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"A anarquia é um solo fecundo para as mulheres"

category bolivia / peru / ecuador / chile | gênero | entrevista author Sunday December 10, 2006 19:47author by ANA - agencia de notícias anarquistas Report this post to the editors

*Entrevista a Alejandra Pinto, anarcofeminista chilena e co-autora com Adriana Palomera, do livro "Mujeres y Prensa Anarquista en Chile [1897-1931]", lançado recentemente pela Ediciones Espíritu Libertario, de Santiago do Chile.*
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"A anarquia é um solo fecundo para as mulheres"



*Entrevista a Alejandra Pinto, anarcofeminista chilena e co-autora com Adriana Palomera, do livro "Mujeres y Prensa Anarquista en Chile [1897-1931]", lançado recentemente pela Ediciones Espíritu Libertario, de Santiago do Chile.*

*Agência de Notícias Anarquistas > Como partiu a idéia, a motivação de escrever "Mujeres y prensa anarquista en Chile [1897-1931]"?

Alejandra Pinto <* Na verdade, nós mesmas escrevemos pouca coisa, junto com a Adriana Palomera. O que mais fizemos foi transcrever os textos escritos por mulheres da imprensa anarquista que encontramos em jornais micro filmados na Biblioteca Nacional de Santiago do Chile.

A motivação inicial foi uma espécie de conjunção e encontro entre o que a Paloma estava fazendo para a sua tese de magistrado e a minha própria vontade de revirar os arquivos. Ela tinha contratado uma amiga em comum, Jacquelín Peña, que ia duas vezes por semana revisar jornais anarquistas do começo do século XX para extrair-lhes informação sobre o anarquismo na Patagônia. Eu soube de seu trabalho e também me motivei a buscar textos escritos por mulheres, logo a Paloma encarregou o mesmo à Jacquelín, então como ambas estávamos fazendo a mesma coisa, decidimos unificar nossas forças e fazer uma só pesquisa. Depois a Jacquelín se retirou do projeto e ficamos as duas trabalhando nele.

*ANA > Além da Biblioteca Nacional de Santiago do Chile pesquisaram em outros arquivos, por exemplo, arquivos pessoais de compas ou agrupações anarquistas? Foram anos de pesquisas, juntando materiais?

Alejandra <* De fato, os jornais micro filmados eram todos anarquistas. Por isso os escolhemos. Minha parceira, Adriana Palomera, é da área de história, pelo que teve acesso à bibliografia pertinente que nos permitiu selecionar os jornais nos quais pesquisar.

Havia também mais materiais de outros escritos ácratas, alguns muito interessantes e com muita vigência.

Demoramos por volta de dois anos para juntar o material, e mais alguns para publicá-lo. Levamos anos com este trabalho, que foi absolutamente autogestionado e autofinanciado...

*ANA > Essa presença das mulheres na imprensa anarquista era comum, volumosa, ou uma coisa "solitária", esporádica?

Alejandra <* Poderíamos dizer que é uma presença que oscila entre o marginal e o estabelecido como norma "correta". Encontramos cerca de 70 textos escritos por mulheres em uma dezena de jornais em um lapso de tempo que beira os 30 anos. Ou seja, analisando-se em termos de quantidade não é muito. Porém, o anarquismo sempre se "preocupou" com a questão da "mulher". Também encontramos textos escritos por homens que falavam sobre a questão "feminina".

*ANA > E as mulheres escreviam sobre tudo, ou era algo mais específico do "universo" feminino?

Alejandra <* Na verdade, é que as mulheres faziam parte, como tais, de um movimento político mais extenso que era o anarquismo ou a luta social. Elas eram mulheres, principalmente, mas também eram pesquisadoras, lutadoras sociais. Seus textos são, em sua maioria, discursos para que as mulheres despertem e se incorporem à luta social, mas sob uma perspectiva feminina. Falam de uma perspectiva onde o feminino e a luta social se encontram.

Devemos recordar que naquela época, o começo do século XX, a denominada "questão social" no Chile estava em pleno auge, sendo as condições de vida e de trabalho de milhares de chilenos e chilenas demasiado precárias. Por isso, as mulheres se levantam, criticam o capitalismo e nos falam de como as mulheres devem participar e unir-se à luta social.

