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Fortalecer Nossa Bandeira

category brazil/guyana/suriname/fguiana | movimento anarquista | feature author Friday August 05, 2011 20:52author by Felipe Corrêa Report this post to the editors

Resenha do livro Problemas e Possibilidades do Anarquismo, de José Antonio Gutierrez Danton

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Problemas e Possibilidades do Anarquismo

Resenha do livro Problemas e Possibilidades do Anarquismo, de José Antonio Gutierrez Danton, publicado em 2011, no Brasil, pela Faísca Publicações Libertárias. Nela, o autor, um dos organizadores e apresentadores do livro, discute as principais questões envolvidas no conjunto de artigos compilados: a necessidade de superar os velhos problemas do anarquismo, o anarquismo e a luta de classes, o anarquismo e a questão da organização, a organização política anarquista, o programa anarquista e a política de alianças.

Publicado em 2011, no Brasil, pela Faísca Publicações Libertárias, Problemas e Possibilidades do Anarquismo, do chileno José Antonio Gutierrez Danton[1], reflete, inegavelmente, um avanço nas discussões do anarquismo. Marcado pelo acúmulo e pela maturidade, esse livro[2] do autor reúne seis artigos de fôlego publicados na revista Hombre y Sociedad, do Chile, e no portal Anarkismo.net. Os textos foram publicados em castelhano e começaram a chegar em nossas mãos, no Brasil, por volta de 2008 e ganharam leitores na medida em que foram sendo traduzidos. Eu e Daniel Alves, apresentadores e organizadores da obra, fomos responsáveis pela tradução, pela revisão e pela difusão do material que se encontra agora reunido em livro e disponibilizado aos leitores brasileiros.

FORTALECER NOSSA BANDEIRA

Resenha do livro Problemas e Possibilidades do Anarquismo, de José Antonio Gutierrez Danton


Está na hora do anarquismo sair do pântano da desorganização,
pôr um fim às infinitas vacilações das questões táticas e
teóricas mais importantes, mover-se definitivamente
em direção a um ideal claramente reconhecido e operar uma
prática coletiva e organizada.
Dielo Truda, 1926




PROBLEMAS E POSSIBILIDADES DO ANARQUISMO

Publicado em 2011, no Brasil, pela Faísca Publicações Libertárias, Problemas e Possibilidades do Anarquismo, do chileno José Antonio Gutierrez Danton[1], reflete, inegavelmente, um avanço nas discussões do anarquismo. Marcado pelo acúmulo e pela maturidade, esse livro[2] do autor reúne seis artigos de fôlego publicados na revista Hombre y Sociedad, do Chile, e no portal Anarkismo.net. Os textos foram publicados em castelhano e começaram a chegar em nossas mãos, no Brasil, por volta de 2008 e ganharam leitores na medida em que foram sendo traduzidos. Eu e Daniel Alves, apresentadores e organizadores da obra, fomos responsáveis pela tradução, pela revisão e pela difusão do material que se encontra agora reunido em livro e disponibilizado aos leitores brasileiros.

O livro, além de reunir material que contribuirá sobremaneira com o anarquismo de matriz especifista do Brasil, é também uma merecida publicação deste companheiro e amigo que vem produzindo prolificamente, com indiscutível qualidade, como ressaltamos na apresentação do livro, “no intuito de gerar um acúmulo do debate teórico, da análise de cenários conjunturais, da reflexão crítica de processos históricos em que nossa corrente esteve ou deixou de estar presente e, sobretudo, da reflexão e da proposição de uma consistente e significativa intervenção no atual cenário, que não se encerre em declarações e contemplações abstratas de princípios, mas que seja capaz de forjar em meio ao povo um campo libertário, criando poder popular em meio à luta de classes”.[Problemas e Possibilidades do Anarquismo (PPA), p. 10]

É uma alegria, portanto, que o livro tenha sido publicado e que possamos iniciar um debate em torno de seu conteúdo, que certamente trará ganhos indiscutíveis para o anarquismo que temos buscado construir em nível global. Acredito que todo o conteúdo da publicação contribui enormemente para o fortalecimento do anarquismo e sua motivação de impulsionar uma alternativa popular libertária rumo a um processo de transformação revolucionária. Apresentarei nessa resenha as linhas gerais da contribuição do autor, tratando dos temas abordados didaticamente e de maneira transversal.


PARA SUPERAR VELHOS PROBLEMAS

A premissa de todos os artigos que compõem o livro é a seguinte: não há como pensar o presente e o futuro se não se faz uma análise, crítica e lúcida, do passado. Ainda que o tema seja particularmente tratado no artigo “A Importância da Crítica para o Desenvolvimento do Movimento Revolucionário”, ele constitui um eixo transversal que constitui o fundamento de todo o livro e de suas respectivas propostas construtivas. Ainda que se pense que um processo amplo de crítica e autocrítica possa ser autodestrutivo ou oferecer “armas aos inimigos”, o autor acredita no contrário. No mesmo espírito que caracterizou a redação da Plataforma em 1926, ou as posições de outros militantes – como Lucy Parsons, citada na introdução do livro – ele tem uma posição bastante pragmática do assunto.

Se o anarquismo não conseguiu estabelecer o socialismo libertário desde que foi criado, então algo tem de estar errado. Assim como os exilados russos, autores da Plataforma, e a militante norte-americana, ele assume que houve, sem dúvidas, diversos fatores externos ao anarquismo que contribuíram com suas derrotas, mas, além disso, ele sustenta que se deve reconhecer, também, que houve problemas internos ao anarquismo. É sobre essa crítica que, para ele, deve-se formular respostas para o presente e o futuro. Como Gutierrez coloca algumas vezes, é necessário “menos autocomplacência e mais autocrítica”, para uma análise do anarquismo, se o objetivo é construir um futuro distinto:
“Ainda hoje, estamos acostumados a culpar os autoritários, os burocratas e os reformistas por nossas derrotas, e, assim, lavamos nossas mãos das responsabilidades que nos cabem por não termos sido capazes de imprimir uma orientação diferente aos movimentos. Devemos, antes de ser críticos, ser autocríticos. Pois se não somos capazes de reconhecer a porção de responsabilidade que nos cabe, primeiramente, isso significa que não seremos capazes de aprender as lições que nos dizem respeito para poder avançar. Mas também significa que assumimos nossa impotência e nossa irrelevância nas lutas populares. Pois, se a culpa sempre é dos outros, estamos assumindo que nossa presença, como anarquistas, não faz nenhuma diferença, não tem nenhum efeito. Então, a autocrítica deve sempre preceder a crítica na hora de avaliar os fracassos e derrotas. E podemos ir jogando a autocomplacência pela janela: sempre há algo que poderíamos (ou que podemos) fazer melhor. Negar isso não tem nada de revolucionário, mas sim de conservador e de reacionário.”[PPA, p. 112]

Portanto, muito mais do que constituir uma atitude autodestrutiva ou de fornecer armas para o inimigo, esse processo de avaliação com autocrítica, sustentado e utilizado pelo autor, constitui-se, muito honesta e humildemente, como uma observação dos fatos que considera que, se acreditarmos que tudo está e sempre esteve correto, as chances de percorrermos os mesmos caminhos, sem superar os erros ou as insuficiências, serão imensas. Posição que para ele deve fazer parte do cotidiano militante.

E certamente não é uma avaliação individual de Gutierrez que apontará os elementos que devem ser objeto de crítica e autocrítica: por isso, mais do que qualquer outra coisa, o livro é um convite ao debate, para que se possa avançar na construção de um projeto, de uma alternativa libertária: “Certas posições e certos pontos necessários no debate para começar a construir essa alternativa libertária. [...] Onde não há debate, não há desenvolvimento, nem do pensamento, nem da ação revolucionária.”[PPA, pp. 26; 29].

Portanto, se queremos desenvolver ação e pensamento revolucionários, temos de estar dispostos ao debate. Mas, historicamente, a partir da visão proposta, temos sido capazes de debater, interna e externamente, de maneira adequada? Segundo o autor, devemos abandonar algumas posturas que são comuns aos anarquistas, e também aos outros setores da esquerda, como o dogmatismo e o sectarismo.

