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Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário

category brazil/guyana/suriname/fguiana | movimento anarquista | feature author Monday March 22, 2010 19:29author by Felipe Corrêa - FARJ / OASL Report this post to the editors

Uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, a partir das visões de Michael Schmidt, Lucien van der Walt e Alexandre Samis

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Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário

Uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, a partir das visões de Michael Schmidt, Lucien van der Walt e Alexandre Samis

Neste artigo, tentaremos discutir os conceitos de anarquismo e sindicalismo revolucionário, colocando-os dentro de seus respectivos contextos históricos, tanto no Brasil como fora, e contrapor o que Edilene Toledo sustenta em seu livro Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. Para isso, utilizaremos dois ótimos livros publicados em 2009, mas que infelizmente ainda não estão disponíveis no Brasil: Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism, de Michael Schmidt e Lucien van der Walt (África do Sul), e Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos, de Alexandre Samis (Brasil).

ANARQUISMO E SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO

Uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, a partir das visões de Michael Schmidt, Lucien van der Walt e Alexandre Samis

Felipe Corrêa



“O anarquismo é sindicalista desde o berço”.
Neno Vasco



Recentemente, tivemos a oportunidade de ler o livro Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República, de Edilene Toledo, publicado em 2004 pela editora Perseu Abramo. Na realidade, nos círculos anarquistas já se comentava sobre o trabalho há alguns anos, principalmente pela sua tese central que busca desvincular o sindicalismo revolucionário do anarquismo no Brasil. Ao sustentar que no Brasil não houve anarco-sindicalismo, mas sindicalismo revolucionário, a autora tenta desfazer o vínculo deste com o anarquismo, por meio de uma série de análises que não se sustentam após um exame mais detido e criterioso.

Demonstrando não conhecer e nem entender o anarquismo clássico e sua história – que acreditamos ter dado início à primeira onda de um sindicalismo de intenção revolucionária, ainda na década de 1860 – a autora equivoca-se nas premissas assumidas, o que resulta na distorção da maioria de suas conclusões. Impressiona, de fato, o número de afirmações equivocadas ou generalizantes, que demonstram significativo desconhecimento do tema tratado no livro.

Neste artigo, tentaremos discutir os conceitos de anarquismo e sindicalismo revolucionário, colocando-os dentro de seus respectivos contextos históricos, tanto no Brasil como fora, e contrapor o que a autora sustenta em seu livro. Para isso, utilizaremos dois ótimos livros publicados em 2009, mas que infelizmente ainda não estão disponíveis no Brasil: Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism, de Michael Schmidt e Lucien van der Walt (África do Sul), e Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos, de Alexandre Samis (Brasil).

O primeiro, fruto de um trabalho de 10 anos, que possui uma análise global e discute anarquismo e sindicalismo no mundo todo, tanto a partir de uma análise política/sociológica, como histórica. O único livro ao qual tivemos acesso que baseia suas conclusões em análises dos acontecimentos que envolveram o anarquismo e o sindicalismo em todos os cantos do mundo. O segundo, também um trabalho que foi resultado de um largo período de pesquisa, que discute anarquismo e sindicalismo no Brasil e em Portugal, a partir da perspectiva histórica da bibliografia do organizacionista Neno Vasco. Sem dúvida, em nosso entendimento, as duas melhores obras sobre anarquismo e sindicalismo publicadas recentemente, e que precisam com urgência de tradução e publicação no Brasil.

Antes de iniciarmos, é importante fazer alguns esclarecimentos. Este artigo não é somente uma resenha crítica do livro de Edilene, que trata de rebater seus argumentos com o material historiográfico mais conhecido do anarquismo. Isso poderia ser feito, mas não foi a nossa escolha. O fato de termos elegido as obras de Schmidt, van der Walt e Samis é proposital, e também tem o intuito de questionar a maneira como a história do anarquismo vem sendo abordada em diversas publicações, brasileiras ou não. Assim, o leitor mais afim com a temática do anarquismo pode também surpreender-se, visto que os pontos de vista aqui sustentados, além de contestarem o que é colocado em Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário, têm por objetivo apresentar uma outra leitura da história do anarquismo, que consideramos detida e criteriosa.

