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A Directiva Bolkestein

category internacional | workplace struggles | opinião / análise author Tuesday January 31, 2006 19:45author by Laure Akai - Anarchist Federation, FA Praga (Poland) Report this post to the editors

"Dumping" Social e Desafios Internacionais

A legislação que irá propulsionar a estratégia de Lisboa na sua viragem para impor um modelo económico mais neo-liberal à Europa já foi sujeito a oposição, mas ainda há necessidade de propor estratégias para a criação de uma sociedade equitativa e libertária.


A Directiva Bolkestein: "Dumping" Social e Desafios Internacionais

A legislação que irá propulsionar a estratégia de Lisboa na sua viragem para impor um modelo económico mais neo-liberal à Europa já foi sujeito a oposição, mas ainda há necessidade de propor estratégias para a criação de uma sociedade equitativa e libertária.

O movimento operário encontrou um assunto internacional sobre o qual mobilizar-se: a Directiva sobre Serviços no Mercado Interno, conhecida como Directiva Bolkestein. A directiva, que iria remover as barreiras para o fornecimento de services entre estados membros, é na maior parte das vezes, criticada pelo seu “princípio do país de origem”. Segundo este princípio, as companhias que estejam registadas num qualquer estado da U.E. não apenas podem fornecer serviços em qualquer outro, mas também podem contratar trabalhadores para realizar esses serviços no estrangeiro, ficando sujeitos às leis do país onde se encontram registadas. Teme-se que os capitalistas usem esta lei para tirar vantagem de condições menos estrictas em termos laborais e de ambiente nos países onde esses padrões sejam mais baixos. Desenha-se assim uma inevitável corrida para a menor exigência.

A Estratégia de Lisboa e a Erosão do Modelo Social



Os interesses dos capitalistas e dos trabalhadores estão destinados a entrar em conflito, enquanto a exigência do lucro for a força motriz dos negócios. Assim, os investidores, sejam de indústrias sejam de serviços, tentam fazer baixar os custos, os trabalhadores, em particular os dos países “em desenvolvimento” e de outros locais de baixos salários, tentam ganhar mais. Os que vivem em ambientes mais afortunados, por outro lado, tentam manter os seus níveis de bem-estar e combatem quaisquer atentados aos seus actuais padrões de vida.

Sendo a destruição do capitalismo uma proposta partilhada por cada vez menos, fica-nos uma escolha bastante limitada de cenários, cada qual repleto de problemas inevitáveis. Alguns oferem-nos proteccionismo nacional e um elevado nível de intervenção do estado na economia, mas esta solução frequentemente oculta o facto de os níveis de realização do capitalismo forma obtidos através de décadas e mesmo séculos de sistemático uso do capital, com imperialismo económico, com exploração económica e ambiental. Outros aceitam a globalização como algo inevitável e pressionam-nos a responder a este desafio tornando-nos “competitivos”. E por fim, há os equilibristas ,que pensam poder oferecer-nos uma solução intermédia, com alguns gestos em direcção a uma competitividade global mas com a retenção de um nível de proteccionismo exactamente suficiente para que o estado (e ainda mais importante as corporações) não terão de enfrentar qualquer revolução social.

É neste contexto que a União Europeia, dominada por alguns dos países mais ricos do Mundo, está confrontada com as realidades económicas e políticas não apenas do Mundo globalizado, mas de uma crescente porção de cidadãos dentro de suas próprias fronteiras.

Esses governos que se dizem “defensores do modelo social” estão, de facto, a realizar uma espécie de peça de teatro, pois – apesar de um considerável pluralismo político na U.E. – esta está desde há muito tempo empenhada em erodir este modelo e substitui-lo por outro, mais competitivo, mais virado para o lucro.

A agenda de Lisboa é um plano que diz respeito ao futuro da força de trabalho da U.E., desde há bastante tempo, mas a esquerda e o movimento dos trabalhadores tem falhado o apelo de despertar; ao ponto de até mesmo alguns terem dado as boas vindas à dita estratégia. (1) tem sido mal interpretada devio à capacidade do capitalismo em usar uma linguagem sedativa: os períodos de desemprego são transformados em “pausas na carreira” e ter de se deslocar da sua residência para se obter um emprego, torna-se uma “liberdade”. A flexibilidade laboral é necessária para “criar emprego” e “parceria social” significa que eles irão negociar a lenta erosão das nossas condições de trabalho com os líderes sindicais e redigir algumas leis sobre “protecção dos trabalhadores” que nos irão proteger de alguns perigos mas não do inevitável deslizar na luta global pela manutenção da competitividade.

Bolkestein


Se a linguagem da Agenda de Lisboa era muito ambígua e por isso não despoletou muitos alarmes, a Directiva Bolkestein, pelo menos, chamou alguma atenção dos povos. Houve protestos maciços em relação com esta e continua a haver uma campanha que se estende por muitos países europeus.

