
classes.

Quanto aos sindicatos dos trabalhadores e as
organizações revolucionárias das cidades, a União
Geral dos Anarquistas terá de dedicar todos os seus
esforços para ser seu pioneiro e guia teórico.

Ela assume a mesma tarefa em relação às massas
exploradas de camponeses. Assim como pretende ter o
mesmo papel que o sindicato revolucionário dos
trabalhadores, a União se esforça por efetivar a
criação de uma rede de organizações econômicas
revolucionárias dos camponeses, além disso, uma união
específica de camponeses, fundada a partir de
princípios anti-autoritários.

Nascida da massa de pessoas trabalhadoras, a União
Geral deve tomar parte de todas as manifestações de
suas vidas, levando a eles o espírito de organização,
perseverança e ofensiva em todas as ocasiões. Somente
desta forma ela poderá concretizar sua tarefa, sua
missão teórica e histórica na revolução social dos
trabalhadores, e se tornar a vanguarda organizada do
seu processo de emancipação.” (Anarquia e
Organização, p. 27).

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