Consideramos que os três autores que escolhemos para isso desenvolvem seus trabalhos a partir de reflexões e pesquisas embasadas na teoria – e, portanto, na realidade – buscando dela extrair ensinamentos para as análises históricas, políticas e sociológicas. Assim, consideramos que eles não buscam encaixar a história em uma concepção ideológica própria; prática relativamente comum no campo da esquerda.

Muito do que se vem publicando em termos de história do anarquismo, apesar de apresentar inquestionáveis relevâncias, incorre em equívocos graves que, em nosso entender, são ocasionados pelas (in)definições em relação a o que são o anarquismo e o sindicalismo, e pela maneira de classificar os diferentes anarquistas e suas estratégias defendidas. E é nestes pontos que Black Flame e Minha Pátria é o Mundo Inteiro têm a contribuir, visto que ambos compreendem, a nosso ver, dentro dos contextos em que trabalham, o anarquismo, o sindicalismo e esta relação que entendemos ser entre ideologia e estratégia.

Estes conceitos de ideologia e estratégia serão utilizados no artigo para discutir anarquismo e sindicalismo revolucionário e cabe um esclarecimento em relação ao que é ideologia e o que é estratégia. Trabalharemos com aquilo que se chamou “significado fraco” de ideologia, que a considera “um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar comportamentos políticos coletivos” ou mesmo como “um sistema de idéias conexas com a ação”, que compreendem “um programa e uma estratégia para sua atuação”[1]. Portanto, não trabalharemos com o chamado “significado forte” de ideologia, entendido como uma “crença falsa”, um “conceito negativo que denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política”[2]. Em relação à estratégia, trabalharemos com a concepção de que ela “é a técnica utilizada para alcançar um objetivo” e, portanto, é a “determinação da estratégia” e a “escolha dos meios mais eficazes” que farão com que se alcance os objetivos estabelecidos. “A estratégia deve estar subordinada à política, assim a tática está e não pode deixar de estar subordinada à estratégia”.[3] Ainda que não sejam conceitos desenvolvidos concomitantemente ao anarquismo e ao sindicalismo, entendemos poder utilizá-los para essa análise sem incorrer em anacronismo.

Por muitas vezes não fazer esta distinção entre o que constitui a ideologia – conjunto de idéias e valores expressos em princípios político-ideológicos – e a estratégia – a escolha dos meios mais adequados para se atingir determinados fins – acreditamos que muitos autores terminaram misturando anarquismo, sindicalismo e se perdendo na hora de tentar entender e analisar ambos.

Para nós, o anarquismo é uma ideologia que se constituiu a partir da luta do proletariado europeu contra o desenvolvimento do capitalismo, constituindo um tipo de socialismo. Assim, podemos afirmar que o anarquismo surgiu em um momento relativamente preciso do século XIX, e não pode ser identificado como uma corrente antiautoritária que sempre esteve presente na humanidade. O fato de pensadores que poderíamos chamar libertários, mas não anarquistas – como William Godwin e Max Stirner, por exemplo – serem freqüentemente incluídos no rol dos anarquistas, faz com que, numa comparação entre esses libertários e anarquistas como Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin, a única similaridade entre eles seja o antiestatismo. Conclusão semelhante vem por parte daqueles que tendem a definir o anarquismo como uma simples oposição ao marxismo.

E não concordamos que anarquismo seja a mesma coisa que antiestatismo – assim como o definiram diversos historiadores –, principalmente por entendermos o anarquismo como um tipo de socialismo, e, portanto, por princípio, anticapitalista. Assim, trabalharemos com a idéia de que desde sempre houve traços antiautoritários na humanidade, que poderiam ser chamados de libertários. No entanto, não podemos chamar todos os libertários de anarquistas, visto que o aparecimento do anarquismo está ligado a um contexto histórico específico – surgimento do capitalismo, nascimento do proletariado e desenvolvimento do socialismo – e a algumas práticas sociais que permitem entender o que foi, de fato, historicamente, seu surgimento e seu desenvolvimento. Trabalharemos também com a idéia de que o anarquismo e o marxismo surgem de um mesmo movimento popular, possuindo, portanto, similaridades e diferenças.