Infelizmente, o debate tomou várias vezes um tom xenófobo e proteccionista, tal como a história do “canalizador polaco”, que se relacionou não apenas com o alargamento da U.E., como também da directiva. Isto conduz-nos para uma série de questões, nomeadamente o que é que as pessoas propõem em vez disso e como é que uma U.E. sem a directiva resolveria os problemas da disparidade da força de trabalho.

O primeiro aspecto da Directiva Bolkestein, a liberdade de estabelecimento, tem sido uma questão empresarial por 30 anos pelo menos, tendo-se tornado uma realidade limitada com a adopção do Registo de Companhia Europeia (SE) que se tornou realidade em 2004. Com uma SE, uma companhia registada e operando for a de um país (desde que tenha a sua sede física nesse país), pode mudar de local de operação sem liquidar a companhia inicial e sem se registar de novo. Este assunto da instalação noutro país tem muitas limitações, incluindo limitações de capital, e portanto não é extensível à maior parte dos empresários trabalhadores por conta própria (como o nosso amigo canalizador), muitos dos quais estão igualmente limitados por regulamentos respeitantes ao reconhecimento das qualificações profissionais, etc. ...

Porém, é o princípio do país de origem que apresenta a vantagem decisiva visto que iria permitir aos empresários evitar os salários mínimos locais, esses incomodativos comedores de margens de lucro.


Os proponents da Directiva apressam-se a afirmar que um país pode recorrer a numerosas excepções. Os artigos 17-19 (além de permitirem aos governos isenções em areas tais como os serviços postais e outros) autorizam os governos a accionarem cláusulas de excepção por razões prementes de saúde pública, segurança pública, políticas públicas ou preocupações ambientais. Por outras palavras. Estas “liberdades” económicas podem (e serão) selectivamente reguladas pelos estados membros.

Isto não quer dizer que os governos as usem, embora seja provável que tal aconteça, especialmente nas áreas onde existam fortes tendências proteccionistas ou fortes sindicatos militantes.

Tais medidas, no entanto, não irão oferecer qualquer solução aos problemas básicos com as disparidades salariais, quer ao nível global quer europeu.

Os proponentes Bolkestein também referem que é assumido que haverá uma certa harmonização dentro da U.E., em determinadas áreas estratégicas. Por outras palavras, argumentam que certas áreas forem harmonizadas, então o princípio do país de origem já não servirá como instrumento para tirar vantagem de mais baixos padrões. Somente, não podemos vislumbrar qualquer concreto esforço de harmonização em muitas questões críticas; a harmonização de que se fala é em termos de liquidação de dívidas, de padronização de contabilidade, de protecção de consumidores e de cuidados de saúde. E mesmo que o ultimo possa ser visto como uma garantia, a experiência na U.E. tem mostrado que os padrões harmonizados têm conduzido em muitos casos a padrões substancialmente menores em alguns países. (2)

A area onde uma mudança revolucionária poderia ser levada a cabo é na da harmonização salarial – por exemplo, um salário mínimo para toda a U.E. e padrões por indústrias. O motivo pelo qual um salário mínimo da U.E. não seria solução por si só e de que padrões por indústria ou ramo de actividade teriam de ser aplicados é de que – por exemplo- se podem encontrar actualmente enfermeiras e técnicas dentárias polacas trabalhando no Norte da Inglaterra pelo salário mínimo, o que está longe do salário corrente nestas profissões, sendo uma exploração intensa e que força a descida dos.
Porém, tal nunca será proposto pelos eurocratas, nem é previsível que seja proposto por sectores do movimento sindical que sem dúvida prevêem que estarão obrigados a negociar uma diminuição dos padrões ou, para alguns dos trabalhadores com baixos salários, retirar um incentivo que os empresários tinham para os contratar.

Então que soluções se apresentam? Uma migração controlada da força de trabalho é uma das soluções políticas possíveis, mas não é apenas uma solução enviesada, também é uma violação do princípio de liberdade de movimento. Digo que é enviesada, porque se ouve dizer frequentemente, que tal país precisa de trabalhadores qualificados assim e assado, ou que não precisa de outra coisa; o outro lado da situação reflecte a relação de poder em que um país mais rico pode obter médicos e engenheiros altamente qualificados enquanto os outros estão sujeitos a uma sangria dos seus melhores cérebros. Ao fim e ao cabo, a fuga dos cérebros e a ausência de progresso nos salários e condições de vida, apenas irá exacerbar o problema.


Muitos dos anti-Bolkestein mantêm silêncio nesta questão. Tal como o movimento “anti-globalização” inicial, espera recrutar um largo movimento de opositores na coalizão, e realmente tem conseguido.
Embora os apelos para “proteger” a força de trabalho pareçam bastante nobres, eu desejo perguntar quem e o quê eles encaram enquanto força protectora (embora eu já saiba que é o estado).
Também me interessa saber exactamente como é que o modelo social será protegido?
Melhorando os padrões do trabalho e igualizando os salários reais em toda a U.E. ou fechando os postos de trabalho e o Mercado dos serviços aos estrangeiros? Será que estão à espera que os governos implementem medidas que forcem os capitalistas na U.E. a manter elevados custos do trabalho?

