espero 7 – Die neue Sommerausgabe 2023 16:58 Jun 25 7 comments Hier ist sie: Die espero-Sommerausgabe 2021! 18:20 Jun 16 15 comments David Graeber, anthropologist and author of Bullshit Jobs, dies aged 59 00:24 Sep 06 7 comments Poder e Governação 02:58 May 17 2 comments Against Anarcho-Liberalism and the curse of identity politics 18:34 Jan 14 4 comments more >> |
Recent articles by Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP)
Search author name words: T Direito à Cidade e Municipalismo Libertário 0 comments Recent Articles about Brazil/Guyana/Suriname/FGuiana Movimento anarquistaComunicado da CAB às organizações amigas e parcerias de luta Feb 01 23 CAB's announcement to the fellow organisations and comrades Feb 01 23 Ideologia, Materialismo e Poder
brazil/guyana/suriname/fguiana |
movimento anarquista |
opinião / análise
Sunday June 14, 2015 23:19 by Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (CAZP) - Coordenação Anarquista Brasileira (CAB)
Documento político teórico anarquista. Alagoas, 2015 O anarquismo, nascido no calor das lutas sociais do século XIX, sempre bem delimitou seus princípios desde um plano organizativo. As ideias de federalismo e de autogestão, senão exclusivas do anarquismo, tiveram em nossa corrente socialista um espaço desde as suas bases e se constituindo em princípio ativo, organizador de sua prática política e ponto de partida de suas elaborações teóricas. Assim, consideramos que o anarquismo se constitui enquanto ideologia e prática política. 1. ANARQUISMO, TEORIA E IDEOLOGIA ***Com as questões levantadas acima, é pertinente refletir e enfatizar, o caráter histórico e social do conhecimento e das teorias. Boa parte das teorias contemporâneas no universo das ciências sociais passou a girar em torno da relação/oposição entre micro x macro, ação x estrutura etc.. O pensamento clássico do século XIX, especialmente, teria girado, segundo muitas das teorias contemporâneas, apenas sob o aspecto macro e pela estrutura da realidade, negligenciando o aspecto micro, as particularidades e a ação dos indivíduos. Evidente que muitas críticas neste sentido são válidas, necessárias, e agregam em um conhecimento mais aprofundado da realidade histórico-social, seja aprimorando teorias e conceitos, seja refutando outras, alargando horizontes de análises ou apontando e tentando preencher lacunas. Todavia, como diz o ditado, temos que ter o cuidado para não jogar a água fora junto com o bebê. Sabemos que o pensamento positivista da realidade social em muito influenciou as teorias socialistas, seja por parte dos anarquistas, seja por parte dos marxistas, produzindo teorias sociais mecanicistas e deterministas. No entanto, boa parte das teorias contemporâneas ao criticar o que seria o “objetivismo” do pensamento clássico saiu de um extremo para outro, terminando em um “subjetivismo”. Em grande parte, o anarquismo fazendo firme oposição ao autoritarismo e as burocracias, e historicamente em geral, sempre apresentando-se aberto e avesso ao dogmatismo, terminou, em parte e por razões que extrapolam os limites desse texto e exigiriam outra análise, por ser absorvido, seja mais à direita, seja mais à esquerda, por este subjetivismo e esta, digamos, indeterminação à respeito da conformação da realidade histórico-social. Numa crítica aos elementos mais à direita desta influência no anarquismo, é de particular importância registrar a crítica de Murray Bookchin (2011) ao chamado “anarquismo estilo de vida”, “primitivismo”, entre outros absurdos irracionais que são uma afronta a séculos de criação humana. Por vezes, estas ideias estão associadas ao comumente chamado de pós-modernismo. David Harvey em Condição pós-moderna, parte da tese de que o pensamento e as práticas pós-modernas estão associados às mudanças da própria estrutura econômica-política que o capitalismo sofreu, especialmente a partir dos anos de 1970. Seguindo os passos do estudo de Harvey (1992), o qual é acompanhando de análise das mudanças na arquitetura e nas artes, podemos definir o pós-modernismo como uma exaltação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e indeterminado, do caótico (HARVEY, 1992, p. 51). Assim, a tentativa de dar uma racionalidade, uma unidade ao universo, seria em vão, senão arbitrária. A dimensão histórica da ação humana acaba também neste sentido sendo marginalizada na teoria social, considerada apenas em seus fragmentos ou, mesmo, apenas considerada como uma espécie de “universos particulares”. ***3) HOMEM E NATUREZA; IDEIA E MATÉRIA – O MUNDO HUMANO É UM MUNDO HISTÓRICO-SOCIAL “Nas sociedades de animais todos os indivíduos fazem exatamente as mesmas coisas: um mesmo génio os dirige, uma mesma vontade os anima. Uma sociedade de animais é um conjunto de átomos redondos, curvos, cúbicos ou triangulares, mas sempre perfeitamente idênticos; a sua