Essa premissa escolhida poderia gerar polêmica, visto que por ela é possível estabelecer um critério para se definir o que, ou quem é ou não, ou foi ou não, anarquista. Não é nosso intuito ser juizes e dizer a quem pertence a ideologia, quem é ou não aceito por ela. É simplesmente uma questão de método. Para nós, a simples auto-identificação não é um critério correto, visto que, historicamente, alguns dos que foram anarquistas não se identificaram como tal, ao passo que outros, que se identificaram como anarquistas, tiveram práticas que em pouco ou nada se aproximaram daquilo que foi, e em certa medida ainda é, o anarquismo, se ele for definido a partir de uma prática social amplamente reconhecida.

O anarquismo, entendido a partir dessa prática social, ao longo de seu desenvolvimento histórico, teve diferentes posições estratégicas. No anarquismo, como uma ideologia constituída por seus princípios político-ideológicos, nunca foi possível encontrar uma unidade em relação às melhores estratégias e táticas a serem utilizadas. Como consideramos e tentaremos demonstrar, o sindicalismo revolucionário não constituiu uma ideologia diferente do anarquismo, mas uma das estratégias adotadas pelo anarquismo.

Dessa maneira, o critério utilizado nessa análise considera que o anarquismo nasce e desenvolve-se em um contexto específico, que o que é libertário não necessariamente é anarquista, que a auto-identificação não é a maneira mais adequada de se determinar quem é anarquista e o que é o anarquismo e que o anarquismo defendeu historicamente posições estratégicas distintas. O critério, portanto, busca a realidade dos fatos assumindo essas premissas.

Por esse motivo, buscaremos, ao discutir com alguma profundidade os conceitos de anarquismo e sindicalismo revolucionário, nos remetendo a algumas referências que parecem as mais relevantes sobre o tema. Por isso, ainda que o livro de Edilene Toledo tenha seu foco no Brasil, no momento em que formos discutir e definir conceitos, abordagens e argumentações, iremos, muitas vezes, utilizar referências internacionais, que entendemos serem centrais sobre os temas. Daremos um enfoque específico sobre o Brasil mais ao final do artigo.

Finalmente, questionaremos com esse artigo uma classificação que, historicamente, vem tendendo a considerar “anarco-sindicalistas” todos os anarquistas que defenderam a atuação nos sindicatos e como “anarco-sindicalismo” todo movimento sindical que teve ampla influência anarquista. Como veremos, a tradicional classificação dos anarquistas entre anarco-sindicalistas, anarco-comunistas e anarco-individualistas não dá conta da realidade, e estabelece categorias que se sobrepõem e que não permitem esclarecer as questões fundamentais de ideologia e estratégia. Por isso, trabalharemos com novas classificações e com uma distinção entre anarco-sindicalismo/sindicalistas e sindicalismo/sindicalistas revolucionário(s) – o que também coloca em questão parte significativa da historiografia sobre o tema.

Acreditamos, portanto, que, ao mesmo tempo em que faremos uma resenha crítica do livro de Edilene Toledo, iremos propor novos pontos de vista para o debate, levantando questões relevantes para uma construção histórica, política e sociológica do anarquismo e do sindicalismo revolucionário. Gostaríamos de receber comentários, críticas e sugestões, pois sabemos que muitos dos pontos de vista sustentados precisam de aprofundamento. E não julgamos estar propondo algo acabado, mas, tão-somente, uma leitura distinta, que questiona diversos aspectos do tema em questão, e que está em permanente construção. E temos a devida humildade de reconhecer que novos aportes são necessários e mesmo fundamentais.