Gutierrez acredita que nas fileiras do anarquismo ainda há muito dogmatismo:
“O menor contato dos círculos anarquistas com a realidade nos mostra uma realidade bem diferente destas declarações autocomplacentes. Ainda que muito se fale sobre a falta de ‘dogmatismo’ no anarquismo, o que encontramos freqüentemente é uma falta de reflexão sistemática, misturada com o mais recalcitrante dos dogmatismos, em que a análise serena da realidade é substituída por uma série de categorias apriorísticas e incompatíveis com a realidade.”[PPA, p. 124]

Um dogmatismo que ainda está muito presente, e que, sem tradição de debate franco, dá base, muitas vezes, a uma compreensão da crítica como ataque, e constitui espíritos incapazes de aceitar as diferenças e que se dedicam, constantemente, mais a excomungar do que a discutir com maturidade. Certamente, esse é um velho problema que tem de ser superado.

O sectarismo, definido como “incapacidade de tolerar posições teóricas ou práticas diferentes das suas”[PPA, p. 101] é outro problema a ser superado, que ainda permeia distintos setores do anarquismo. Para Gutierrez, o sectarismo caracteriza-se, muitas vezes, no anarquismo, por uma prática elitista de rechaçar o contato com os trabalhadores e com setores dos movimentos populares para “não manchar nosso imaculado movimento”.[PPA, p. 103] Ele acredita que “o sectário é incapaz de reconhecer os méritos alheios e carece de inteligência ou de critério para discernir, em uma discussão, com o que está de acordo ou do que diverge: sua atitude é de aceitação ou rechaço absolutos.”[Ibid.] E não é só isso: “o sectário carece de honestidade e sentido crítico para debater, e limita-se a denunciar e a cair em diálogos de surdos”. Geralmente, a visão de mundo do sectário “é tão rígida, tão inflexível, tão fanática, tão amarga, tão indesejável e pouco atrativa que acaba mais por espantar o povo do que por atraí-lo à causa revolucionária”.[PPA, p. 104].

Dogmatismo e sectarismo, com freqüência, constituem as bases para os ataques internos, que fazem com que se esqueça da militância e dos verdadeiros inimigos para se atacar com veemência os adversários políticos, estejam eles no mesmo campo ideológico ou não. Fundamentado nas posições de Luigi Fabbri, o autor demonstra como as brigas internas e o “espírito inquisitorial” mais afasta do que agrega. Não se deve nunca, segundo ele, priorizar os ataques pessoas e as brigas e polêmicas não-construtivas em relação às lutas. São essas lutas que definirão o campo estratégico do político, aliados, inimigos, adversários e deve-se ter uma posição adequada com cada um desses distintos atores.

Entretanto, deve-se ter cuidado com a crítica e a autocrítica. Pois, se elas são centrais e fundamentais, não podem impedir o espírito construtivo. Não se constrói nada por meio da pura e simples crítica e é por isso que Gutierrez coloca sempre a noção de crítica dentro de um espírito completamente construtivo. A crítica e a autocrítica devem ser levadas a cabo com o objetivo de construir, e não de destruir; assim, identificar um problema implica, obrigatoriamente, a proposição de uma alternativa. Essa postura responsável, de crítica construtiva, deve, segundo acredita, permear todo o anarquismo, e, assim, superar as posições destrutivas que se fundamentam apenas na crítica.

O autor alerta para práticas existentes que podem minar esse espírito de crítica construtiva: a falta de debate, o “denuncismo”, a política de um “vigiar” o outro, as palavras de ordem vagas, a desqualificação das posições alheias e as tentativas de elevar todas as divergências às questões de princípio. Como enfatiza Gutierrez: “A crítica e o debate devem ser ferramentas para a construção, antes de tudo.”[PPA, p. 139] Ao priorizar o espírito construtivo, ele se fundamenta na noção de “consciência de partido”, formulada por Camilo Berneri, que busca superar problemas de discussões que substituem o conteúdo pela forma, de falta de consciência, de falta de crítica, de vaidade, de visão ideológica da realidade, das fórmulas prontas e simplistas. Aponta, enfim, para uma renovação que seja capaz de conservar o que serve e descartar o que não serve.

O espírito construtivo deve, também, acredita o autor, contribuir para o diálogo e o debate com outros setores da esquerda, revolucionários ou não. Ele sustenta que essa prática, franca e respeitosa, facilitará a aproximação de pessoas que ainda não estão envolvidas com o anarquismo; para que se ultrapasse a pregação para aqueles que já estão “convertidos”. É por meio do debate, permeado de espírito crítico e construtivo, que se poderá atrair para nossas fileiras setores mais amplos com os quais se poderá contar para o desenvolvimento de nosso projeto. “Podemos nos aproximar daqueles que se atraíram por outras correntes, podemos ganhar para as nossas posições outras organizações ou podemos aprender com elas e nos dar conta que, em algum aspecto determinado de nossa política, estamos equivocados.”[PPA, p. 141] Assim, ainda que essa aproximação não nos permita aproximar pessoas, ela permite, ao menos, aprimorar nossas posições.

Para esse debate, coloca Gutierrez, é muito relevante, além das noções teóricas, uma noção de prática, de trabalho social militante, que, segundo sustenta, contribuirá para ancorar a discussão na realidade e para que o debate não se resuma às especulações filosóficas. E finaliza: “A esquerda tradicional tem sido sectária, dogmática e tem freqüentemente ignorado a realidade ao seu redor. Não acredito que os anarquistas, no geral, tenham sido muito melhores. É hora de dar o exemplo.”[PPA, p. 142]


ANARQUISMO E LUTA DE CLASSES

Se Problemas e Possibilidades do Anarquismo tem como objeto de discussão o próprio anarquismo, não se poderia evitar a definição desse objeto e a identificação de suas origens.

Para Gutierrez, “a base da luta revolucionária é a contradição entre duas classes fundamentais: a classe trabalhadora e a burguesia”.[PPA, p. 69] Sustentando uma definição da classe trabalhadora que a coloca como um dos pólos fundamentais das relações sociais que definem o capitalismo, ele reivindica as relações de trabalho como seu fundamento principal:
“A classe trabalhadora é parte de uma relação dinâmica, dialética, e não um conjunto de personagens imutáveis. Suas principais características são: sua dependência do sistema salarial; sua condição subordinada na organização hierárquica do trabalho (na qual todos terminamos sempre tendo alguém sobre nós); sua condição de geradora de mais-valia, que é apropriada pelos capitalistas; e por conseguinte, o fato de ser explorada.”[PPA, pp. 69-70]

A relação contraditória entre burguesia e classe trabalhadora “é a realidade que está por trás da sociedade (capitalista) moderna, e que lhe dá forma. É uma realidade, mas refere-se a uma relação.”[PPA, p. 70] No entanto, a luta de classes travada entre essas duas classes não pode ser entendida esquematicamente; “se fosse somente uma questão de número”, coloca, “a classe dominante já teria sido expulsa do poder há muito tempo. Entre estes dois pólos existe uma ampla gama de intermediários e, além disso, o conflito de classes assume expressões concretas em sujeitos concretos.”[Ibid.]

O autor coloca a possibilidade de classificar esses sujeitos com base em três indicadores: 1.) Problemas e interesses imediatos; 2.) Tradição de luta e organização; 3.) Lugar ou atividade comum. Esses sujeitos, acredita, podem estar passivos, mas possuem “potencial para converter-se em um gatilho da luta de classes”.[Ibid.] Não necessariamente, coloca, esses sujeitos conformam uma classe em si; entre estudantes, trabalhadores urbanos, moradores de comunidades e camponeses, para ele, somente os trabalhadores constituiriam, de fato, uma classe, já que sua definição de classe, conforme mencionado, toma como marco de definição as relações de trabalho.