personalidade é unânime, dir-se-ia que um só eu os governa a todos. Os trabalhos que os animais o executam, quer individualmente, quer em sociedade, reproduzem o seu carácter traço por traço: assim como o enxame de abelhas se compõe de unidades da mesma natureza e igual valor, assim o favo de mel é formado pela unidade alvéolo, constante e invariavelmente repetido. Mas a inteligência do homem, destinada ao mesmo tempo para o destino social e para as necessidades da pessoa é de uma factura completamente diferente e é o que torna, por uma consequência fácil de conceber, a vontade humana prodigiosamente divergente. Na abelha a vontade é constante e uniforme, porque o instinto que a guia é inflexível e é esse o único instinto que faz a vida, a felicidade e todo o ser do animal; no homem, o talento varia, a razão é indecisa, portanto, a vontade múltipla e vaga: procura a sociedade, mas foge das dificuldades da monotonia: é imitador, mas amoroso das suas ideias e doido pelas suas obras.” (PROUDHON, 1997; p. 218-19) De saída, é preciso destacar que o homem, em sua evolução natural, desenvolveu características biológicas fundamentais para criar as condições necessárias para o seu desenvolvimento enquanto ser social. Estas características vão desde a posição de sua coluna vertebral que o possibilita andar de forma ereta, passando pelo formato de suas mãos que o permite manusear objetos com maior precisão e sua estrutura vocal que permite a emissão de sons articulados, chegando ao elevado grau de complexidade e especialização neurocerebral que desenvolveu. Sob estas condições de evolução natural o gênero humano pôde transformar-se em um ser social e nesta qualidade o diferencia dos demais seres por passar a apresentar novas determinações em seu devir histórico. A existência de coletividades e de organização, que se nos for permitido a licença do termo, de “sociedades”, é constatada em outros seres, não somente humanos. Insetos como abelhas e formigas formam grandes coletividades com divisões de funções. Porém, ao contrário do ser humano enquanto ser social, estes animais são determinados substancialmente em função de sua carga genética e herança biológica. São estes elementos que definem seus padrões de comportamento, padrões estes que são resistentes ao tempo e ao espaço. Assim, o que uma abelha ou uma formiga fazem hoje é basicamente o mesmo que fazem a milhares de anos. A situação repete se pegarmos animais de uma mesma espécie e situados em locais diferentes, sem contato um com o outro: seus padrões de comportamento serão similares. Assim, a relação dos animais não humanos com o meio, com a natureza (exterior), não é de transformação, é no máximo de adaptação. Por sua vez, o homem, transformado em ser social, experimentou diversas formas de organização social, tal como diferentes padrões de comportamento. Se há também a permanência, por outro lado, destaca-se e distinguem-se, as mudanças e transformações ocorridas no tempo e no espaço na sociedade humana. Nesse sentido, o aprendizado e as determinações de sua sociabilidade adquirem o fator primordial para definir os padrões de comportamento do homem. Nesse sentido, colocamos a discussão das determinações do SER SOCIAL e do TRABALHO como elementos básicos para compor uma base teórica que põe homens e mulheres enquanto criadores e criaturas de seu próprio mundo, um mundo histórico-social. Não há destino, seja de paraíso terreno, seja de escravidão eterna. A sociedade é desnaturalizada e sua transformação revolucionária não abriga mais apenas o campo da vontade, mas também enquanto possibilidade real teoricamente visualizada. Para tal, retomamos algumas contribuições presentes tanto em Proudhon quanto em Bakunin, discussões que muitas vezes não tem o merecido destaque no corpo de ideias destes autores e do próprio anarquismo, ainda que apareçam com destaque em seus escritos. Para Proudhon, trabalho é a “força plástica da sociedade”. O define como a “ação inteligente do homem com um fim de satisfação pessoal” (s.d., p. 256-7). Para ele esta é uma característica marcante, na qual está a grande diferença e “superioridade” perante os demais animais no sentido de garantir a produção e reprodução de sua vida social. A inteligência que pode ser atribuída aos animais, não os permitem “modificar as operações dos instintos”, assim como saber melhor lidar com os “acidentes imprevistos” (Proudhon, 1997, p. 222). O homem, vivendo em sociedade e criando os materiais e os meios de sua existência, transforma continuamente sua ação instintiva em refletixa. O homem, então, é o animal que trabalha. Mas, para Proudhon, trabalho não é qualquer atividade humana. Forma parte do trabalho a matéria, o instrumento e a inteligência/subjetividade humana. O primeiro instrumento do homem é o seu próprio corpo, como suas mãos. A partir delas