ANARQUISMO: IDEOLOGIA E ESTRATÉGIA

Como enfatizamos, acreditamos que o principal objetivo do livro de Edilene Toledo é desvincular o anarquismo do sindicalismo revolucionário. Portanto, entendemos ser imprescindível discutir os conceitos de um e outro. Discutamos primeiramente, com alguma profundidade, o conceito de anarquismo. Para a autora,

“anarquia, etimologicamente, significa sem governo, ou seja, o anarquismo é a doutrina política que prega que o Estado é nocivo e desnecessário, existindo alternativas viáveis de organização social voluntária. Anarquista era – e é – quem, por meio da livre experimentação, se propõe a criar uma sociedade sem Estado, modificando-a pouco a pouco, cuja base são comunidades autogeridas, em que haja o máximo de liberdade com o máximo de solidariedade e fraternidade.”[4] “Os anarquistas desejavam uma transformação completa da sociedade: a solidariedade, o bem-estar de todos, a liberdade, o fim da violência, das religiões, da propriedade privada, dos governos, dos parlamentos, do exército, da polícia, da magistratura e de todas as instituições que consideravam autoritárias e violentas. Propunham, ao contrário, uma sociedade organizada por livres associações e federações de produtores e consumidores, formadas e modificadas segundo a vontade dos associados, guiados pela ciência e pela experiência e livres de toda imposição que não derivasse das necessidades naturais. Essas transformações, porém, para grande parte dos anarquistas, não poderiam ser impostas pela violência, mas deveriam ser alcançadas pela vontade humana: os homens deveriam desejá-las. Cabia aos anarquistas a tarefa de transformar os homens, convencê-los, despertar-lhes a vontade criadora e transformadora.”[5]
Portanto, para Edilene, a ideologia anarquista se oporia ao Estado – o que se destaca em sua primeira definição, colocando o anarquismo como antiestatista – e às instituições autoritárias, como a propriedade privada – o que, em sua segunda definição, coloca o anarquismo também em oposição ao capitalismo. Os meios para esta transformação seriam, majoritariamente, a educação e o convencimento, visando modificar a realidade progressivamente, pouco a pouco, sem a utilização de violência. Com isso, o anarquismo buscaria criar uma nova sociedade, que estaria baseada em comunidades autogeridas, associações e federações de produtores e consumidores, guiadas pela ciência e pelas necessidades naturais.

Esta definição possui alguma relação com o anarquismo, mas confunde ideologia com estratégia e, o que nos parece mais complicado, generaliza estratégias do anarquismo.

As definições do anarquismo sempre variaram muito, tendo sido, durante a história, significativamente diferentes. Uma metodologia que foi amplamente utilizada para definir o anarquismo e sua história baseou-se na auto-identificação e nos traços comuns em tudo aquilo que poderia ser chamado de libertário. Como já enfatizamos, essa metodologia não nos parece correta, tendo contribuído muito com esse problema de definição. A utilização dessa metodologia fez com que fossem considerados anarquistas diversos pensadores e movimentos que, por uma análise mais criteriosa, não poderiam ter sido.

A própria autora identificou em seu livro essa problemática metodológica, ao afirmar que “era próprio dos anarquistas se referirem à história do anarquismo como a do desenvolvimento do espírito antiautoritário através da história da humanidade”, considerando que “sua doutrina estava de acordo com as aspirações fundamentais do homem e que em todos os tempos os povos lutaram neste sentido”. Portanto, o “espírito libertário” seria “inerente à natureza humana, remontaria à presença do homem sobre a Terra”, abordagens que certamente foram defendidas, inclusive, por personalidades de respeito do anarquismo, pontualmente ou não, como Kropotkin e Max Nettlau. Desta forma, “seguidores de Tolstoi” consideravam “Jesus Cristo o verdadeiro fundador da anarquia”, “outros reivindicavam Rabelais e La Boétie” e “filósofos do século XVIII”. Apesar dessas interpretações de que a história do anarquismo remontaria à própria essência da humanidade, Edilene Toledo reconhece que “o anarquismo como movimento, porém, surge num contexto histórico muito preciso de crítica ao capitalismo e sua história envolve uma grande complexidade e diversidade de visões”.[6]