Os outros sujeitos, segundo acredita, seriam constituídos por elementos de distintas classes e todo o tipo de escalas: “pequena-burguesia, burguesia, a nebulosa classe média, elementos marginais e classe trabalhadora”.[PPA, p. 71] Assim, para Gutierrez, nos agrupamentos estudantis, comunitários e camponeses haveria, também, estratificações diferenciadas: há estudantes que têm mais probabilidade de fazerem parte da classe trabalhadora, outros, farão parte da burguesia – o mesmo valendo para moradores dos distintos bairros. Nas escolas e nos bairros, a distinção de classes continua a existir. A questão do campesinato não fica muito clara; certamente constitui uma classe explorada pelos proprietários de terra, a não ser que se considerem camponeses, também, os proprietários que exploram o trabalho de outros.[3]

O mais importante dessa análise é a caracterização que Gutierrez realiza do capitalismo como uma sociedade de classes, que coloca em pólos opostos trabalhadores e burgueses, caracterizando um processo permanente de luta de classes. Para ele, esse é o principal aspecto do sistema capitalista.

Constituindo-se como um tipo de socialismo, no contexto de desenvolvimento do capitalismo, surge o anarquismo, imerso nessa luta de classes e posicionado, claramente, desde o nascimento, no campo da classe trabalhadora. O anarquismo, segundo o autor, não é externo ao proletariado, mas se desenvolveu
“como uma força viva e orgânica nas primeiras associações de classe, em suas primeiras experiências de luta, caracterizando[-se] como uma prática real de combate, como uma interpretação dos desejos e aspirações da classe diante de um sistema de opressão, e ao mesmo tempo como uma crítica à institucionalidade burguesa e estatal. Estas origens do anarquismo, arraigadas na própria luta de classes, foram interpretadas e sistematizadas pelos clássicos do anarquismo, principalmente por Bakunin e Kropotkin. O anarquismo não nasceu como fruto de ‘profundos’ estudos das ciências sociais; ainda que os clássicos tenham utilizado os progressos nas ciências sociais do século XIX, colocando-os a serviço deste movimento que se desenvolvia no segmento mais lúcido do proletariado. É por este trabalho que devemos tanto aos clássicos, que deram forma e coerência a essa teoria que crescia no calor das greves e das insurreições, que se expressava instintiva e radicalmente na imprensa operária da época.”[PPA, pp. 40-41]

Assim, o anarquismo nasce de uma relação dialética entre os crescentes movimentos de massas do século XIX e a capacidade de síntese dessas práticas e de elaborações próprias que foram sendo forjadas pelos clássicos. Surge, portanto, da luta de classe dos trabalhadores contra a emergente burguesia, como um setor da classe trabalhadora. “O anarquismo”, segundo Gutierrez, “é fruto da experiência acumulada pelo proletariado na luta de classes”.[PPA, p. 41] As bases essencialmente classistas do anarquismo caracterizam-se por essa origem popular, por razão da classe para a qual “dirige sua atenção e seu discurso” e pelos “objetivos estabelecidos em seu programa”.[Ibid.] “O anarquismo representa o programa que reúne em torno de si um setor, um movimento histórico dentro da própria classe, que se identifica com os aspectos fundamentais da prática e do pensamento libertários.”[PPA, p. 39]

Essa análise das bases classistas do anarquismo serve, para o autor, para colocar, acertadamente a meu ver, onde deve estar o anarquismo. Por mais que isso pareça natural para alguns, o anarquismo surgiu dessas bases populares e nunca deveria ter se afastado delas; o que, historicamente, aconteceu, ainda que em seu próprio detrimento. Nesse sentido, o livro de Gutierrez constitui um esforço para incentivar a retomada desse classismo, de maneira que o anarquismo possa voltar a ter protagonismo entre as massas. Seu objetivo é claro:
“converter o anarquismo em um projeto social de transformação, em uma visão política que possa inspirar o conjunto do povo a lutar. Um anarquismo que volte a levar o movimento libertário ao coração das massas que dia após dia luta para melhorar sua condição social e criar um novo mundo.”[PPA, p. 28]

ANARQUISMO E ORGANIZAÇÃO

Discutir a questão da organização no anarquismo exige que se busque material relativo a dois níveis organizativos: um primeiro, mais desenvolvido, sobre a proposta anarquista para a organização no nível de massas, e um segundo, menos desenvolvido, sobre a proposta anarquista para a organização política, o partido.

No primeiro caso, foram os anarquistas que impulsionavam o sindicalismo revolucionário e/ou o anarco-sindicalismo que aprofundaram a questão da organização desse nível de massas, social. Retomando as propostas anarquistas para a construção da estratégia do sindicalismo revolucionário, o autor aponta experiências como a Confédération Général du Travail (CGT) francesa, o Industrial Workers of the World (IWW) norte-americano, e outras organizações sindicais que se espalharam pelo mundo durante o século XX, inclusive na América Latina. No entanto, aponta Gutierrez, os anarquistas, nesses casos, “solucionam, em certa medida, o tema da organização revolucionária para o conjunto do proletariado como classe, mas não para o setor do proletariado que se reivindica anarquista.”[PPA, p. 35] A discussão que mais se desenvolveu em relação à temática da organização dizia respeito, portanto, ao nível social, tomando corpo na estratégia do sindicalismo revolucionário, hegemônica no anarquismo durante o século XX.

O segundo caso, para o autor, diferente do primeiro – que experimentou histórica e teoricamente maior desenvolvimento – diz respeito à organização política, ou, como se chamou algumas vezes, do “partido anarquista”, o nível político. Ainda que essa prática e alguma teoria estivessem já presentes em Bakunin, no próprio nascimento do anarquismo, Gutierrez acredita que elas não foram suficientes para aprofundar a questão de maneira devida. Para além desse desenvolvimento do tema da organização específica anarquista em Bakunin, que apareceu um pouco menos enfaticamente em Malatesta e até em Kropotkin, o autor coloca que a discussão clássica, decisiva para o anarquismo em nível mundial, deu-se com a polêmica que tomou corpo nas propostas das “Sínteses” e da “Plataforma”, as quais foram mais amplamente discutidas na Europa.[4]

A proposta da Síntese, “em certa medida, é herdeira desta concepção puramente propagandista do grupo anarquista de afinidades”, sustenta que “os anarquistas das diversas tendências (ignorando que muitos ‘anarquistas’ não possuem muito mais em comum do que uma simples identificação como anarquistas) deveriam organizar-se em grupos de afinidade e federar-se sem a necessidade de que houvesse nada além do seu reconhecimento como anarquistas”.[PPA, p. 36] A da Plataforma, diferentemente, desenvolveu-se
“com base em uma profunda crítica da situação de organização do anarquismo e da debilidade teórica com a qual se contentava um movimento em que valia praticamente tudo, contanto que fosse chamado de ‘anarquista’, e que, muitas vezes, era vazio de qualquer conteúdo. Com base nesta crítica, [seus autores] propõem que a unidade dos anarquistas não poderia surgir de uma simples aglutinação de individualidades e grupos em torno de um denominador comum (‘anarquista’), mas de uma unidade ideológica e tática, fruto de profundas reflexões e discussões, feitas no calor da experiência prática, dos métodos e das idéias. A organização deveria ter coesão a partir de dois eixos principais: a responsabilidade coletiva e o federalismo.”[PPA, pp. 36-37]

O espírito que permeia todos os artigos de Problemas e Possibilidades do Anarquismo é o da Plataforma, tanto no que diz respeito ao processo de crítica e autocrítica do anarquismo, quando nas propostas que realiza para a organização anarquista nos distintos níveis. “O essencial da Plataforma”, coloca Gutierrez, é a busca de “como construir uma organização que reúna os anarquistas de idéias afins em função de propostas e táticas concretas – ou seja, uma ‘organização política’ em oposição àquilo que é um grupo puramente ideológico”.[PPA, p. 86]

Assim, o problema que o autor busca resolver é duplo: tanto no que diz respeito ao nível social, com os desenvolvimentos anarquistas acerca das estratégias para o movimento popular, quanto no que diz respeito ao nível político, com as propostas anarquistas que se consolidam e que, de certa maneira, se aprofundam com a Plataforma. Nesse sentido, coloca-se um traço marcante e que constitui uma questão transversal aos artigos: a necessidade de organização em dois níveis: social, de massas, e político, de partido. Fundamentado nas práticas históricas, clássicas e recentes, Gutierrez sugere a possibilidade de um nível intermediário, ao mesmo tempo político e social, de tendência. E assim explicita o que são e quais são os papeis desses três níveis de organização.