e da matéria em que atua, tem-se a criação de “instrumentos fictícios” (s.d., p. 258). Os animais, por sua vez, não empregam outros instrumentos que suas unhas, dentes, patas e estômago, obedecendo essencialmente a instintos. É de conhecimento que algumas espécies de animais, sobretudo aquelas mais próximas geneticamente dos humanos, chegam a construir algum tipo de objeto para facilitar o seu “trabalho”. Porém, há um aspecto que se distingue essencialmente nos homens e faz do trabalho humano um trabalho criador. Dizia o francês que a ação que o homem exerce sobre a matéria, converte esta, ao mesmo tempo, em instrumento e obra. E não somente, pois a associação estabelecida entre os homens é qualitativamente diferente da dos animais, uma vez que o homem só realiza suas potencialidades em sociedade (s.d.; 1997). Na mesma linha de raciocínio seguia Bakunin. Há algumas diferenças, mais de ordem “terminológica” do que propriamente epistemológica. Na verdade, Bakunin refere-se a trabalho alargando o seu conceito. De todo modo, o trabalho é posto por Bakunin como uma atividade vinculada a condição de existência, o “fundamento de qualquer vida orgânica” (1988, p. 70). Quando escreve as Considerações filosóficas... ou Federalismo, Socialismo e Antiteologismo considera o trabalho condição de toda a vida animal. No entanto, compreende que a humanidade não realiza qualquer trabalho. Nela o trabalho vira um “trabalho inteligente e livre”. Toda vida animal tem como condição primária de sua existência a luta pela vida. Essa luta é tanto entre espécies, como contra a própria natureza. Assim, necessita-se não somente de garantia para suprir com as necessidades básicas e fisiologicamente vitais, mas também proteger-se da ameaça externa vinda seja de outras espécies quanto da própria natureza exterior (chuva, frio etc.). Coloca-se em relevo outra questão: qual a relação que a Natureza (exterior) possui com o homem e os demais animais? Para Bakunin, o trabalho (a luta pela vida) só passa a ser uma atividade propriamente humana a partir do momento em que este “serve à satisfação não somente das necessidades fixas e fatalmente circunscritas da vida exclusivamente animal, mas ainda daquelas do ser pensante, que conquista sua humanidade ao afirmar e realizar a sua liberdade no mundo” (1988, p. 71). É quando o ser humano passa a sair de uma condição de bestialidade e entra no “mundo propriamente humano”, um mundo histórico. Sublinhamos que essa passagem é um ato prático, uma conquista material, não é apenas uma tomada de consciência no vazio. É necessário abordar dois elementos fundamentais, característicos do ser humano, e que nos permitem retomar a um diálogo mais preciso com a longa passagem de Proudhon, citada na abertura deste tópico. A vida humana aparece como a continuidade da vida animal, acrescida das faculdades de pensar e de falar. São especialmente elas que permitem ao homem estabelecer uma relação distinta na natureza. A partir destas faculdades é possível construir noções entre as coisas, as quais são base para a formulação de ideias. Os animais também expressam reações e noções, mas estas são de ordem material, não ideal. O que acrescentamos é a constatação da existência de uma subjetividade humana. Daí Proudhon é feliz ao assinalar a variedade de talentos, vontades e compreensões (razão) presentes na sociedade. Esta subjetividade só ganha formas e multiplicidades na medida em que lhe é permitido “comparar, criticar e ordenar suas próprias necessidades” (1988, p. 69) numa ação reflexiva. Atentamos para a caracterização que Bakunin dava ao pensamento e a fala. Não se trata de pressupostos inatos ao ser humano. Afirmava estes serem “potências em absoluto formais”. O próprio fato precede a ideia. As ideias são sempre dadas pela “experiência reflexiva das coisas reais”. Por isso, esta subjetividade continua a ser construída, especialmente, mas não unicamente, a partir das complexificações das determinações do trabalho, das condições materiais de existência. 4. QUESTÕES SOBRE PODER E DOMÍNIO A luta de classes que atravessa a história da humanidade, desde que se constituiu assim, é impulsionada por polos antagônicos que, movidos por seus referenciais ideológicos, procuram disputar a forma como a sociedade se organiza. Sabendo que não há neutralidade, entendemos que todo posicionamento e ação dentro da estrutura social tende para manutenção da ordem vigente (a manutenção da desigualdade social) ou tende para sua ruptura (a busca da justiça social), direta ou indiretamente. As relações de poder existentes entre os diversos grupos sociais estarão presentes no âmbito da economia, da política e da cultura. Por um lado, para que os privilégios da classe dominante sejam mantidos (baseados, fundamentalmente, na desigualdade econômica), há a apropriação por essa mesma classe de