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Paraguai e o golpe de Estado parlamentar aos olhos dos anarquistas.

category argentina / uruguai / paraguai | a esquerda | opinião / análise author Wednesday July 18, 2012 00:54author by Grupo de Afinidad "La Calle" Report this post to the editors

Defendemos a resistência como uma resposta adequada ao momento, de forma que esta permita autogestionar as lutas, autonomizar a resposta ao conflito, tornar públicas as análises e a tomada de decisões a respeito da resistência e, por essa via, romper com a cultura política do coloradismo, ou seja, romper com as práticas políticas do clientelismo, dependência e venda de cargos. Uma resistência séria permitirá a realização de mudanças de fundo na cultura política e social paraguaia, quebrando assim com costumes funcionais à dominação oligárquica que hoje nos afeta.
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Paraguai e o golpe de Estado parlamentar aos olhos dos anarquistas

Desde a ascensão do governo Lugo, em agosto de 2008 esse “processo de cambio” se traduziu, dentre outras coisas, em uma amenização dos conflitos sociais, dissimulação das mobilizações, aumento nos lucros dos especuladores financeiros e imobiliários e das multinacionais do agronegócio, e a sustentação de uma política de criminalização dos movimentos sociais em luta, chegando ao extremo de militarizar áreas geográficas do país, com a desculpa do surgimento de uma “guerrilha” que sequestrou um empresário pecuarista.

No entanto, o governo Lugo implicou em uma mudança na dinâmica política do país, e por via do executivo veio a fortalecer um novo protagonista no cenário político: o progressismo de esquerda. Este progressismo de esquerda logrou incrementar seus vínculos com os setores populares através da gestão de programas e projetos sociais e culturais, o que lhe proporcionou uma visibilidade preocupante para os partidos tradicionais (ambos de direita: o liberal e o colorado), às portas das próximas eleições (2013). Este fenômeno se mostrou particularmente preocupante para o Partido Liberal em função estabelecimento de alianças com a esquerda progressista por parte de setores de sua base e direção “mediana”.

A ameaça de impeachment para retirar Lugo do exercício do poder executivo se tornou uma constante desde os primeiros dias de sua presidência, ao mesmo tempo em que o governo, para combater essa ameaça tentou, em linhas gerais, dois caminhos: controlar os conflitos sociais e expandir a aliança de governo para a direita, incorporando setores do partido colorado ao governo. O controle social se viabilizou através de mecanismos tradicionalmente utilizados pelos governos progressistas: combinar negociação e cooptação com repressão intensiva.

A presença em cargos de gestão e decisão no executivo de militantes e dirigentes de esquerda, assim como de dirigentes de ongs, permitiu ao governo sustentar um dinâmico intercambio de opiniões com os movimentos e organizações sociais, torna-las parte da gestão de projetos e dotar-las de recursos para levar a cabo iniciativas e propostas no âmbito social, ao mesmo tempo que em âmbitos de saúde e outras áreas sociais, se incorporou massivamente a dirigentes ou agentes sociais, estreitando o vínculo com as organizações sociais de base. A repressão assumiu duas vias centrais: uma indireta, foi através dos partidos políticos de esquerda ou progressistas que convocaram sistematicamente as suas bases e seu entorno a não criticar e não entorpecer com mobilizações “o processo” e a segunda via, direta, foi criminalizar os movimentos sociais que se demonstravam mais “radicais”, vinculando-os ao suposto “terrorismo” denominado de EPP, uma sorte de guerrilha surgida no norte do país, com origens e desenvolvimento não muito claros, mas muito bem utilizada para justificar uma contundente repressão aos movimentos camponeses da região.

A combinação de ambos fatores provocou um imobilismo dos movimentos sociais que durou toda a era Lugo.

Por outro lado, a cultura fisiologista colorada como forma de fazer política não foi combatida com êxito por parte da esquerda e do progressismo no poder. Salvo exceções, as práticas fisiologistas e corruptas do coloradismo, sobre as quais se assentavam suas relações eleitorais, foram reproduzidas pela esquerda no poder, sendo parte destas práticas filtradas pela imprensa de direita que a utilizou para taxar a esquerda de corrupta, no afã de lavar a cara da direita, até o momento a representante por excelência da corrupção. Tanto é que, inclusive a prática da “boiada” (levar grandes levas de pessoas em manifestações em troca de algumas compensações financeiras ou alimentícias) também foram utilizadas pela esquerda.