Primeiramente, o nível social, um âmbito caracterizado pelas organizações populares e de massas:
“Este âmbito compõe-se daquelas organizações que agrupam um único sujeito popular de luta, independente de suas posições políticas (sindicatos, conselhos estudantis, organizações comunitárias, etc.). [...] A maneira de conseguir influenciar nelas é por meio da agitação em torno de demandas concretas, por meio de nossas práticas e da denúncia constante, em seu seio, das contradições sociais. É nesse tipo de organização que a unidade do mais amplo conjunto do povo é possível, e é esse o objetivo que essas organizações devem buscar. [...] Essas organizações podem politizar-se no curso da luta e no natural curso da luta de classes. Sem importar o quão politizadas estão essas organizações, elas não podem jamais confundir-se com um grupo político ou com uma tendência. E devemos deixar sempre claro que nosso objetivo é que nossas idéias influenciem amplamente, mas que devemos evitar impor etiquetas ideológicas sobre essas organizações, e evitar os expurgos ideológicos – particularmente dos setores minoritários.”[PPA, p. 75]

Em segundo lugar, o nível político-social, um âmbito das tendências, redes e frentes:
“Este âmbito representa um nível intermediário em que se aglutinam elementos de um sujeito popular específico, mas que têm em comum certas linhas políticas. Este último ponto marca a diferença mais sensível em relação ao âmbito social. Esta inclinação política não pode ser, em todo caso, tão definida como àquela requerida para o pertencimento a um partido ou grupo político. Certos militantes ou ativistas que compartilham uma mesma visão e que compartilham políticas em relação ao ponto específico que lhes une (seja a atividade sindical, estudantil ou comunitária), organizam-se para formar uma certa tendência no seio de um movimento ou organização maior. [...] Não é necessário estar de acordo em tudo. [...] Mas aqueles que compõem essas frentes podem estar em desacordo sobre muitas outras questões que não afetam a luta específica nem o trabalho cotidiano da organização da qual são membros e que, por isso, são irrelevantes para o nível de unidade requerido nestes espaços.”[PPA, pp. 76-77]

Finalmente, o nível político, da organização política, do partido:
“Este âmbito é o mais específico de todos, e compõe-se de pessoas provenientes de diversos setores populares (estudantes, trabalhadores, etc.), que compartilham uma orientação política e um programa (que em nosso caso é libertário e revolucionário). Por serem provenientes de diversos espaços sociais, é evidente que esse âmbito poderá referir-se, primordialmente, à transformação de toda a sociedade. A unidade, neste âmbito, é muito mais restrita, envolvendo níveis superiores de unidade tática e ideológica. A unidade não teria maior sentido diante da incapacidade de ter acordo em relação a um programa coletivo de intervenção na sociedade, pela própria heterogeneidade de seus componentes, o que impossibilitaria o trabalho em reivindicações mais cotidianas. Estes componentes heterogêneos somente se unem por questões transversais. Aqui se refletem mais claramente as posições sobre a luta de classes e sobre as diversas opções classistas assumidas pelas diferentes forças políticas, pois é o espaço transversal em que se evidencia a natureza policlassista dos sujeitos em função de um dado projeto.”[PPA, pp. 77-78]

Discutindo a relação entre esses níveis, Gutierrez coloca que, na maneira libertária de organização, não há hierarquia e dominação de um nível em relação ao outro – aspecto que marca a distinção entre essa maneira do anarquismo conceber a organização política e dos leninistas, trotskistas etc. “Todos os âmbitos são autônomos em relação aos outros, na medida em que as decisões devem ser tomadas pelas bases de cada um desses âmbitos.”[PPA, p. 78] Cada um desses níveis deve ter condições de realizar seu potencial, utilizando como requisitos fundamentais a democracia direta e a participação de base. Se no modelo anarquista os níveis político-social e social não podem servir como braços do nível político, que funcionaria, nesse caso, como cabeça do corpo, o contrário também não pode acontecer: que o nível político seja uma correia de transmissão dos outros níveis. A interação, nesse caso, é complementar e dialética.


A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA ANARQUISTA

Pode-se dizer que a maior contribuição do livro de Gutierrez está em torno do tema da organização política anarquista, tema que possui destaque, que, de uma maneira ou outra, está presente em todos os artigos e que possui contribuições próprias significativas do autor.

Mas o que exatamente ele entende por organização anarquista? A organização anarquista é um agrupamento não-hierárquico, com ampla democracia interna, de distintos setores da classe trabalhadora, que reúne, em torno de um programa, militantes anarquistas conscientes, com ímpeto revolucionário, que têm por objetivo desenvolver, de maneira antiautoritária, as tendências libertárias populares e fazer avançar a luta de classes, sem se utilizar da democracia representativa burguesa, das instâncias do Estado e, por meio de uma revolução, chegar ao socialismo.[PPA, pp. 39, 51]

Como parte da classe trabalhadora, a organização anarquista “representa, em seu próprio direito, as opiniões de um setor desta classe. E temos o dever de expressar nossa opinião no interior da classe e de participar ativamente da organização popular para enfrentar o capitalismo e lutar pelo novo mundo de liberdade que tanto almejamos.”[PPA, p. 49] Essa organização “não pretende inserir nada de forma artificial na classe, mas [...] desenvolver as tendências libertárias que já estão presentes nela, é uma necessidade para o êxito do povo em suas lutas”.[Ibid.] Nesse sentido, a organização anarquista também contém os defeitos e as virtudes da classe; deve buscar superar os defeitos e impulsionar as virtudes, o que significa impulsionar a criação e o desenvolvimento de uma moral revolucionária “que potencialize os aspectos positivos e as virtudes do povo (as práticas solidárias, por exemplo) e combata seus defeitos (os vícios, por exemplo)”.[PPA, p. 50]

Gutierrez enfatiza que a organização anarquista não é um partido de vanguarda: “não só representamos um setor da classe, como minoria ativa em direito próprio, mas também não podemos, sob qualquer circunstância, acreditar que estamos fora do mundo popular e que somos iluminados”.[Ibid.] Para ele, a organização anarquista só pode desenvolver suas atividades “por meio do trabalho no meio popular – ombro a ombro, e não como extraterrestres que chegam do espaço com a verdade”.[PPA, p. 51] É nesse sentido que ela se diferencia de um partido leninista/trotskista: a organização anarquista não está fora da classe e não possui uma consciência que lhe coloca na posição de querer iluminar seu caminho. Não está acima do povo e nem de suas organizações populares, e não exerce sobre elas relação de hierarquia e dominação. Quando o autor fala em atuar “ombro a ombro”, o que ele está enfatizando é justamente a idéia de que na relação entre a organização anarquista e os outros níveis (político-social e social), ela se coloca em uma relação de atuar com a classe, junto com a classe, buscando impulsioná-la no sentido de suas proposições libertárias, e não lutar pela classe, por meio de qualquer substituísmo, ou mesmo à frente da classe.

No entanto, se a organização anarquista não se quer um organismo externo à classe, que atue à frente ou acima dela, ela também não pode cair no extremo oposto, de atuar atrás ou mesmo abaixo dela – em um processo que poderíamos chamar de “reboquismo”, quando a organização anarquista funciona como correia de transmissão da classe, assumindo um tipo de populismo e incorporando todos os defeitos da classe e as próprias influências dos inimigos de classe que se encontram dentro dela.[PPA, p. 48]

Outra contribuição central que Gutierrez traz é a necessidade daquilo que chama de um “salto qualitativo” do modelo dos coletivos e grupos de afinidade para a organização anarquista, quando discute o desenvolvimento do anarquismo na América Latina:
“Notávamos que a maioria das organizações continuava reproduzindo o modelo dos grupos de propaganda. Estes grupos de propaganda tiveram um trabalho importante. [...] Mas [...] esta lógica de organização mostrava-se insuficiente. Muitos de nós tínhamos cada vez mais consciência da necessidade de dar o salto qualitativo dos grupos de propaganda para organizações de caráter político-revolucionário. Como dar este salto? Por muito tempo, acreditamos que iríamos encontrar a resposta para esta pergunta em certos formalismos: a organização como mera estrutura, o número de militantes ou a quantidade de áreas em que nossos militantes estavam inseridos. Na realidade, nada disso era o fundamental. [...] No fim das contas, continuávamos sendo grupos de propaganda. E com a limitação que isso representa para o desenvolvimento do movimento. Era necessário, então, ir para além dos formalismos: o salto dos grupos de propaganda para a sólida organização política revolucionária requer uma transformação política de fundo, que permita um crescimento em termos políticos e que permita a transformação do movimento libertário em um movimento de massas. Esta transformação é a tradução da prática e do pensamento libertário em um programa revolucionário concreto de ação. E é esta a fase atual em que muitos movimentos libertários a nível global encontram-se hoje, tratando de definir um projeto libertário para o presente e o futuro imediato.”[PPA, pp. 83-84]