mecanismos que possibilitam o exercício do poder a partir dos três elementos supracitados. Por outro lado, nesse mesmo processo histórico de construção das relações de poder, há resistência do polo oprimido que busca, por meio de seu projeto de poder, romper com essa opressão. Não obstante, é importante considerar que tais relações de poder, implicados nestes elementos (econômicos, políticos e culturais) se autodeterminam e sofrem adaptações em diferentes momentos históricos, porém, sempre mantendo as desigualdades sociais. Diante disso, pode-se dizer que o poder se manifesta no próprio espaço relacional (entre indivíduos, grupos, classes, etc.). Isto é, há uma disputa pelo poder entre sujeitos historicamente determinados perpassando todas as relações sociais existentes. Essas relações são próprias da humanidade e existirão independentemente da conformação social em que ela se encontra, manifestando-se com as particularidades inerentes a cada momento histórico. A defesa de uma opinião, as estratégias usadas para que ela seja aceita pelo conjunto social e se tornar uma verdade estão no âmbito relacional, portanto na disputa de poder. Pode-se assim conceituá-lo de diversas formas. Conceituar o poder como capacidade implica concebê-lo como “ter poder de fazer algo” ou “ter poder para algo”; o poder, neste sentido, define-se a partir de uma capacidade de realização ou uma força potencial que poderia ser aplicada em uma relação social determinada. O segundo caso, do poder como assimetria nas relações de força, implica um conceito que, ainda que esteja ancorado na noção de capacidade explicitada na primeira acepção, não pode resumir-se a ele. Neste caso, o cerne da definição está nas assimetrias das diferentes forças sociais que se encontram em uma determinada relação social; quando essas forças, com capacidades distintas de causar efeitos sobre outras, põem-se em interação, forjam os efeitos sobre um ou mais polos da relação. Conceber o poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle implica conceituá-lo a partir do conjunto de regras de uma determinada sociedade, que envolve tanto as tomadas de decisão para seu estabelecimento e para definir seu controle, quanto a própria aplicação desse controle; uma estruturação social que exige instâncias deliberativas e executivas (CORRÊA, 2013). Desde que a sociedade passa a ser dividida em classes sociais, as relações de poder ganham uma nova significação nessa forma de se organizar. As que são típicas das sociedades dividida em classes podem ser denominadas como domínio. Na esfera relacional, isso aconteceria quando determinado grupo utilizaria a força social do outro grupo a seu favor e contra os interesses do polo dominado na relação de poder. A distribuição desigual do que foi produzido marca a sociedade dividida em classes, e a capacidade de utilizar os conhecimentos humanos e o maior ou menor poder de decisão define a sua posição mais próxima ou mais afastada do polo dominante dessa sociedade. A categoria de dominação englobaria o econômico, mas precisaria de outros elementos para explicar as relações sociais (ERRANDONEA, 1989 apud CORRÊA, 2013). Para que a relação de dominação se estabelecesse em favor de uma pequena minoria na humanidade foi necessário que fosse legitimada perante o próprio polo dominado, e que a maioria da população passasse a desejar esse mecanismo social ou que não concebesse outra forma de organização da sociedade. Para isso foi necessária a estruturação de outras relações de poder no âmbito cultural – a construção de uma cultura de submissão, o sistema escolar tradicional, a força das religiões, entre diversas outras questões. Politicamente, o Estado detentor do aparato coercitivo e dos aparelhos burocráticos que organiza a vida em sociedade cumpriu o mesmo papel. Para construir essa dominação é preciso complexos mecanismos que possam naturalizar uma vontade de obediência por parte dos dominados, que partirá de algo legítimo consolidado para além das normas jurídicas. Uma mescla de convencimento com coerção física. Cria-se um consenso na humanidade que permite a minoria se perpetuar no controle e faz com que a maioria assimile a dominação como algo normal e que faz parte da vida. A partir dessas condições e do consenso criam-se as condições necessárias para a institucionalização da dominação e ela se manifesta, por exemplo, não só pela exploração econômica, mas pela própria coerção física e pelas instituições político-burocráticas (ROCHA, 2009). A conformação do jogo de interesses dentro dessa sociedade socialmente injusta é movida pelas relações ideológicas, que se dão no campo relacional, sendo, portanto, relações de poder. Por conseguinte, essas relações de poder que buscam a manutenção de um sistema de desigualdades sociais podem ser denominadas como relações de domínio. Essas