Nossos argumentos aqui serão, em grande medida, baseados nas posições de Schmidt e van der Walt, ainda que tenhamos pequenas divergências e contribuições a fazer, fundamentalmente em torno das questões que envolvem Pierre-Joseph Proudhon. Primeiramente, o que concordamos com a autora, é que, historicamente, podemos situar o anarquismo como uma corrente socialista, e, portanto, como uma resposta ao capitalismo que se desenvolvia na Europa do século XIX. Desta forma, entendemos que não se pode falar de anarquismo antes do capitalismo e nem em anarquismo fora do campo socialista. Neste momento e nesta localidade em que nasce o anarquismo, pensamos que é possível compreendê-lo como uma ideologia que apresenta propostas estratégicas determinadas. Com a sua generalização pelo mundo, e com o passar do tempo, acreditamos que é possível identificar as estratégias e táticas posteriores que, apesar de distintas, não questionaram ou colocaram em xeque o cerne dos aspectos ideológicos do anarquismo, caracterizados por seus princípios político-ideológicos.

O critério estabelecido para esta análise, aqui, será identificar – historicamente, a partir de uma prática social amplamente reconhecida – quais são esses princípios político-ideológicos, que constituem a espinha dorsal do anarquismo e suas diferentes estratégias e táticas adotadas ao longo do tempo. A definição da ideologia anarquista e do estabelecimento de seus princípios político-ideológicos permitirá analisar, mais adequadamente, o que é o anarquismo e quais são os pensadores e movimentos que foram, ou ainda são, herdeiros dessa tradição ideológica.

Cabe, neste momento, realizarmos um comentário que marca uma das poucas divergências que temos com as posições defendidas em Black Flame, que se dá em torno do pensamento e da prática de Proudhon. Estamos de acordo com a visão sustentada pelos africanos de que o anarquismo incorporou dele “a noção da autogestão dos meios de produção, a idéia de livre federação, o ódio do capitalismo e do poder dos proprietários de terra e a profunda desconfiança do Estado”[7]. Nossa divergência se dá em relação à interpretação da teoria proudhoniana, principalmente, quando eles afirmam que Proudhon defendia uma transformação pacífica da sociedade; que suas concepções estratégicas ligavam-se tão-somente a um setor de artesãos e pequenos produtores, não podendo ser generalizadas para o campesinato e o operariado; que defendia a pequena propriedade; e quando generalizam seu pensamento com o dos mutualistas que o seguiram.

Não entraremos profundamente neste debate, mas acreditamos que a leitura de Schmidt e van der Walt tenha sido determinada por algumas interpretações do pensamento de Proudhon, fato que se evidencia quando verificamos que todas as afirmações e conclusões são feitas a partir de leituras interpretativas e não das obras originais do autor.[8] É importante considerar que há outras interpretações centrais do pensamento proudhoniano e que, também, em uma análise como a deles, a leitura dos originais é fundamental, buscando uma interpretação a partir de uma leitura própria para este relevante tema. Não se pode esquecer que muito do que foi escrito sobre Proudhon considerou somente parte da sua obra e/ou tomou como base as acusações de Marx ou mesmo escritos de outras correntes que buscavam diminuir ou desvalorizar sua contribuição.