Em meio a esse cenário que ocorre a matança de Curuguaty (sexta-feira 15 de junho de 2012) na qual 11 camponeses e 6 policiais foram mortes em um tiroteio iniciado pela polícia. As mortes policiais, de acordo com declarações de testemunhos de camponeses, se deram em função de “fogo amigo”, todas, com exceção de uma. A matança foi aproveitada pela imprensa direitista (praticamente a única existente no país) para culpar os camponeses, qualificando-os de assassinos, delinquentes e terroristas, isso sem levar a cabo nenhuma investigação, minimamente séria a respeito dos acontecimentos.

A esquerda foi consumida por um “estupor”, o governo aceitou somente a versão policial (funcional à estratégia midiática da direita de criminalizar os camponeses em luta pela terra) e os movimentos camponeses tomaram a iniciativa para solidarizar-se e atuar em solidariedade aos camponeses e camponesas sem terra que estavam sendo perseguidos, reprimidos e encarcerados na região.
Desde este momento, houve uma tensão na esquerda entre os setores que queriam se mobilizar em solidariedade aos camponeses mortos (incluindo os policiais, filhos de camponeses) e também para barrar o ataque difamador da imprensa em relação aos camponeses em luta. Esse imobilismo, com origem no calculo político e no (lógico) medo que cria a imprensa, possibilitou que não houvesse uma resposta imediata ao cerco midiático contra o movimento camponês, especialmente ao setor menos orgânico dos sem-terras, a liga nacional de carperos[como são conhecidos os sem terra paraguaios].

Em meio a esse cenário, nós, anarquistas objetivamos prioritariamente a solidariedade efetiva através da mobilização social em resposta ao ataque da imprensa e da direita e em romper com o medo que imperava no ambiente. Tivemos alguns logros neste caminho, em que pese as pressões que certa parte da esquerda exercia para que sua militância não saísse do papel de espectadores dos acontecimentos. 4 dias depois da matança, em uma segunda-feira, pudemos realizar o primeiro ato solidário na cidade de Assunção, com animo mobilizador e unitário. Unitário porque correspondia, por vínculos e participação, a esquerda marxista ser parte ativa na solidariedade, e mobilizador porque sabíamos que o custo do imobilismo seria sempre maior para o povo, que o imobilismo não nos proporcionava nenhuma segurança ante uma direita reacionária e com ganas repressivas.

Logo em seguida veio o golpe parlamentar, situação que foi muito complexa de ser abordada por nós, anarquistas, por não querermos ser confundidos com um apoio ao governo de Lugo. Nosso enfoque foi o mesmo que para a matança de Curuguaty: solidariedade e mobilização. Víamos que a única forma de freiar o avanço da direita (e a violência sobre os setores pobres e populares do país) era mobilizando-se e saindo às ruas e como não há melhor chamado que o exemplo, estivemos na praça do congresso desde o primeiro momento do julgamento político a Lugo. Durante os dois dias de julgamento permanecemos na praça, tratando de colaborar no desenvolvimento da criatividade, medidas de ação e cuidados, pensando em assumir a resistência chegada a hora.

Inclusive neste momento crítico, boa parte da esquerda não esteve a altura das circunstâncias, disseminando boatos, intranquilizando os/as manifestantes, tentando controlar as opiniões e dando discursos vacilantes de como enfrentar a situação. Tanto é que, chegada a hora de conclusão do julgamento, com o impeachement de Lugo, a polícia atacou fortemente o povo mobilizado. Tão precária havia sido a preparação e o cuidado para com o povo que as pessoas escaparam dos gases lacrimogêneos e balas de borracha em debandada, colocando em risco a própria vida e dos demais. Não foram tomadas medidas preventivas para a situação e a informação que circulava era dispersa e controlada, o que contribuía para a disseminação dos boatos. Apostando todas as suas fichas para sustentar o mito Lugo, a direção de esquerda presente na praça do congresso, já no começo da noite do dia do julgamento político semeou a esperança de que Lugo viria a resistir no cargo, junto ao povo paraguaio. Mas Lugo abandonou o cargo de presidente pela televisão e na praça o povo se inteirou pela transmissão radial. A decepção fez com que as três praças que levaram um dia e meio para serem tomadas, se esvaziassem em menos de uma hora.
O sentimento de derrota em meio à esquerda era tal, que no dia seguinte muita gente que chegou pela madrugada na praça, para resistir, se viu em meio de uma realidade que as fizera chorar: um abandono absoluto.