Existem também alguns textos que retratam o tema específico da dominação da mulher, do jugo do matrimônio, do pouco livre que é. Estes textos eram, digamos, mais especificamente "feministas", apesar de que, para as libertárias, o feminismo era algo burguês, o qual não reivindicavam.

*ANA > Algumas destas mulheres pesquisadas te tocou em especial?

Alejandra <* Gostei muito da Valentina Franco, que é uma mulher que escreve da Pampa do norte, de uma oficina salitreira. Ela escreve a uma amiga que vai se casar, e em um tom que eu diria que é muito lésbico, e a alerta sobre tudo o que terá que sofrer pelo fato de se casar e sobre tudo o que perderá.

Gostei dela porque a achei avançada, valente, pensando em suas condições de vida e de prisão, seja ela material ou subjetiva.

*ANA > Encontrou alguma coisa curiosa ao pesquisar o livro? Uma história interessante?

Alejandra <* Talvez este seja o momento de mencionar, como coisa curiosa, certas dúvidas que alguns historiadores influentes do estudo histórico chileno expressam. Suscitaram-me dúvidas sobre se estes textos foram mesmo escritos por mulheres. Ou seja, parte-se da base de que as mulheres eram incapazes de escrevê-los, o que implica, uma vez mais, em um sexismo aberrante. Duvida-se da capacidade de autoria desses textos a partir de um preconceito historiográfico que implica que muitos homens utilizavam pseudônimos de mulher, pelo que seria muito provável que muitos de nossos textos não sejam escritos por mulheres.

Nós encaramos esse preconceito e esclarecemos na introdução que, ainda que não tenham sido escritos por mulheres, encarnam uma subjetividade "feminina". Porém acreditamos, veementemente, que estes textos são em sua maioria de mulheres, porque as mulheres sempre participaram das lutas sociais. Deve-se recordar a Revolução Francesa, onde as mulheres eram suas principais agitadoras e que logo, ao triunfo da Revolução, foram desprovidas da categoria de cidadãs devido ao temor que esta presença feminina inspirava aos homens.

*ANA > Nessa época pesquisada havia alguma publicação notadamente feita "só" por mulheres?

Alejandra <* Aqui no Chile não encontramos nada desse caráter. Porém, sabemos que houve jornais dessa índole na Argentina. Pode ser que no Chile existissem jornais feitos só por mulheres, mas não eram necessariamente anarquistas.

*ANA > Nas suas pesquisas, além de mulheres escritoras anarquistas, encontrou mulheres desenhistas, ilustradoras da imprensa anarquista?

Alejandra <* "Desenhistas"? Não, não encontramos nenhuma que fosse ilustradora. Até o momento, ao menos, acho que não tínhamos nem pensando nisso.

*ANA > Vocês pretendem continuar com essas pesquisas, abarcar outras décadas? Outro livro em vista?

Alejandra <* Minha parceira tem uma visão mais projetiva que eu, sou mais "presentista", por viver o presente. E ela já está pensando em seguir com outras linhas de pesquisa que veremos se conseguiremos concluir.

*ANA > É possível observar muitas diferenças da mulher anarquista daquela época com a atual?

Alejandra <* Eu diria que, se é que podemos falar de um anarcofeminismo precoce, estamos, mais ou menos, nas mesmas condições. Uma especificidade feminina que pode chegar ao desejo de uma organização exclusiva de mulheres, como será o grupo *Mujeres Libres* da Espanha ou, posteriormente, nos anos 60 os grupos que seguem a influência de Peggy Kornegger, acrescidos da "garra" libertária ou ácrata. A anarquia é um solo fecundo para as mulheres, já que permite falar de uma dominação que as afeta especialmente, mas não exclusivamente. Permite-lhes dizer que a dominação tem a ver com o patriarcado e com o capitalismo em um mesmo nível, e não como as marxistas pensavam - que uma vez solucionado o problema da "classe" se terminava o problema da dominação.

Penso que, talvez, uma diferença importante seja os poucos espaços que as mulheres dessa época tinham em comparação com os que temos agora. Mas somos, basicamente, as mesmas mulheres, com sensibilidades similares, com inquietudes similares, que tanto antes como agora estamos presentes nas mesmas lutas sociais, ainda que o cenário tenha mudado.

