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“Para avançar é necessária a organização social e a contestação elevada”

category brazil/guyana/suriname/fguiana | community struggles | entrevista author Monday October 29, 2012 22:25author by Alexandre Haubrich

Entrevista a Bruno Lima Rocha

No último dia 7 de outubro tivemos eleições municipais em todo o Brasil. As avaliações dos resultados têm sido as mais distintas, de acordo com as perspectivas abordadas. Bruno Lima Rocha, cientista político e professor da Unisinos, jornalista e editor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br), falou com exclusividade ao Jornalismo B sobre os resultados gerais e sobre alguns casos específicos, como Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
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Jornalismo B – Que partido, na tua avaliação, foi o grande vencedor da eleição, com os resultados de primeiro turno?

Bruno Lima Rocha – Podemos compreender duas legendas vitoriosas. Uma destas, como vem sendo afirmado no lugar comum difundido pelos analistas políticos, foi o PSB. Com importantes vitórias, se cacifa para ser aliado preferencial para a corrida presidencial de 2014, além de ao ameaçar o desembarque do governo, torna-se uma perda (hipotética) mais valiosa. Outro vitorioso, como partido, foi o PSOL. Não que a sigla tenha conseguido reviver o reformismo radical do PT dos anos 80, mas afirma seu espaço como partido de esquerda parlamentar.

E se pensarmos em campos políticos, quem saiu fortalecida: esquerda, direita ou o centro?

Entendo que a direita política é subordinada à direita ideológica. Esta segunda é hegemônica hoje no país, orientando as ações mesmo da centro-esquerda como é o PT atual. Assim, o pensamento mais à direita vem ganhando cada vez mais espaço, criando mitos como o regulacionismo (o elogio das agências de regulação e políticas semelhantes), sempre atenuando o conflito e criando uma “esquerda liberal”, tanto de vocabulário (jargão, léxico) como de práticas.

E a esquerda, como saiu dessa eleição?

A esquerda, que eu considero hoje como sendo eleitoralmente as alianças em torno de PSOL e PSTU, me parece que conseguiu marcar alguma posição, mas ainda assim nada que se compare a uma forte presença reformista como a que tinha o PT nos anos 80. O voto do PSOL cresce muito em cima da garantia de direitos do cidadão e da moralidade pública; já o do PSTU se manteve com alguma estabilidade (e crescimento esporádico) a partir do discurso de classe. Mas, é preciso compreender que o voto reformista implica em uma base social ampla, sendo esta disputada por forças de extrema esquerda ou um movimento popular de avançada. Um exemplo clássico seria a presença de FAU-OPR-ROE no cenário da luta avançada uruguaia de 1971 e a votação correspondente da Frente Ampla (ainda com o programa original). Sem uma mobilização social, o voto reformista disputa apenas através da circulação de ideias mais ou menos conservadoras (como nas Operações da PF e o bandeamento de Protógenes para o PC do B, por exemplo), sendo verificada essa posição na campanha de Freixo (muito boa por sinal, mas dentro do sentido da ordem e da moralidade, da cidadania e não do antagonismo social).

Como avalias a queda de Russomano e a ida de Haddad e Serra para o segundo turno em SP?

Era meio previsível, porque Russomano era uma imagem vinculada ao pior do pior, como a bênção da IURD e o passado do esquema Maluf-Pitta. O ex repórter do Aqui e Agora apanhou de todos os lados e tinha uma queda prevista. O problema de fundo é outro. Como eu não creio na metodologia de pesquisas como indicador de opinião pública, logo eu teria de afirmar primeiro a negativa da questão e depois debater a “queda” em si,

Alguma previsão para o segundo turno em SP?

Vejo como possível a vitória de Haddad no segundo turno em São Paulo, pela obviedade do índice de rejeição de Serra. Mas é triste a constatação de que as bases do malufismo, do quercismo e da Universal definem os votos a favor da centro-esquerda. Por outro lado, estas alianças não são episódicas, revelando-se um padrão da política em São Paulo, ao menos desde 1994 – recordo o apoio crítico do PT a Luiz Antônio Fleury Filho no segundo turno de 1990, com a alegação de que a ROTA sob o comando de Maluf entraria numa escala de repressão sem precedentes. Daí veio o Carandiru sob comando político de Fleury e a aliança revelou-se inócua. Mas, voltando à ocasião de agora, creio que a rejeição de Serra e as alianças bastante heterodoxas vão possibilitar uma arrancada de Haddad. Mas, lembro, o segundo turno em São Paulo vai ser para afiar as garras e esquentar as máquinas eleitorais. Sendo que, a campanha desce para o nível das individualidades, com ataques dessa ordem.

Em Porto Alegre o grande destaque foi a reeleição de Fortunati ou a derrota do PT?

Para mim foi a reeleição do Fortunati. Este que migrou para o PDT em função de busca de mais espaço político, recebeu de bandeja a prefeitura da capital, numa composição originária onde o PDT não fazia parte (eleições municipais de 2004, Fogaça encabeçava a chapa – PPS - e o finado Eliseu Santos – PTB – era seu vice). Na composição de 2008, com Fogaça já no PMDB, Fortunati entra para vice-prefeito. Deu a sorte de ser o prefeito da Copa e ver as antecedências das obras, com muita mídia e agenda positiva. Entendo que ele foi o vencedor, isolando-o de partido e composição de alianças. De acordo com sua projeção, Sebastião Melo pode vir a ter a projeção estadual que tanto anseia. Mas, há que ficar atento para esta votação expressiva. Isto pode gerar uma sensação de carta branca para a prefeitura, gerando assim um avanço no processo de privatização e mercantilização dos espaços públicos da cidade.

