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Uma comissão do engodo

category brazil/guyana/suriname/fguiana | crime prison and punishment | comunicado de imprensa author Saturday October 08, 2011 05:52author by Federação Anarquista Gaúcha - FAG Report this post to the editors

No dia 21/09, às vésperas da abertura da Assembleia Geral da ONU pela presidenta Dilma Rousseff foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 7.376/2010, que cria a “Comissão da Verdade”. Após mais de duas décadas de total resistência por parte do Estado de criar tal organismo, o Executivo enviou o projeto à Câmara em regime de “urgência urgentíssima”.
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No dia 21/09, às vésperas da abertura da Assembleia Geral da ONU pela presidenta Dilma Rousseff foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 7.376/2010, que cria a “Comissão da Verdade”. Após mais de duas décadas de total resistência por parte do Estado de criar tal organismo, o Executivo enviou o projeto à Câmara em regime de “urgência urgentíssima”.

Ao contrário do que pode aparentar, a urgência em buscar a aprovação do projeto não é fruto de uma contundente decisão da atual coalizão no poder de investigar a fundo os acontecimentos da ditadura civil-militar que, entre os anos de 1964 a 1988, perseguiu, torturou, assassinou, e promoveu o sequestro e desaparecimento forçado de inúmeros militantes sociais e inclusive de lideranças políticas que, embora não fossem vinculadas à esquerda, não estiveram atreladas ao projeto político de então. Tal urgência se manifesta ainda mais distante de uma possível tentativa de se fazer justiça, levando ao banco dos réus os responsáveis pela tortura, assassinato e desaparecimento de pessoas.

Para o governo Dilma, a urgência cumpre justamente um outro objetivo: “limpar a cara” do Estado brasileiro perante a “comunidade internacional”, após sua condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) em função da campanha das Forças Armadas (FFAA), que promoveram o aniquilamento do foco guerrilheiro instalado no Araguaia pelo PCdoB. Exarada em dezembro de 2010, a sentença intima o Estado brasileiro a remover todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação dos crimes de guerra (tortura, sequestro e desaparecimento de corpos) promovidos pelas FFAA. Tal comissão, portanto, entra como uma tentativa do Executivo de aliviar os constrangimentos políticos que vêm causando sucessivas denúncias em escala internacional contra as violações aos direitos humanos no país.

Afinal de contas, o que podemos esperar de uma comissão composta por apenas 07 membros, todos eles indicados pelo Executivo, sendo um representante das FFAA, a qual tem tensionado a necessidade de se averiguar os “crimes promovidos pela esquerda no período”? Com o estreito prazo de dois anos para a apresentação de seu trabalho final, a comissão, além de não ter autonomia (financeira e política) frente ao Executivo, também se vê desafiada a investigar os acontecimentos que vão não apenas do golpe de Estado ao processo de “redemocratização”, mas, inexplicavelmente, a “investigação” aborda um recorte temporal que se inicia em 1946 e vai até o ano de 1988, desviando assim o que deveria ser seu foco principal.

Esta, não é a primeira vez que o Executivo maquia uma intenção de investigar a verdade sobre os acontecimentos. No ano de 2009, enquanto se completavam 30 anos da anistia, o Estado brasileiro iniciava uma nova “busca” de corpos no Araguaia, iniciativa esta que excluiu a comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos do processo de buscas, colocando a frente do processo, nada mais, nada menos, que o Ministério da Defesa, à época comandado pelo delegado das FFAA Nelson Jobim. Como Comandante da Equipe de Apoio Logístico às incursões figurava o General de Brigada Mário Lúcio Alves, o mesmo que em uma entrevista publicada no jornal “O Norte de Minas”, em 31 de Março de 2008 saldava a ditadura civil militar. A incursão no Araguaia foi um verdadeiro jogo de cena do Estado, sobretudo por confiar nas FFAA, que possuem em seus arquivos secretos todas as informações sobre o paradeiro dos desaparecidos. Como se não bastasse tamanho desrespeito do Executivo às famílias de mortos e desaparecidos políticos, o desenrolar das incursões no Araguaia ainda foi alvo das provocações do arque-reacionário deputado Jair Bolsonaro, que, no seu velho estilo provocador e fascinóra, chegou a colocar uma placa na porta de seu gabinete na Câmara dos Deputados com a inscrição: “Quem busca ossos é cachorro”.