*ANA > Não fiz uma pesquisa exaustiva, mas sinto que a presença das mulheres na imprensa anarquista atual de muitos lugares não é muito diferente de tempos passados, ou seja, ocupam um espaço reduzido em relação aos homens, são os homens notadamente que escrevem, desenham... Por outro lado, também já percebi que na imprensa "anarquista verde", essa diferença não é tão nítida, a participação das mulheres é muito mais efetiva, elas se expressam mais... Enfim, saberia explicar por que isso acontece?

Alejandra <* Tenho a impressão de que no "anarquismo" em geral se produz pouco texto escrito, a não ser por honrosas exceções como são a *Hernún* na Argentina, *Tierra y Libertad*, *El Libertario*, as publicações da Fundação Anselmo Lorenzo, etc. Mas se repete a mesma regra, a pouca produção direta de mulheres.

Sobre este tema - das libertárias do início do século XX -, há várias mulheres em países como a Argentina ou os EUA que realizaram trabalhos de pesquisa neste âmbito.

Penso que as mulheres em geral escrevem menos porque, talvez, estejamos mais no mundo da vida, preocupadas com o dia-a-dia, o que talvez seja um preconceito. Mas também noto que no mundo feminista não é tão assim, há muitas mulheres escrevendo no âmbito amplo do feminismo e, além disso, o anarcofeminismo está em ascensão, pelo menos aqui no Chile.

Não sei a que você se refere com "anarquismo verde", ao ecológico? Se assim for, não tenho muita informação sobre isso.

*ANA > Sim, me refiro à ecologia numa perspectiva radical, libertária... Mas conte-nos um pouco sobre esses "vôos" do anarcofeminismo no Chile. O que destacaria?

Alejandra <* Não conheço muito sobre anarquismo verde. Aqui no Chile conseguimos, de forma incipiente, gerar uma espécie de coordenação entre mulheres e grupos anarcofeministas. A partir desta plataforma participamos, organizadamente, da marcha do dia 8 de março, onde o governo queria passar uma imagem de que "as mulheres" haviam chegado ao poder. Nós convocamos uma "antimarcha" para alertar que "a libertação da mulher não tem candidatos/as", ou seja, não é chegando ao "poder" que nos libertaremos, tanto homens como mulheres.

Fizemos uma espécie de performance onde nos fantasiamos representando cada um dos poderes do Estado que acorrentam uma menina. Foi muito bom. Daí não nos coordenamos mais, mas a vontade existe.

*ANA > Uma curiosidade. O material histórico do movimento anarquista chileno, jornais, revistas, folhetos etc., estão bem preservados?

Alejandra <* O material micro filmado está em boas condições e me parece que é bastante, e o melhor ou mais importante é que o acesso a ele é livre, ou seja, não é necessário ser pesquisador como em outras bibliotecas do mundo. Deve-se esclarecer, porém, que este material que se encontra micro filmado é do final do século XIX e começo do XX, não sei se é possível encontrar mais material de outras décadas, não sou especialista neste assunto.

*ANA > Finalizando, uma mensagem aos nossos leitores, em especial as mulheres anarquistas, libertárias, rebeldes, bruxas... [risos] Obrigada!

Alejandra <* Não sei, Moésio, o momento histórico em que vivemos é complexo, tanto para homens como para mulheres. Estamos na virada de um novo milênio e é notável que os papéis do século passado são padrões desgastados, porém, por outro lado, é difícil inventar coisas novas. Acho que estamos nesta etapa. Penso que em relação à questão de gênero (homens/mulheres) estamos passando por um momento de crise e renovação. Sinto que algumas opressões vão caindo, mas sempre de uma perspectiva individual.

Penso nas altas cifras de violência contra a mulher em países como a Espanha, por exemplo, e é alarmante a quantidade de mortes anuais geradas pela violência de gênero. Mas penso que não podemos deixar de considerar o agressor, também, neste caso o homem. Acho que "os homens" também estão passando por uma crise na qual talvez o recurso da violência seja uma forma de afugentar os fantasmas da perda do poder.

Se pudesse enviar alguma mensagem seria, tanto para nossas companheiras como para nossos companheiros: superemos a dominação sexista, a dominação capitalista, a dominação em todo sentido; superemos o Poder.

> Alejandra Pinto: mujerescreativas@yahoo.com

> www.nodo50.org/mujerescreativas

> www.edicionesespiritulibertario.cl

Tradução: Karina Lima

*agência de notícias anarquistas-ana*

na folha orvalhada,
gota engole gota,
engorda, desliza e cai

Alaor Chaves

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