ideologias são formadas em relação com o mundo material. Só foi possível uma relação de poder se conformar em domínio e termos toda uma ideologia trabalhando para a manutenção dessa relação porque a evolução da humanidade permitiu que certos grupos minoritários vivessem à custa da exploração da maioria. A ideologia de resistência a essa relação de domínio é fruto da maneira como os dominados foram se conformando e de tudo a que foram submetidos para que se criasse uma vontade de superar o estado de coisas imposto. Não obstante, a ideologia anarquista é uma das ideologias que nasceram no bojo desse desejo de mudanças, apontando para outra forma de organização da sociedade. Por isso, as ideologias são carregadas de materialidade, tem relação com o mundo material, com o momento histórico em que foram desenvolvidas. De fato, não se poder compreender todas as relações de poder tomando por base somente as classes sociais como categoria de análise, muito menos que o único elemento originário dessas relações é o elemento econômico. As relações humanas são muito variadas e complexas, coexistindo uma série de particularidades, as quais não é possível explica-las puramente pela via econômica. Voltando-nos para o campo das micro relações humanas, Focault desenvolveu teorias e observou aspectos que fogem à tradicional explicação das correntes socialistas. Tal conhecimento é significativo para se entender o mundo, entretanto insuficiente para se buscar a superação do modelo de sociedade vigente, na perspectiva de uma sociedade justa, equânime e livre. A evolução da sociedade está marcada pelo desenvolvimento de inúmeras maneiras de como organiza-la a partir das relações econômicas. Isto nos leva à conclusão de que, ao prendermo-nos somente no entendimento das micro relações sociais seremos incapazes de compreender o todo. As macrorrelações não são um mero somatório de tudo o que ocorre no espaço microrrelacional. Para aqueles que abraçam uma ideologia que pretende emancipar a humanidade da dominação, é preciso observar os fatores centrais que marcam essas relações de domínio. Somente a partir daí o entendimento das relações nos microespaços ganham sentido para quem pretende construir um projeto que supere essa forma de organizar a sociedade em que vivemos. Os elementos econômicos, políticos e culturais coexistem e podem ser determinados mutuamente a favor do projeto de sociedade hegemônico. Não obstante, concebemos que os elementos econômicos são os primordiais para o entendimento de como as relações opressor/ oprimido, explorador/ explorado, dominador/ dominado configuram-se no seio dessa sociedade – e das anteriores a esta. Apesar de não poderem explicar todos os fatos sociais ele é central, uma vez que esses elementos podem se conformar de maneiras diferentes, de acordo com mudanças ocorridas nos elementos culturais e políticos. Isso ganha força quando pensamos o porquê disso tudo. Quando vemos como a sociedade de classes foi sendo construída, observamos o peso que o econômico tem em relação aos demais. Qual a necessidade do Estado, do poder coercitivo se não o de garantir que uma minoria fique com a maior parte da riqueza humana? Qual a finalidade de um sistema cultural opressor se não for manter essas relações de classe? Não negamos que diversos outros elementos são importantes para entender o mundo e que, realmente, o plano econômico não é suficiente para o entendimento de todas as relações de classe. Mas qual outro elemento poderia ser usado com importância parecida ao econômico? Qual elemento seria transversal a todas as categorias de análise da sociedade? As elucidações perderiam seu poder de análise e não encontrariam a saída desse sistema de dominação. Quais exemplos poderíamos dar de alguma relação macrossocial que o econômico não seja o elemento central e basilar da explicação, uma vez que as micro relações são insuficientes para quem pretende encarar um projeto de mudança ampla? Perder-nos-íamos num labirinto de ideias sem nunca achar saída. E essas ideias são fundamentais, mas só ganham potência quando se agregam numa estrutura maior de entendimento. Acreditamos na possibilidade de uma sociedade onde as relações de poder não possam ser definidas como uma relação de dominação e que o homem é produto do meio em que vive. É esse meio que queremos mudar, para que seja produzido um novo homem. Mas, ao mesmo tempo, ele só é mudado com os esforços desse mesmo homem. Para construirmos as mudanças sociais que queremos temos que superar as relações de domínio. A ideologia anarquista preconiza uma forma de organização social em que o conjunto da sociedade participe do planejamento e da construção dessa sociedade e que os esforços de ninguém sejam usados contra seus próprios interesses. Certamente, isso não anula as disputas, nem vitórias ou derrotas de interesses, mas