Ele sustenta, portanto, essa ampla transformação do anarquismo, saindo dos antigos grupos de afinidade e coletivos de propaganda, para conformarem organizações políticas capazes de impulsionar um movimento libertário amplo. “É certo que o fato de existir a organização política revolucionária não garante que nos transformemos em uma alternativa; mas também é certo que sem a organização, a alternativa jamais terá a possibilidade de concretizar-se.”[PPA, p. 66]

A função da organização anarquista é dar coesão ao conjunto de militantes, proporcionando uma intervenção mais forte na realidade e evitando a dispersão ocasionada por concepções espontaneístas. No nível social, o espontaneísmo caracteriza-se pela crença que as massas, por si sós, sem organização prévia, podem insurgir-se e levar a cabo um processo de transformação revolucionário e socialista. No que diz respeito aos anarquistas, o espontaneísmo caracteriza-se pela crença de que basta os anarquistas estarem, de alguma maneira, fazendo algo, que poderão promover suas idéias. A organização anarquista existe, antes de tudo, para superar essas posições espontaneístas; ela atua organizada potencializando seu intervir no jogo de forças e auxilia no trabalho de organização que é fundamental para a transformação social. A espontaneidade não é negada, mas considerada insuficiente se não puder ser canalizada em um processo organizativo mais amplo capaz de acumular forças e superar o curto prazo.

Essa questão envolve outras funções da organização anarquista: promover a regularidade da militância e o acúmulo, de maneira a superar a conjuntura e as ações táticas e poder acumular para um processo estratégico. Gutierrez coloca que a organização política “permite manter um trabalho regular em meio ao povo. [...] Ainda que seja, de fato, afetada pelos vaivens da militância e da atividade popular, é mais regular e pode ter mais continuidade que muitas organizações sociais que são, no geral, bastante dependentes da conjuntura.”[PPA, p. 52] É por meio desse nível organizativo que os anarquistas conseguem promover uma estratégia, independente de o nível social estar em fluxo ou refluxo.

Além disso, a organização anarquista permite “conectar as distintas realidades da luta em uma perspectiva global e unificadora”.[PPA, p. 53] Sabendo-se que os distintos movimentos populares estão, muitas vezes, separados, desunidos, atuando cada um em torno de suas próprias questões, a organização anarquista tem por função fazer essa conexão das distintas realidades que, enfatizando a necessidade de superar o nível tático das ações, aponte para um projeto estratégico de transformação a ser levado a cabo por um amplo conjuntos de movimentos populares, algo como uma frente de oprimidos, uma organização popular que tenha condições de unir o disperso e engajar num processo de luta o conjunto dos oprimidos.

Uma noção muito clara é apontada por Gutierrez: “não é menos certo que no seio do povo também coexistam tendências autoritárias nada desprezíveis. E ao desprezar sua importância, permitimos a reconstituição do setor autoritário no campo popular, ou a legitimação do Estado e do capitalismo.”[PPA, p. 60] Ou seja, analisando as correlações de forças do campo popular de maneira lúcida, o autor, por meio dessa afirmação, coloca a máxima de que se os libertários não se desenvolverem nos meios populares, os autoritários certamente o farão. Não se pode desconsiderar que, dentre as várias forças presentes no campo popular, várias não promovem a estratégia anarquista e, por isso, a organização anarquista tem o dever de impulsionar essa estratégia e, ainda que haja setores espontaneamente libertários, a organização deve fortalecê-los e garantir o avanço de seu programa. No jogo de forças colocado, são os anarquistas que, por meio de sua estratégia, devem constituir a maior força organizada e conseguir exercer a maior influência nos movimentos populares.

Essas tarefas impõem à organização anarquista um funcionamento determinado e algumas premissas fundamentais para que o trabalho caminhe nesse sentido desejado.

Gutierrez coloca que a organização anarquista “serve como uma escola, na qual aprendemos uns com os outros, a partir de nossas distintas experiências”.[PPA, p. 54] O que implica que ela não pode ser concebida como um organismo que nunca erra, que não tem nada a aprender e que é composta de militantes que estão acima do bem e do mal, e, portanto, da realidade. Conceber a organização anarquista como uma escola, implica, em nossa concepção libertária, que às vezes ensinaremos e às vezes aprenderemos, tanto em nossas relações internas (dentro da organização), quanto externas (no trabalho social). Um processo que afirma a necessidade tanto da teoria quanto da prática da organização anarquista, que não pode ficar presa em num “teorismo” estéril, sem conexão com a realidade, e nem num “praticismo”, incapaz de desenvolver teoria. “A organização revolucionária é, por excelência (não sendo qualquer outro espaço da mesma maneira), o ponto de convergência entre a teoria e a prática.”[PPA, p. 54] Ou seja, “não há prática revolucionária sem teoria revolucionária e não há teoria revolucionária sem prática revolucionária”.[PPA, p. 59]

Essa dialética entre teoria e prática, conforme coloca o autor, tem de fornecer as bases para que a organização anarquista se fundamente nas análises e não nas improvisações. As improvisações podem, às vezes, ser necessárias, mas nunca devem ser regra na organização anarquista.
“A organização revolucionária deve ser capaz de extrair os aspectos positivos de nossos êxitos, assim como de avaliar as derrotas e extrair delas as lições da história. Somente assim nossas derrotas de ontem serão nossos futuros triunfos. A organização revolucionária deve ser um órgão de preparação para a revolução, em todos os sentidos; é este o caráter fundamental que deve distingui-la do restante dos partidos e das organizações funcionais do sistema. Aqueles que, por vício espontaneísta ou por dogmatismo, deixam de lado a necessidade de aprender com as nossas experiências e o trabalho preparatório da organização, deixando um terreno fértil à improvisação, atuam de forma irresponsável, já que, podendo poupar sofrimentos do povo, não se ‘previnem’ de repetir erros passados ou de cair em práticas que, sabe-se facilmente, conduzirão ao fracasso. Nossos inimigos, a burguesia e o Estado, encontram-se sempre preparados para combater qualquer sinal de sublevação; diante de tais inimigos, devemos estar igualmente preparados e atentos. Dessa forma, o papel da organização revolucionária, nesse sentido, assim como em seu combate à simples improvisação, é fundamental.”[PPA, pp. 51-52]

A busca dessa reflexão crítica acerca dos diversos processos que envolvem a organização anarquista exige também a observação do passado e, com base nas experiências teóricas e práticas, extrair o que deve ser mantido, o que precisa ser renovado e aspectos que ainda têm de ser desenvolvidos. Exatamente o espírito crítico-construtivo apontado no início do texto.

Gutierrez também enfatiza a necessidade de a organização anarquista atuar por meio de uma estratégia coerente que se reflita em um programa. “Precisamos ser mais do que tática e nos converter em estratégia. O anarquismo requer um programa, um projeto de sociedade, não somente para o glorioso dia da revolução, mas também para o aqui e agora.”[PPA, p. 63] Assim, o autor aponta a necessidade de superação do curto prazo e passar a promover um conjunto estratégico que englobe as táticas e que se expresse em um programa. O programa, que será discutido a seguir, deve reunir as leituras da realidade, os objetivos da organização e o conjunto tático-estratégico, que envolve ações no curto, médio e longo prazo. Certamente, nesse programa deverão estar previstas as alianças, visto que a organização não serve para isolar os anarquistas da realidade, mas para proporcionar uma melhor interação dos anarquistas com a realidade. Essa realidade, certamente, estará composta, nos diferentes estágios da luta, por pessoas das mais distintas concepções ideológicas. Assim, participar da organização anarquista implica conceber e realizar alianças, tendo em mente que sempre será necessário atuar com gente diferente.