No sábado, primeiro dia do governo golpista converteu-se em uma luta autogestionada contra o cerco das comunicações. Empreendida por trabalhadores da comunicação, tanto da tv como da rádio públicas, a resistência tornou-se realidade na tv pública, localizada no centro da cidade de Asunção. Cerca de vinte pessoas deram início a essa resistência e a convocatória a apoiar e tomar parte da luta se efetuou através de mensagens de texto e chamadas por celulares. Em uma hora já era possível contar em torno de 300 pessoas, até o momento em que se iniciou o programa microfone aberto, ameaçado de censura desde a noite anterior. Esse primeiro instante de luta, com o microfone amplificando as palavras de resistência de quem o tomasse, foi francamente uma obra perfeita de resistência e autogestão. Fomos modesta parte deste esforço e dentro desta mesma modéstia nos sentimos orgulhosos. Posteriormente, vista a magnitude que foi tomando a resistência na tv pública, os partidos políticos buscaram dirigir e aparelhar essa mobilização. Foi criado um “grupo de segurança” que atuou agressivamente como polícia interna. Buscou-se controlar também a expressão e manifestações das pessoas, proibindo as assembleias nesse local (que havia começado por ser uma assembleia aberta e autoconvocada) e também os cartazes ou escritos que fugissem do controle das consignas estipuladas como prudentes. Ao mesmo tempo se fortaleceu as consignas luguistas e consequentemente a figura de Lugo.

Houve um esforço por parte da esquerda para dirigir a resistência, dando um giro à direita na frente guasu (ampla), vinculando dissidentes dos golpistas partidos colorado e liberal, ao mesmo tempo que buscava conquistar uma base social mais ampla, convocando também as organizações sociais para este intento, denominado agora Frente de Defesa da Democracia[FDD]. Desde a constituição desta frente, houve um grande esforço em controlar a manifestação popular no entorno da TV pública. Somente com o decorrer da semana seguinte é que a luta foi capaz de romper os limites do entorno da TV, dando início a mobilizações no campo e na cidade. Mobilizações em geral com convocatórias massivas.

Um aspecto interessante é que a resistência proposta pela FDD e pelo ex-governo luguista se denomina “pacífica” ou de desobediência civil. Na prática, essa resistência se limita a uma mobilização contida onde a todo momento se procura não incomodar ninguém para assim não ser estigmatizada de “violenta”, com o que as ações (ou melhor, as inações) da FDD e do ex gabinete de Lugo se tornaram adequadas à normalização e tranquilização que pretende impor o governo golpista, justo no momento de se acordar leis e decisões econômicas que favoreçam, ainda mais, as transnacionais e o capitalismo especulativo. O discurso não violento e de desobediência civil aparece, por sua vez, vazio de conteúdo e equivocado em seus propósitos: não promove uma verdadeira resistência ao passo que não assume o conflito social embutido no golpe de estado parlamentar e não utiliza o conflito para desnudar o pano de fundo repressor e anti-popular do governo golpista. Prevalece hoje, o calculo eleitoral.

Defendemos a resistência como uma resposta adequada ao momento, de forma que esta permita autogestionar as lutas, autonomizar a resposta ao conflito, tornar públicas as análises e a tomada de decisões a respeito da resistência e, por essa via, romper com a cultura política do coloradismo, ou seja, romper com as práticas políticas do clientelismo, dependência e venda de cargos. Uma resistência séria permitirá a realização de mudanças de fundo na cultura política e social paraguaia, quebrando assim com costumes funcionais à dominação oligárquica que hoje nos afeta.

Quem assume a resistência a sério se vê limitado pelo setor tímido e refém dos cálculos eleitorais da esquerda, que verbalmente assume a resistência mas na prática imobiliza ou mobiliza somente em função de promover figuras e candidaturas discretamente, em que pese o descrédito que estão se submetendo.

Grupo de Afinidad "La Calle"
Asunção 03/07/2012

Tradução: D.

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