tudo seria mediado por uma perspectiva individual e coletiva em constante relação, superando o individualismo marcante do capitalismo. O próprio sistema capitalista criou as condições para que fosse possível o desenvolvimento da ideologia anarquista, não mecanicamente. Sua superação também não é dada. Esse objetivo só será possível se a ideologia que aponte para essa ruptura seja propagada de maneira ampla dentro das classes oprimidas e essas passem a desejar e trabalhar por essas mudanças. A constatação das desigualdades econômicas e a busca por sua superação são os fatores que mais contagiam. Para isso é preciso que durante a própria luta mudemos certos mecanismos culturais e lutemos contra o Estado. Uma coisa não ocorre de maneira cartesiana, uma depois da outra, mas a compreensão de como se organiza a sociedade é fundamental no projeto de transformação da realidade. 5. CAPITALISMO: ELEMENTOS BÁSICOS E SUA LÓGICA DE DOMINAÇÃO 5.1 Os inimigos de sempre e os mecanismos de hoje Os nossos inimigos nem sempre se apresentaram da mesma forma, nem mesmo se utilizaram dos mesmos mecanismos, ou então, poderíamos dizer que se utilizaram de um mesmo mecanismo primário de exploração do trabalho e de dominação sob variadas maneiras. São nossos inimigos – e assim os identificamos ao longo dos tempos, mesmo que sob nomes e formas diferentes – porque promoveram a exploração, a opressão e delas, tiraram proveito. Os nossos inimigos já se chamaram de aristocratas, de nobres, de senhores, entre outros. Seu sistema de dominação já foi denominado como feudalismo, regime escravista, entre outras variantes exploradoras. Os inimigos de hoje atendem pelo nome de burguesia (industrial, financeira, latifundiários, etc.) e o sistema por ela organizado: o capitalismo. Seus mecanismos, em constante operação e cada vez mais articulados com uma rede de meios e instrumentos de dominação, são identificados no Capital e no Estado. É a exploração econômica e a dominação sociopolítica que se fundem e se configuram para benefício de uma minoria. 5.2 O Estado e o Capital: o poder que vem dos ricos e para os ricos “O que são a propriedade e o capital em sua forma contemporânea? Para o capitalista e o proprietário, significa o poder e o direito, garantidos pelo Estado, de viver sem trabalhar. E posto que nem a propriedade, nem o capital nada produzem sem estarem fertilizados pelo trabalho, isto significa poder e direito para viver explorando o trabalho de outro. Direito a explorar o trabalho de quem não tem nem propriedade nem capital e, portanto, se encontram forçados a vender sua força produtiva aos afortunados proprietários” (Bakunin). O sistema capitalista é fundado sob a base de um regime de propriedade privada dos meios de produção (terra, instrumentos de trabalho etc.). Segundo a ideologia que o sustenta, os trabalhadores são livres. No entanto, pensamos como Bakunin, que “o direito à liberdade, sem os meios para realizá-la, é apenas uma quimera”. Os trabalhadores, roubados dos meios concretos para que possam garantir sua sobrevivência, se veem obrigados a vender sua força de trabalho para a classe dominante. Esta é a condição e o fermento para a manutenção de um sistema que garante a apropriação de lucros à burguesia e que divide seus prejuízos com os trabalhadores, que pagam ainda a conta mais alta. Para esta operação os capitalistas sempre encontraram no Estado o apoio político-militar e também financeiro, necessário para prosseguir com seus projetos. As formas de acumulação de riqueza e exploração do trabalho de outrora e as do capitalismo do século XXI, mudaram bastante, atravessando vários períodos e fases: já foi mercantilista, colonialista, passando a monopolista e atualmente imperialista e ultra-monopolista. Mas a sua orientação – também na gênese do capitalismo – permaneceu sempre a mesma. A centralização econômica e política caracteriza o seu modelo e estrutura a sociedade. No decorrer desse processo que concentra riqueza e distribui miséria, um complexo sistema de dominação evoluiu, tanto em seus meios materiais e repressivos, quanto científicos e ideológicos. Ocorre que a ligação existente entre as esferas econômicas e políticas são estreitas e difíceis de delimitar território. Por isso, quem controla os meios de produção exerce controle também sob os indivíduos. O Estado vai atuar não somente como elemento de contenção entre Capital e Trabalho – ou, entre a burguesia e os trabalhadores – mas também como um agente econômico ativo importante, que organiza e administra sob o leme da classe a qual representa: a burguesia e suas variadas frações. A centralização é a tendência inevitável a se realizar pelo Capital e pelo Estado. É por isso, que no desenvolvimento da dominação burguesa, a concentração de empresas ou grupos empresariais, banqueiros etc., vem junto com o próprio estreitamento dos mecanismos decisórios. Na mesma medida em que nos deparamos com uma realidade mundial de concentração de riqueza em poucos países, no Brasil também presenciamos uma exorbitante concentração desta na região Sudeste/Sul do país, em especial São Paulo. Os recursos a serem destinados e a organizar e financiar essas disparidades tem na centralização dos poderes a sua realização e reprodução. Por isso, identificamos no Estado e no Capital o poder que vem dos ricos e para os ricos. 