Por onde o PT deve começar a analisar os resultados em Porto Alegre? Há uma perda de identidade?

Entendo que o PT vive uma crise profunda, incluindo nesta a presença de um ex-petista histórico (Fortunati) no governo que começara com Fogaça. A perda de identidade é fruto do oportunismo (senso de oportunidade movido pelo pragmatismo a todo custo) que vem das alianças em nível federal e são reproduzidas pelo governo Tarso. O PT caminha a passos largos para tornar-se uma legenda como o PSOE espanhol. E esta constatação não deve ser vista como um elogio político.

A queda de Manuela explica-se apenas pelo crescimento de Fortunati ou houve tropeços durante a campanha?

Manuela não se diferenciava em quase nada da campanha e do governo de Fortunati, a começar pelo seu vice (Tessaro) e sua sigla aliada (o PSD, que no RS é formado por ex-PTBs, assim como o PPS daqui é formado por peemedebistas). Como PC do B, PDT, PTB e PT são co-governo no estado e no país, fica muito difícil diferenciar-se. Talvez o maior acerto foi bater duro em Fortunati, mas deveriam bater mais, caso tivessem imagens e provas contundentes.

No Rio de Janeiro, que elementos principais explicam a votação tão expressiva de Eduardo Paes? E a candidatura de Marcelo Freixo, que importância teve?

Freixo reorganiza a centro-esquerda no Rio, trazendo de volta uma longa tradição política que se viu esvaziada pela herança política do PDT nos dois governos de Brizola e depois na trágica política de alianças do PT fluminense (com Garotinho e depois com Sergio Alencar). Eduardo Paes ganha pela euforia da Cidade com as UPPs e o pesado volume de investimentos no Rio. Não quero ser leviano, mas deveria ser observada com rigor a votação na Zona Oeste do Rio, zona onde há elevada presença de “milícias” (para-policiais). Mas, ainda com o possível cabresto, a votação do ex-genro de Cesar Maia (Paes) ultrapassa explicações monocausais.

O PSOL ganhou sua primeira prefeitura, teve um resultado expressivo no RJ e vai para o segundo turno em Macapá e Belém, com boas perspectivas em Belém. O aparente crescimento do partido é consistente?

Sim, me parece consistente embora não classista, mas sim cidadão e republicano. Falta organização social mais combativa para gerar o reflexo eleitoral que o PSOL espera. O voto reformista é retroalimentado pela contestação social radicalizada, e esta hoje quase inexiste. Já o discurso cidadão implica em indignar-se, mas não na polarização social.

O PT, no Nordeste, não venceu em primeiro turno em nenhuma capital e vai ao segundo turno em apenas três: Salvador, João Pessoa e Fortaleza. Como explicar esse quadro em uma região onde o partido, especialmente através de Lula, vinha avançando tanto nos últimos anos?

Talvez pelo crescimento do PSB e a aceitação conceitual de que o voto não é tão facilmente assim transferível. Temos de recordar que nas eleições municipais de 2008, Lula ainda era presidente e surfava numa aceitação impressionante.

Como vês a situação do segundo turno em Salvador, com o ACM Neto chegando à frente contra uma grande coalizão em torno do candidato do PT, Pellegrino?

Pode reeditar um clássico da política, onde o carlismo tenta se ressuscitar, embora esteja presente com os anéis em torno de Geddel Vieira Lima e Cesar Borges. Mas, repito que a partir da reeleição de Lula, a polarização tende a desaparecer, forçando o oportunismo elevado, a exemplo da criação do PSD.

De que forma os principais resultados dessas eleições podem influenciar nas disputas de 2014?

Vejo o caso de São Paulo como emblemático. Não podemos afirmar que sejam as prévias de 2014, mas sim um espaço onde as partes vão afiar as garras e testar as políticas de alianças. O apoio de Paulinho da Força Sindical (PDT) a candidatura de Serra pode antecipar uma série de problemas com esta legenda, por exemplo. Salvador também opera como um afiador de garras. Mas a eleição municipal tem particularidades e não se transfere como experiência absoluta para o pleito federal.

Com toda sua complexidade e suas contradições, até que ponto podemos dizer que processo eleitoral brasileiro é verdadeiramente democrático?

O processo eleitoral é democrático no sentido da democracia representativa. Neste caso, não há conflito conceitual. Mas, a ausência de debates estruturais de consistência, posiciona este processo eleitoral bem distante de uma democracia de tipo substantiva, com plebiscitos por exemplo. Uma democracia plena implicaria em que as decisões fundamentais de uma sociedade passassem pela vontade direta das maiorias, como, por exemplo, através de plebiscitos.

Qual o nível de importância de um processo eleitoral dentro do todo da ação política?

A ação política que se baseia na disputa eleitoral tem neste processo a viabilidade ou não de seus projetos de poder. Já para o debate político de fundo, este formato de eleições pouco ou nada contribui para isso. Para avançar na política é necessária a organização social e a contestação elevada.

Publicado em a edição número 47 (2ª metade de outubro de 2012) de a publicação impressa quinzenal "Jornalismo B"

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