Neste sentido, consideramos importante trazer uma interpretação de Pierre Ansart, em sua obra O Nascimento do Anarquismo[9], que é diferente da dos autores africanos. Para Ansart, Proudhon fez parte do movimento operário que tomou corpo no mutualismo e sua obra deve ser entendida como a teorização de um sistema de idéias, valores e aspirações que estava presente em um setor do operariado: os trabalhadores da indústria da seda, particularmente os chefes de oficina lioneses, chamados de canuts. No entanto, deve-se notar que apesar de terem se inspirado nessa fração de classe – de trabalhadores oprimidos e não de pequeno-burgueses –, a teoria e o sistema proudhoniano não são feitas para essa fração de classe e propõem-se a uma generalização que deveria abarcar a totalidade da sociedade global. A análise e a estratégia de transformação proudhonianas reconhecem a centralidade da luta de classes[10] como um antagonismo gerado por um sistema fundado na propriedade privada e, conseqüentemente, na exploração. A estratégia proudhoniana é revolucionária, assim como reconheceu Bakunin, já que propõe a destruição do capitalismo e a construção do socialismo – que envolveria transformações econômicas, políticas e sociais. Seu mutualismo, no âmbito econômico, buscava integrar de maneira autogestionária as três esferas da produção: a grande indústria, as médias empresas e o artesanato, e o campesinato, sempre norteado pela noção da posse – dos trabalhadores serem os donos dos seus próprios meios de produção – e não da propriedade privada, que permite a exploração. No âmbito político, o mutualismo previa um funcionamento autogestionário das comunidades. A base do acúmulo de força para a realização da revolução social estaria no campo econômico, devendo realizar-se por meio das associações operárias. Essa revolução, que deveria ser levada a cabo de baixo para cima e pelas massas, se iniciaria com a associação operária e com a apropriação progressiva das forças econômicas. A radicalização das sociedades de socorros mútuos, que se transformam em sociedades de resistência – base das insurreições de 1831 e 1834 – e a gestão direta da produção pelos próprios produtores constituiriam o início dessa revolução, um longo e prolongado processo que se finalizaria somente com a construção da nova sociedade. Para Proudhon a revolução é a força colocada em prática pelo movimento operário na luta, fora do Estado, para se impor e criar uma nova ordem. Ela tem como elementos necessários a consciência de classe (da luta de classes e da capacidade política da classe), a teoria (realizada pela própria classe e indissociável da prática), e a prática (que deveria tomar corpo no mutualismo). Apesar das posições de Proudhon contra a violência revolucionária, o modelo que o inspirou, do mutualismo lionês, foi responsável por evoluir, transformando-se de uma luta econômica em uma luta política, e culminando nas citadas insurreições, carregadas de violência revolucionária. Assim, a estratégia revolucionária defendida por Proudhon previa a generalização da organização federalista pela base, podendo insurgir-se e realizar uma luta política, buscando criar uma nova relação de poder por meio de uma violência controlada e contida. Proudhon estaria preocupado em evitar as revoluções políticas que, sem a preparação necessária das massas, substituiriam por meio da violência a gestão do Estado e dariam continuidade ao sistema de exploração e dominação. Finalmente, é possível afirmar a necessidade de se diferenciar a análise e a estratégia de Proudhon do mutualismo, pois, se é verdade que muito do mutualismo o inspirou, não podemos dizer que todos os mutualistas, ainda que se reivindicassem proudhonianos, seguiam estritamente sua análise e estratégia, o que se evidencia, por exemplo, nas posições de Tolain que, da maneira como as entendemos, teriam sido contestadas por Proudhon por serem divergentes.

Tomando como base essa interpretação, poderíamos dizer que Proudhon não era reformista, e sua estratégia revolucionária não previa uma transformação pacífica da sociedade. Apesar de ter se inspirado em uma fração da classe, sua proposta era que o modelo fosse generalizado. Ele não defendia a propriedade, mas sim a posse, ainda que ela significasse para as médias empresas, o artesanato e o campesinato um certo tipo de propriedade individual, bastante diferente da propriedade privada, já que não permitia a exploração.

Colocamos essas questões, pois, para Schmidt e van der Walt, apesar de Proudhon ter tido uma influência absolutamente determinante no nascimento do anarquismo, seria somente com Bakunin e a Aliança da Democracia Socialista (ADS) que o anarquismo surgiria, tomando corpo na fundação da ADS em 1868 e definindo-se claramente no ano seguinte, no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Para eles

“é crucial notar que foi dentro do ambiente socialista que as idéias identificadas com Bakunin, Kropotkin e o movimento anarquista surgiram, e já que a Primeira Internacional era um movimento da classe trabalhadora, foi do movimento e das associações da classe trabalhadora que o anarquismo nasceu”[11]. “Bakunin e a Aliança apareceram publicamente pela primeira vez no Congresso da Basiléia de 1869 da Primeira Internacional, em que Bakunin predominou por sua surpreendente oratória e força pessoal.”[12]
Assim, para os africanos, apesar das influências anteriores, o fato é que o anarquismo só passaria a existir, concretamente, nesses fins dos anos 1860, surgindo como uma ideologia política que representava uma forma de socialismo. O fato de, para eles, Proudhon ser mais o pai do anarquismo do que o anarquismo em si próprio é caracterizado, fundamentalmente, pelas três questões que discutimos anteriormente.