5.3 A política e a ideologia burguesa: dominar e fragmentar Clássicos do anarquismo, como Bakunin e Malatesta, afirmavam que a situação econômica era a situação real. Por isso, as formalidades jurídicas viram ficção, pois o trabalhador não está em iguais condições que o seu patrão. Isso se reflete no limitado acesso à educação, cultura e saúde. Assim como, uma dominação ideológica, potencializada por diversos instrumentos utilizados, desde a educação formal, a cultura propagada ou apropriada pela elite, passando pela grande mídia. Essas leis sendo ficções, o cumprimento delas tende a ser executado somente no benefício das elites, que as elaboram e sancionam. As conquistas que são transcritas na forma de lei, foram resultados de mobilizações e lutas para tal, assim, o respeito a elas não é a lei sozinha que a faz, e sim, a permanência da luta e a construção ideológica que coíbe práticas contrárias. Um dos mecanismos que mais põe às claras a política e a ideologia burguesa está nas eleições para os cargos do poder executivo e legislativo do Estado. O chamado sufrágio universal (as eleições parlamentares) ainda que seja contemporâneo à ascensão da burguesia à classe dominante, a partir de meados do século XVI, nem sempre foi o escolhido por ela. A presença de ditaduras e golpes sempre marcou a dominação burguesa, percorrendo desde a França de Bonaparte às ditaduras latino-americanas por volta da década de 70 do século passado. Daí, associar liberalismo com Estado democrático pode virar um grande engodo. O chamado regime democrático, em tese, garante a liberdade de organização e imprensa, possibilita uma elevação à vida pública, o que permite maior tranquilidade na organização e mobilização dos trabalhadores. Assim, ele é certamente preferível a um regime ditatorial. No entanto, não faz parte de nossa teoria semear enquanto política dos trabalhadores a política que é na verdade burguesa, ancorada naquilo que os anarquistas tradicionalmente classificaram como a “ilusão do sufrágio universal”, sempre se opondo a cair no jogo parlamentar. Cabe o exemplo de Proudhon, que chegou a assumir cadeira legislativa na França (1848), mas constatou que nesta condição, estava cada vez mais distante do povo e do que acontecia nas ruas. Desde então, lutas foram travadas e como orientação ideológica determinou-se a centralização dos esforços e energias na mobilização direta dos trabalhadores, a partir dos seus próprios espaços (trabalho, moradia, etc.). O que está no centro da discussão é a construção de uma política própria dos trabalhadores, que está diretamente vinculada à percepção e confiança em sua força, na construção de sujeitos históricos ativos, conscientes e convictos do seu papel. Confiança esta, que só pode ser ganha a partir do momento em que estes trabalhadores não só lutam, mas também decidem, exercem protagonismo. E o Estado só pode, e assim sempre o fez, mesmo quando dirigido por ex-trabalhadores – que ao mudarem de posição, mudam de perspectiva – continuar a representar os interesses da burguesia, no sentido de confundir, dispersar e fragmentar a força dos trabalhadores. Desse modo, a política e a ideologia burguesa, seja sob qual manto busque refúgio (ditadura ou democracia), tem como objetivo dispersar a força do povo, que a tem justamente por ser povo, por não viver de parasitismo. A burguesia usa também da dominação para fragmentar, seja quando é feito a base do cassetete e pau de arara, seja quando articula sob um verniz de legalidade. E quando foi preciso, ela nunca pestanejou em romper com esta legalidade. Portanto, não há fim da exploração econômica, sem o fim da dominação político-ideológica. Queremos construir outra sociedade, onde não existam mais classes sociais, pois todos contribuiriam na construção da riqueza da sociedade e desfrutariam dela em igual medida. Entendemos que esta mudança não é mecânica, nem poderia ser, pois se trata de pessoas que vibram, sentem, choram, pensam e agem numa civilização construída não somente na base da exploração, mas também produzindo uma dominação branca, machista e repressora da orientação sexual. Ou seja, pessoas de diversos lugares, com suas singularidades e formas de externá-las. Portanto, entendemos que contribuir para desencadear um processo revolucionário é dar a força do povo, ao próprio povo. Possibilitar aos