Para além do que já foi colocado, pode-se dizer há duas contribuições do autor que avançam em relação aos clássicos. Elas dizem respeito ao programa anarquista e a política de alianças das organizações anarquistas.


O PROGRAMA ANARQUISTA

Retomando, Gutierrez sustenta que o programa é central para o anarquismo. Por um lado, ele coloca que o anarquismo representa historicamente um programa que reúne em torno de si um setor da classe trabalhadora. Por outro, afirma que a organização anarquista agrupa um setor da classe em torno de um programa. Essas afirmações não significam, entretanto, que o programa anarquista já esteja pronto; que bastaria fazer uma junção de tudo aquilo que se utilizou estrategicamente desde o surgimento do anarquismo e estaria acabado. Não. É necessário, conforme ele coloca, avaliar o passado de maneira a verificar aspectos que deverão ou não ser mantidos e aqueles que deverão ser desenvolvidos, de maneira a dar conta de uma realidade histórica e geográfica determinada. “Nosso anarquismo deve ser isso: o encontro original de uma tradição de luta internacional, universal, válida onde quer que esteja, com um espaço local e concreto onde ele seja levado à prática.”[PPA, p. 63] Segundo o autor, o anarquismo, ao expressar-se num programa, utiliza-se do velho, mas também concebe o novo; pensa no global, sem esquecer do local: “Podemos nos inspirar e extrair linhas e teses centrais da teoria clássica, das experiências estrangeiras ou históricas; mas elas não substituem o imperativo da reflexão própria.”[PPA, p. 64]

Gutierrez assim define o programa anarquista:
“Um programa revolucionário é, em breves palavras, um conjunto de propostas muito precisas e concretas para avançar até transformações sociais profundas. Não é a teoria revolucionária, mas sim a aplicação desta teoria para compreender e transformar a sociedade concreta. Ele parte de uma análise da sociedade atual, estuda as condições atuais do terreno para a luta de classes, identifica os problemas mais urgentes e as condições para desenvolver um movimento; estuda potenciais aliados e inimigos; e propõe uma série de transformações, assim como um caminho para alcançá-las por meio da luta. Em todos estes momentos da elaboração do programa, a teoria serve de guia. A teoria, não entendida como dogma, mas como uma ferramenta para compreender melhor o mundo.”[PPA, pp. 92-93]

Essa definição possibilita uma série de reflexões. Primeiro, que o programa reflete um conjunto estratégico determinado, ou seja, uma leitura da realidade, um objetivo e um caminho. É esse conjunto que deverá estar exposto no programa anarquista. Segundo, ele não é uma produção somente teórica; ele utiliza-se da teoria como guia, mas propõe um caminho para a atuação prática na realidade. Terceiro, ele busca mapear a realidade, a partir dessa perspectiva estratégica, respondendo: quais são os inimigos, como eles vêm atuando, quais são os possíveis aliados, como se aliar a eles, como impulsionar o combate de maneira a conseguir o maior número de vitórias. A luta de classes é uma guerra e, portanto, tem de ser pensada em termos estratégicos. Estando ligado à realidade, o programa deve possuir certa flexibilidade, podendo ser reavaliado, atualizado e modificado.[PPA, p. 93] Quarto, ele estabelece etapas e objetivos para cada uma das etapas. Um conjunto de táticas levará à consolidação de uma estratégia e essa deve levar a um objetivo estabelecido para uma determinada etapa. A realização do conjunto de táticas deverá levar às amplas estratégias e para o avanço rumo aos objetivos finalistas. Nesse sentido, o programa contém reflexões estratégicas de curto, médio e longo prazo. Quinto, ele estabelece quais são esses objetivos finalistas que devem nortear todo o raciocínio estratégico colocado no programa.

A linha estabelecida pelo programa deve oferecer ao conjunto da organização anarquista uma direção coletiva. “Esta linha de ação clara é de maior importância, já que o problema real não é se triunfamos ou fracassamos diante de uma luta específica, mas o que faremos para a continuidade da luta, independente de ganharmos ou perdermos.”[PPA, p. 91] Ou seja, o programa oferece a possibilidade de uma continuidade dos trabalhos da organização anarquista, no sentido já explicitado de superar o tático e investir no estratégico. É o programa, retomando novamente o que já foi colocado pelo autor, que demarca a fronteira entre os grupos de afinidade e as organizações políticas; o programa produz o salto qualitativo capaz de colocar o anarquismo em um outro patamar no campo da luta de classes.

Gutierrez oferece algumas orientações para que se possa iniciar um processo de discussão e de formulação de um programa anarquista: “Devemos conhecer bem nossos objetivos de longo prazo e fazer com que nossas posições avancem”[PPA, p. 97], os quais descreve da seguinte maneira:
“Coletivização e autogestão dos meios de produção e distribuição, com a conseqüente abolição da propriedade privada destes; fim das vantagens relativas do trabalho intelectual sobre o manual, assim como, mediante a educação e o desenvolvimento dos conselhos técnicos de gestão, promover sua respectiva integração; buscar otimizar, sob controle operário, a produção e orientá-la em função das necessidades da população, para alcançar a abolição do trabalho assalariado e a satisfação plena dos indivíduos, em função de suas necessidades e interesses; reorganização do aparato político de baixo para cima, tendo por base a comuna livremente federada, que possibilite a plena participação de todos seus membros, o que equivale à abolição do Estado, como algo burocrático, vertical e que aliena o poder das massas.”[PPA, p. 46]

Esses objetivos constituem, de maneira geral, os fins últimos do programa anarquista.

Além dos objetivos, o programa deve também reunir uma leitura da realidade: “Para começar uma batalha é necessário saber, exatamente e com precisão, a natureza e as características do campo de batalha.” Continua o autor: “Devemos desenvolver análises políticas, econômicas e sociais, tanto em nível nacional como internacional. Descrever e identificar as principais tendências no desenvolvimento global do capitalismo. Esta análise deve ser atualizada regularmente.”[PPA, p. 97] É essa leitura que possibilitará se compreender onde a organização anarquista está e onde ela pretende atuar; com os objetivos, ela saberá aonde ela quer chegar. Esses são os dois pontos extremos da leitura estratégica que deverá constar no programa: o início e o fim do processo de luta. Entre esses dois extremos, no entanto, está o conjunto de estratégias e táticas capaz de impulsionar as lutas e a própria sociedade no sentido de sair da realidade em que se está e se chegar aos fins estabelecidos.

Gutierrez sugere os próximos passos: “Uma vez conhecido o terreno em que se pisa, a tarefa seguinte é identificar os aliados em potencial; não tanto em nível teórico (algo que já deve estar definido), mas em termos muito concretos.” Nesse processo, em que uma política de alianças acertada faz toda diferença, deve-se analisar as condições da classe trabalhadora, suas potencialidades, suas contradições, etc. Sabendo com quem se pode contar,
“devemos saber como atraí-los. Devemos começar, portanto, a discutir os assuntos mais urgentes do momento: saúde, moradia, educação, recursos naturais, relações trabalhistas, etc... Não de maneira abstrata, mas concreta. Em nosso país, hoje, ou no futuro imediato. Essas necessidades mais urgentes requerem uma visão de conjunto, a fim de dar respostas coerentes a problemas particulares, em relação aos quais tenhamos algo mais a oferecer do que palavras de ordem. Temos que discutir sobre o transporte, a distribuição, as estruturas democráticas de base, a troca, etc. Desta maneira, devemos traduzir o anarquismo, de uma ‘ideologia’ para um sistema de propostas sociais, de alternativas de luta.”[PPA, pp. 97-98]

A partir dessas propostas concretas para o curto e médio prazo, deve-se ir estabelecendo etapas, objetivos para cada etapa e o conjunto de ações que deve impulsionar a estratégia de maneira mais ampla.