Não se trata de mera teoria da conspiração, as FFAA sabem muito bem o paradeiro dos corpos de diversos companheiros desaparecidos. Esta sádica e criminosa instituição, não satisfeita com sua impunidade, ainda hoje sai a público para provocar sobreviventes e familiares de mortos e desaparecidos com seus lamentáveis atos comemorativos à “revolução de 1964” nos clubes militares e divulgando mentiras sobre o destino dos que tombaram na luta contra a ditadura, prorrogando a dor e o sofrimento de inúmeras famílias e companheiros de desaparecidos que ainda hoje não podem sequer ter as exatas informações das mortes e ter o acesso aos restos mortais. A tortura e os resquícios do terror de Estado seguem e seguirão vivos naqueles que ainda hoje não podem enterrar seus entes queridos em função de uma perversa provocação das FFAA e do Executivo, que não abrem os documentos onde estão e as informações sobre o fim dos desaparecidos.

Em 1993, durante o governo Itamar, o então ministro da Justiça Maurício Corrêa requereu oficialmente às FFAA que disponibilizasse as informações relativas aos 59 guerrilheiros do PCdoB que tombaram no Araguaia. Zenildo Lucena, então a frente do Ministério do Exército repassou o requerimento ao CIE (Centro de Informações do Exército), apresentando logo em seguida relatórios totalmente evasivos, com informações basicamente recolhidas de jornais, para a satisfação de Corrêa. No entanto, este mesmo exército assume no Orvil (livro secreto dos militares com sua versão dos acontecimentos, que acabou vazando duas décadas após sua redação), a prisão e o assassinato de diversos guerrilheiros no Araguaia.

A não divulgação dos arquivos, ainda secretos, das FFAA, outro assunto que o Executivo não enfrenta com decisão, é uma prova cabal do quanto os resquícios do terror de Estado seguem vivos, pairando, ainda que silenciosamente, na sociedade, passados mais de 30 anos do início da transição pactuada. A Comissão, por sua vez, é outro fiasco no sentido de pautar a abertura dos arquivos da ditadura. Em seu parágrafo 2° do artigo 4° o PL afirma que: “os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”. Ou seja, além de não haver a abertura dos arquivos, estes serão fornecidos por seus guardiões, as FFAA, que, na ausência de um decreto obrigando-as a abrir os documentos, mais uma vez irá divulgar papéis “podres” sem nenhuma autenticidade. A impunidade a torturadores, a industriais e banqueiros que respaldaram direta ou indiretamente a ditadura esta mais uma vez garantida.

Como se não bastassem todos estes desmandos, a Comissão ainda tende a impor mais um golpe em sobreviventes e sobre as famílias de desaparecidos, que frente a divulgação de meias verdades não terão sua justa demanda acatada e, portanto, darão sequência às suas reivindicações, sendo assim taxados de “ressentidos” pelo “senso comum”, já que o Estado instituiu uma Comissão da Verdade promovendo a “reconciliação nacional”. Para nós, anarquistas organizados na FAG, a vitória da Verdade e da Justiça, só será possível quando o conjunto das forças populares (movimentos sociais, estudantis, sindicatos e organizações da esquerda) forem capaz de pautar de forma contundente a questão, o que infelizmente não temos visto. O que em países como Argentina e Uruguai é uma espécie de termômetro para a avaliação das forças de esquerda e populares, no Brasil, infelizmente, é tratado em muitos casos como uma questão secundária.

Há que se virar a mesa, levando a questão para as ruas, muros, para os sindicatos, movimentos sociais, estudantis, dentre outros, pois ainda há tempo!

Não esquecemos e jamais perdoaremos!
Verdade e Justiça! Castigo aos culpados!


Conselho Federal da Federação Anarquista Gaúcha - FAG

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