trabalhadores e trabalhadoras que eles/as, em cada canto, possam ter voz e efetivamente construam seu destino, com sotaque e maneiras diferentes de construir seu poder: o Poder Popular, que nasce do povo e é exercido por ele. 5.4 Centro e periferia Uma maneira de se entender o funcionamento desse sistema seria utilizando dos conceitos de centro e periferia trabalhados por Rudolf de Jong (2008). Existe um centro que domina e uma periferia que é dominada. No centro encontraríamos o polo irradiador dos consensos que mantém a perpetuação dessa dominação; e na periferia, teríamos a resistência em potencial a essa dominação. Entender o mundo por essa lógica e assumir a postura ideológica de estar do lado dos oprimidos é buscar conhecer a realidade em uma perspectiva emancipadora. A divisão de centro e periferia não é apenas algo relativo à política internacional (entre países) ou regionalmente (dentro de uma cidade e suas diferentes áreas), mas, sobretudo, entre classes sociais, ou seja, relações de centro e periferia também ocorrem dentro de países centrais. Observamos que os centros tendem a ser mais uniformes e as periferias tendem a ter suas particularidades. O projeto do centro é a dominação da periferia e fazer com que ela funcione de acordo com as suas regras e mantenha os pilares do capitalismo que permitem uma minoria se manter na posição privilegiada dessa sociedade. As regras criadas para manutenção do sistema de opressão (no caso o capitalismo) precisam se reproduzidas em todos os aspectos da vida em sociedade. Como o capitalismo é o projeto dos centros, as periferias precisam seguir suas regras para poderem perpetuar a lógica do domínio, por isso tendem a assumir um projeto de uniformização. Percebemos isso desde a forma como se organiza a produção e distribuição de riqueza no mundo, que seguem regras internacionais parecidas, até as manifestações culturais de uma cultura pop internacional que tende a padronizar os gostos das populações. De fato, há uma tentativa de uniformização das periferias no capitalismo. Entender suas particularidades é fundamental para se superar o estado de coisas. Apostar num projeto federalista libertário em escala regional, nacional e internacional, com autonomia e protagonismo das bases, é uma saída para a superação deste modelo. 6. REFERÊNCIAS BAKUNIN, Mikhail. Federalismo, socialismo e antiteologismo. São Paulo: Cortez, 1988. BAKUNIN, Mikhail. O princípio do Estado / Três conferências... Brasília: Novos Tempos, 1989. BAKUNIN, Mikhail. Obras v. 3. Madrid: Jucar, 1977. BAKUNIN, Mijail. Escritos de filosofia politica. Madrid: Alianza Editorial, 1990. BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário, 2003. BAKUNIN, Mikhail. Escritos contra Marx. São Paulo: Imaginário, 2001. BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário, 2000. BOOKCHIN, Murray. Anarquismo, crítica e autocrítica. São Paulo: Hedra, 2010. CORRÊA, F. Anarquismo, Poder, Classe e Transformação Social. Anarkismo.net, nov. 2013. Disponível em: http://www.anarkismo.net/article/26402. Acesso em 13 de agosto de 2014. HARVEY, David. Condição pós-moderna. 21ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011 JONG, R. A Concepção Libertária da Transformação Social Revolucionária. São Paulo: Faísca Editora, 2008. KOSIK, Karel. A dialética do concreto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. PROUDHON, P-Joseph. O que é a propriedade?. Lisboa: Estampa, 1997. PROUDHON, P-Joseph. La creación del orden en la humanidad. Valencia: F Sempere y Compania, s.d. ROCHA, B. L. Abordando o conceito de dominação – 1. Estratégia e Análise, jun. 2009. Disponível em: http://estrategiaeanalise.com.br/ler02.php?idsecao=e8f5...5c472. Acesso em: 13 de agosto de 2014. |
Front pageSupport Sudanese anarchists in exile Joint Statement of European Anarchist Organizations International anarchist call for solidarity: Earthquake in Turkey, Syria and Kurdistan Elements of Anarchist Theory and Strategy 19 de Julio: Cuando el pueblo se levanta, escribe la historia International anarchist solidarity against Turkish state repression Declaración Anarquista Internacional por el Primero de Mayo, 2022 Le vieux monde opprime les femmes et les minorités de genre. Leur force le détruira ! Against Militarism and War: For self-organised struggle and social revolution Declaração anarquista internacional sobre a pandemia da Covid-19 Anarchist Theory and History in Global Perspective Capitalism, Anti-Capitalism and Popular Organisation [Booklet] Reflexiones sobre la situación de Afganistán South Africa: Historic rupture or warring brothers again? Death or Renewal: Is the Climate Crisis the Final Crisis? Gleichheit und Freiheit stehen nicht zur Debatte! Contre la guerre au Kurdistan irakien, contre la traîtrise du PDK Meurtre de Clément Méric : l’enjeu politique du procès en appel |