A partir dessas etapas e da concretização dos objetivos colocados, tem de se pensar nas possibilidades para fortalecimento das lutas fragmentadas, que funcionam em torno de suas próprias bandeiras, e conceber estratégias para aumento da força do conjunto da classe trabalhadora. Será somente a partir dessa generalização das lutas de massas, fortalecendo e impulsionando o povo adiante, que se poderá pensar em estratégias de ruptura e processos, de fato, revolucionários. “A história nos ensina que as revoluções são resultado de um processo prolongado no tempo; não acontecem da noite para o dia, pois a ruptura crítica das classes em conflito pode ocorrer depois de um período relativamente grande de concessões, conquistas, tensões e disputas em torno de demandas sociais colocadas.”[PPA, p. 98] E é por esse motivo que as revoluções são processos que têm de ser construídos com perseverança, seriedade e acúmulo para a classe. Um processo que temos chamado de construção do poder popular.


A POLÍTICA DE ALIANÇAS

Uma política de alianças deve encontrar o caminho entre duas posições extremas: o sectarismo, quando não se consegue trabalhar com pessoas diferentes, e o “reboquismo”, quando se atua com muitas outras pessoas, de maneira completamente aberta, mas não se consegue influenciar minimamente. Ambas as posições, conforme já foi mencionado, existem nos meios libertários. A debilidade de uma política de alianças anarquista “consiste em duas posturas maniqueístas: ou rechaçamos toda possibilidade de trabalho com outros grupos da esquerda ou nos convertemos em seus incondicionais seguidores”.[PPA, p. 101]

Para superar essas posições, Gutierrez afirma que a premissa fundamental para uma política de alianças é o programa anarquista: “uma política de alianças correta requer, primordialmente, uma visão programática sólida por parte do movimento anarquista”.[Ibid.] Toda a questão das alianças vincula-se, portanto, ao “problema do programa, pois para poder estabelecer alianças nas quais sejamos um ator em direito próprio, devemos ser um ator fortalecido, com visão, com propostas, com tática e estratégia claras”.[PPA, p. 107] “É, então, a questão do programa que devemos ter resolvido, ao menos em termos amplos e gerais, antes de pensar nas alianças.”[PPA, p. 108]

Nesse sentido, o autor não acredita ser possível saber com quem se deve aliar sem saber o que se quer. O programa, como se viu, responderá, fundamentalmente, para os anarquistas de uma determinada organização, como eles lêem a realidade, o que eles querem e como pretendem executar suas ações. Sem isso, é impossível saber a função estratégica que outros setores podem ter. O programa fortalece a organização anarquista e permite que ela consiga verificar quais são os setores que devem ser priorizados ou não, em uma determinada etapa prevista no programa.

Deve estar claro que “não existem respostas fáceis para questões como esta. Cada situação é única e deve ser analisada e estudada como tal pelos companheiros que queiram vivê-las”.[PPA, pp. 113-114] Portanto, não se pode incorrer nas fórmulas universais e atemporais para essas questões, que poderiam ser aplicadas em todas as épocas e em todos os lugares.

Apontando elementos que podem contribuir com o desenvolvimento de uma política de alianças, Gutierrez coloca, a partir de reflexões forjadas nas experiências práticas do anarquismo nos últimos anos:
“- Que a unidade com outros setores do movimento popular, ainda que muito necessária e de primordial importância – já que não derrotaremos sozinhos o capitalismo –, não deve ser buscada a qualquer custo; somente entraremos em discussões com outras forças políticas na medida em que isso seja relevante para avançar em nosso próprio programa e em nossas próprias iniciativas. Programa e iniciativas que, além disso, longe de serem herméticos, se retro-alimentam constantemente de nossa experiência e do intercâmbio com outros atores do mundo popular. Conseqüentemente, as alianças se convertem na conclusão de nosso próprio desenvolvimento político e não em seu ponto de partida.
- Que a unidade de ação e a coordenação de iniciativas não signifiquem postergar ou submeter a nosso próprio programa revolucionário.
- Que a necessária unidade dos setores revolucionários não signifique um ‘matrimônio’ por toda a vida, mas que tenha sentido em função de objetivos precisos, os quais podem ser de curto, médio ou longo prazo. A unidade com outros setores revolucionários deve ser entendida, antes de tudo, como uma unidade de ação, ainda que não descartemos compartilhar certas análises ou discussões quando isso for pertinente.
- Que tal unidade dos setores revolucionários, imprescindível para avançar contra o bloco dominante, deve acontecer ‘de baixo para cima e na ação’. De baixo para cima, pois somente coordenaremos espaços concretos onde, efetivamente, nossos respectivos militantes confluam (organizações sindicais, por exemplo) e, sempre e quando compartilharmos certos objetivos mínimos. E na ação, pois acreditamos que é a prática concreta que serve para deixar claros os objetivos e as posições corretas, em vez do debate político abstrato; ademais, como já dissemos, não nos interessam os matrimônios; buscamos a unidade pelas necessidades concretas da luta e para a obtenção de certas vitórias para o campo popular.
- Que, ainda que no marco das alianças, sejamos capazes, em todo momento, de buscar ampliar nosso marco de influência, de conseguir influenciar a política e os programas de outros setores o quanto for possível, buscando converter o movimento libertário em um pólo hegemônico do movimento popular. Isto é extremamente importante, pois devemos compreender que, ainda que cheguemos a ser uma força política de peso, com bons argumentos e capacidade de mobilização, nunca estaremos sós e sempre haverá outras forças lutando para impulsionar idéias diferentes e até opostas às nossas (para nós, como libertários, a supressão de outras correntes políticas não é sequer uma opção a se levar em consideração). O que não significa a renúncia em defender um movimento popular e um projeto social de baixo para cima, com democracia de base, o mais libertário possível, que seja capaz de abolir o Estado de maneira revolucionária.”[PPA, pp. 115-117]

Em suma, uma política de alianças deve ser pensada levando em conta os seguintes aspectos: ela tem de ser a conseqüência de um programa anarquista bem formulado; ela tem de contribuir com o avanço desse programa e deve durar pelo tempo em que contribuir nesse sentido; ela pode ser forjada em termos de curto, médio ou longo prazo; ela deve ser buscada, principalmente, dentro do campo revolucionário da classe; ela tem de ser levada a cabo na prática e só pode ser construída de baixo para cima; ela deve ampliar a influência anarquista nos outros setores da sociedade, organizados ou não; ela deve sempre ter por objetivo garantir a hegemonia da estratégia anarquista em seus espaços de atuação; ela, finalmente, deve buscar sempre manter uma força significativa do pólo libertário popular, de maneira a garantir a superioridade, em termos de influência, nas distintas relações que forem forjadas, obviamente de maneira libertária e conservando os pressupostos da ética anarquista.

Finalmente, Gutierrez alerta para o equívoco das alianças policlassistas, as quais demonstram, historicamente, problemáticas para os anarquistas: “a corda arrebenta sempre do lado mais fraco: as alianças com setores supostamente ‘progressistas’ da burguesia significou, historicamente, postergar os objetivos do proletariado, e se traduziram em uma nova forma de subordinação”.[PPA, p. 48] Por esse motivo, ele afirma que a classe trabalhadora não pode continuar a fazer frentes amplas com a burguesia nacional, devendo “alcançar a maturidade suficiente para conseguir independência programática e não fazer mais que frentes de classe, nas quais seus interesses de classe sejam hegemônicos”.[Ibid.]


***


Enfim, como se viu, pela discussão apresentada e que revela parte do conteúdo do livro de José Antonio Gutierrez Danton, o anarquismo possui uma longa história, da qual podem ser retiradas enormes lições para o presente e o futuro. Se por um lado essa ideologia apresenta problemas, por outro, conforme demonstra o próprio autor, possui possibilidades significativas. Problemas e Possibilidades do Anarquismo apresenta ao leitor brasileiro críticas consistentes do anarquismo, buscando superar os erros e seguir adiante da melhor maneira possível. No conjunto construtivo proposto, reafirma o conceito de anarquismo retratando suas origens em meio à luta de classes; discute como os anarquistas, historicamente, desenvolveram e, de certa maneira, aprofundaram o debate organizativo, tanto para o nível político como para o social. Enfim, traz reflexões muito interessantes sobre a organização anarquista e, especificamente, sobre o programa anarquista e a política de alianças.