A Perspectiva Radical


Quando se compreende que uma iniciativa irá fragilizar a posição do trabalhador médio, devemos atacá-la porque cada concessão suplementar ao capitalismo é uma consolidação adicional seu poder. Portanto é perfeitamente natural de nos juntarmos em torno de palavras de ordem tais como “Stop Bolkestein” – mas tal como quaisquer campanhas por um único objectivo, mesmo uma vitória seria de natureza limitada, porque apenas evitamos a exacerbação do problema mas não fizemos nada para nos livrarmos dele. Além disso, é mais do que provávelm que , se a Directiva não passar, algo do género virá depois para levar a cabo o mesmo objectivo. Com este cinismo não estou a querer desencorajar, mas realmente a chamar a atenção para uma abordagem e visão mais amplas.

No contexto das polítticas de protesto, vemos frequentemente, mesmo os activistas radicais apelarem para “protecção” e para “direitos”, o que repousa no pressuposto de que existe uma instância, seja o estado-nação ou uma instituição extra-nacional, que promove a regulação para o bem geral da sociadade, acima dos interesses do capital.
Esta ilusão está se tornando cada vez mais pateticamente ingénua; o mundo do lucro e interesses capitalistas está fortemente ancorado no seio dos governos. Os momentos em que o estado faz o papel de protector social são apenas momentos de propaganda barata á custa de dinheiros públicos, por nosso trabalho obtidos e que nos são devidos enquanto a oposição ao puxar para baixo apenas pode ter lugar em relação com o poder e riqueza da sociedade; aqui, alguns estados-nação estão em nítida desvantagem no espectáculo conhecido por “protecção de seus súbditos”.

Muitos esquerdistas consideram a possibilidade do estado detentor da força e agente do capital para protector social e segurador. Pode-se considerar que isto seja um melhoramento considerável do seu papel, porém também se pode considerar que ele poderá ser destronado e substituído pelo auto-controlo dos trabalhadores e pelo federalismo internacional. O princípio subjacente, da sociedade libertária, iria pressupor vários mecanismos para a eliminação das carências materiais e das disparidades e, sobretudo, a eliminação das causas da iniquidade. Dentro das limitações deste artigo, não seria possível explorar as traves mestras para a criação de tal sociedade libertária, mas estamos convictas do seguinte: a chave para a criação de qualquer sociedade igualitária repousa na retirada dos poderes ao capital e ao estado.

Vemos como um desafio para o movimento internacional dos trabalhadores (ou neste caso concreto, do europeu), não o pressionar para que os políticos hipócritas façam mais promessas vazias, nem mesmo o conseguir o chumbo da Directiva, mas em aproveitarem de outra maneira a mobilização. Em vez de marchas coordenadas como uma massa orquestrada, gostaríamos que os trabalhadores tivessem oportunidade de uma auto-actividade e interconectividade. Não vemos como um desafio pôr líderes sindicais a fazer negociações com funcionários da U.E., ou mesmo em conversações entre eles, mas sim os trabalhadores da base a decidir sobre estratégia e actividade e numa organização horizontal, por oposição à participação no movimento de cima para baixo, enquanto sujeito protegido. A discussão tem de começar numa escala muito mais ampla tal como as possibilidades de coordenação de base e acção directa tendo em vista as possibilidades de organização libertária e revolucionária.

Neste espírito, apelamos às pessoas com semelhante ponto de vista e às organizações para tomarem a oposição à Directiva Bolkestein numa perspectiva mais radical e para promoverem a visão revolucionária da auto-organização e autogestão no âmbito desta campanha. Parar Bolkestein não é suficiente. Nem sequer parar o capitalismo.


NOTAS
(1) Os ministros do trabalho defendem que a flexibilidade pode co-existir com elevado nível de segurança social. Alguns líderes operários parecem ter tragicamente mal interpretado o subtexto da Agenda, acreditando que ela consistia numa estratégia para preservar o modelo social. Tão tarde como este ano, o Guardian publicou um artigo sobre a Agenda de Lisboa onde líderes como John Monks da Confederação Europeia de Sindicatos dizia que eles “fizeram bem em reviver a agenda apenas uma semana depois de muitos julgarem que a Europa social estava morta." Para estes líderes sindicais, a implementação da estratégia parece ser a grande questão. "A Estratégia de Lisboa deve ser implementada numa maneira equilibrada do ponto de vista económico, social e ecológico”.

(2) Existem muitos exemplos disto, mas o que vem á mente é o de padrões com os alimentos. Pudemos verificar nalgumas áreas de produção que, quando a Polónia adoptou os padrões da U.E., estes eram por vezes bem mais baixos do que os padrões de qualidade tradicionais, nomeadamente em termos da quantidade dos aditivos alimentares permitidos.

www.ainfos.ca

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