Independente do envolvimento na tradução e na organização desse livro, posso afirmar que – com a releitura que realizei agora, com a maior atenção, buscando refletir mais profundamente sobre seu conteúdo – acredito que ele contribuirá profundamente com alguns objetivos: apresentará a um público mais amplo a proposta revolucionária do anarquismo, permitirá aos militantes dos movimentos sociais e outros espaços que atuamos que conheçam melhor nossas propostas ideológicas; para a própria militância das organizações que hoje compõem o Fórum do Anarquismo Organizado, ou que estão próximas dele, creio que o livro poderá auxiliar na formação política e mesmo no aprofundamento de suas propostas teóricas e práticas.

Sem dúvidas, esse conjunto de artigos apresenta aos brasileiros o que de melhor produziu esse companheiro – em relação às discussões do anarquismo e de suas estratégias –, que é um dos relevantes personagens do anarquismo contemporâneo. Fortalecer a nossa bandeira, a bandeira negra do anarquismo, é seu principal objetivo, o que exige constantemente que pensemos em “como fazer do anarquismo revolucionário algo relevante para esses milhões de pessoas que buscam uma sociedade diferente, mais justa e mais humana.”[PPA, p. 31] É nisso que o livro tem muito a contribuir.


Notas:

1. José Antonio Gutierrez Danton. Problemas e Possibilidades do Anarquismo. São Paulo: Faísca Publicações Libertárias, 2011. Para adquirir o livro, escrever para vendasfaisca@gmail.com. 148 páginas, formato 12,5 X 20cm.

2. Além de uma apresentação escrita por mim e Daniel Alves, o livro reúne uma breve introdução do próprio autor, “Algumas Palavras sobre a Razão de Ser deste Livro”, e mais seis artigos escritos entre 2002 e 2007: “A Organização Revolucionária Anarquista”, “América Latina: problemas e possibilidades para o anarquismo”, “Os Problemas Colocados pela Luta de Classes Concreta e pela Organização Popular: reflexões a partir de uma perspectiva anarco-comunista”, “Considerações sobre o Programa Anarquista” [http://www.anarkismo.net/article/13371], “Sobre a Política de Alianças: problemas em torno da construção de um pólo libertário de luta” [http://www.anarkismo.net/article/10555] e “A Importância da Crítica para o Desenvolvimento do Movimento Revolucionário”.

3. Creio ser esta questão da caracterização das classes no capitalismo contemporâneo e a própria luta de classes bastante relevante. Valeria um esforço de compilação sobre temas afins, desde uma perspectiva libertária, para que se aprofundasse a questão. Creio que muitos libertários, o que me parece que é a opção de Gutierrez, trabalham com a categoria exploração para caracterizar as classes sociais. Marx, ainda que não tenha inventado essa categoria, parece ter sido quem mais desenvolveu teoricamente o assunto. Conforme coloca em O Capital: “a taxa de mais-valia é, por isso, a expressão exata do grau de exploração da força de trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo capitalista”. [Marx. O Capital, vol. I. SP: Nova Cultural, 1985, p. 177] Não creio ser um problema reivindicar categorias do marxismo que, historicamente, foram incorporadas pelo anarquismo (Vide, por exemplo; M. Bakunin. O Sistema Capitalista. São Paulo: Faísca, 2007.). A questão, aqui, me parece que tem a ver com os limites da categoria exploração para definição de classe. Se, como afirma Marx, a exploração se dá somente pela mais-valia, teremos que considerar exclusivamente a propriedade dos meios de produção como o fator que determina a separação das classes. Não se chega a uma solução para o problema, hoje central, dos gestores, por exemplo. Se os gestores são capitalistas, então o critério da propriedade dos meios de produção é insuficiente. O mesmo acontece com a compreensão dos trabalhadores desempregados, dos precarizados autônomos, por exemplo, ou mesmo do campesinato. Talvez o caminho passe pela proposição de Errandonea [A. Errandonea. Sociologia de la Dominación. Montevideu/Buenos Aires: Nordan/Tupac, 1989.], de extrapolar a categoria exploração e trabalhar com uma mais ampla, que a inclua: a dominação. Ele, com esse critério, parece dar uma solução à questão, ao compreender um conjunto de classes dominadas que seria composto por trabalhadores (urbanos e rurais), campesinato, precarizados/informais e marginalizados em geral. De qualquer forma, creio que esse é um tema importante para o fortalecimento de nossa corrente e que deve buscar categorias adequadas para uma leitura correta da realidade. Sinto que não há, claramente, uma posição libertária bem consolidada nesse sentido e convido os companheiros para um debate franco sobre o tema, de maneira a aprofundar a questão e fortalecer nossos pontos de vista.

4. Há dois textos centrais que fundamentam a concepção da proposta sintetista (de síntese) de organização anarquista: Sébastien Faure. “A Síntese Anarquista” (1928) [http://www.anarkismo.net/article/12392] e Volin. “A Síntese Anarquista” (1934) [http://www.anarkismo.net/article/20027]. “A Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas”, ou simplesmente “Plataforma” constitui a base do modelo plataformista da organização anarquista. A tradução da Plataforma ao português pode ser encontrada no Nestor Makhno Archive [http://www.nestormakhno.info/portuguese/platform2/org_p...t.htm]. No entanto, deve-se considerar as polêmicas que envolvem a primeira tradução do documento do russo ao francês, feita por Volin e que deu base para todas as traduções que se seguiram. A tradução possui problemas significativos, mais de ordem ideológica do que técnica. Como aponta Alexandre Skirda em Autonomie Individuelle et Force Collective (Paris: AS, 1987, pp. 245-246): “Lembremos que a primeira tradução realizada por Volin foi contestada por ser ‘maldosa e desajeitada’, não tendo o tradutor ‘adaptado a terminologia, as frases, ao espírito do movimento francês’. (Le Libertaire 106, 1927) Procuramos saber a que podiam aplicar-se essas críticas e encontramos, realmente, vários termos conscientemente deformados: ‘napravlénié’, que significa tanto ‘direção’ como ‘orientação’, foi sistematicamente utilizado no primeiro sentido. A mesma coisa ocorreu com o termo ‘roukovodsvto’, que significa ‘condução’, e o verbo correspondente ‘guiar’, ‘conduzir’, ‘dirigir’, ‘administrar’, que foi traduzido sistematicamente por ‘dirigir’. O caso é ainda mais flagrante na última frase da Plataforma, ‘zastrelchtchik’, que significa ‘instigador’, foi traduzido como ‘vanguarda’. Foi assim que, com leves pinceladas, o sentido profundo do texto pôde ser alterado. Tudo isso é desagradável pois o tradutor, Volin, tornou-se, em seguida, o principal detrator da Plataforma.” Por esse motivo, estamos trabalhando em uma nova tradução da Plataforma, que levará em conta, além do original russo, a versão francesa traduzida por Alexandre Skirda, a versão italiana traduzida por Nestor McNab e a versão espanhola traduzida por Frank Mintz; todos especialistas no tema e conscientes dessa problemática. Ainda em 2011 poderemos contar com uma tradução definitiva em português.

author by Waynepublication date Sun Aug 07, 2011 04:33author address author phone Report this post to the editors

Congratulations to Jose Antonio! Will this review, at least, be translated into English?

author by Jon - ZACFpublication date Tue Aug 09, 2011 17:15author address author phone Report this post to the editors

Hi Wayne, As one of the people that usually translates material from our tendency from Portuguese to English I would have to say probably not. Or at least not any time soon. I would like to translate it, but the Brazilians produce texts faster than I can translate them and I already have a backlog of texts that need translating. Some of the articles published in the book have been published in English online, though, but probably not all of them.

author by José Antonio Gutiérrez D.publication date Tue Aug 09, 2011 17:41author address author phone Report this post to the editors

Dear Wayne, many thanks comrade for your kind words. I'd say only a couple of these articles which were put together as a book are translated into English.

http://www.anarkismo.net/article/13799
http://www.anarkismo.net/article/1743 (which was originally written in English and then translated into Spanish)

As for the review, if not Jonathan, I doubt anyone will do it in the near future.... shame!

author by Igorpublication date Wed Aug 10, 2011 22:45author address author phone Report this post to the editors

There seems to be an incredible amount of reflection going on in South America which is based on an equally impressive practice by anarchists in various and quite dynamic social movement. Hope it gets translated soon into English.

 

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