Assim, deixamos aqui apontado a necessidade de investigação mais aprofundada sobre esses aspectos da teoria proudhoniana, pois, se a interpretação de Ansart é correta, essa questão do momento de nascimento do anarquismo poderia ser repensada. Isso não invalida a afirmação feita anteriormente de podermos identificar precisamente o nascimento do anarquismo. Essa dúvida sobre Proudhon, na realidade, somente possibilita considerar que, talvez, esse momento de nascimento não esteja nos anos 1860, mas nos 1840.

Considerando que a interpretação de Ansart esteja correta, buscando dar uma posição própria em relação ao assunto e considerando o que está especificado em Black Flame, poderíamos chegar a algumas posições em comum. Primeiramente, que o anarquismo definitivamente surge do seio do movimento operário do século XIX, seja esse movimento o das associações nas quais se inseriu o mutualismo lionês ou da AIT, ambos movimentos de trabalhadores oprimidos que buscavam encontrar formas de luta contra o capitalismo que se desenvolvia. No entanto, nos parece possível afirmar, ainda levando em conta as posições de Ansart, que o anarquismo tenha surgido realmente em Proudhon, prevendo uma análise da sociedade e uma estratégia de transformação. Nessa análise, as conclusões sobre o capitalismo e o Estado como pilares da exploração e da dominação e sobre a centralidade da luta de classes, apontam para a necessidade de destruição da sociedade presente e da construção de uma nova, prevendo uma estratégia que estaria baseada no acúmulo de forças pelas associações de massas no campo econômico. Uma luta que poderia tornar-se política e mesmo aceitar a violência, ainda que de maneira controlada e contida, mas necessariamente com participação ampla popular. Este processo revolucionário deveria apontar para um socialismo de mercado, com igualdade e liberdade, fundado na autogestão e no federalismo tanto na economia quanto na política; um sistema que integraria a propriedade coletiva com a propriedade individual, funcionando com a noção de posse e impedindo a exploração e a dominação.

No entanto, não há dúvidas que, ainda que os elementos apresentados acima estejam corretos, houve um salto qualitativo e quantitativo desse anarquismo que surgia em Proudhon, para o anarquismo que, a nosso ver consolida-se plenamente, de fato, com Bakunin e a ADS – um anarquismo que se poderia chamar da maturidade. Entendemos que o fato do anarquismo de Bakunin e a ADS funcionar de maneira organizada e coletiva nos permite afirmar essa maturidade, para além de outras questões. Estas poderiam ser colocadas em dois campos: um, cujas posições de Proudhon de fato opõem-se a princípios anarquistas, especificamente suas posições em relação à mulher; outro, das posições controversas que, com o passar do tempo, foram mais esclarecidas e aprofundadas por Bakunin e a ADS, como, por exemplo, as questões da revolução social, da necessidade de violência, do sujeito revolucionário, das lutas reivindicativas, das cooperativas, da sociedade futura, entre outras.

Portanto, nossa posição é que o anarquismo pode ter surgido em Proudhon, desenvolvendo suas principais linhas, mas dá um inegável salto qualitativo em Bakunin e na ADS, passando a existir em sua plenitude e maturidade, consolidando-se como uma ideologia cujas bases encontram-se no movimento popular do século XIX e que preconiza uma prática política organizada e coletiva.[13]

Feitas essas discussões podemos dar continuidade à discussão sobre a definição do anarquismo, considerando o que colocam Schmidt e van der Walt.

“A prática de falar em anarquismo classista ou em anarquismo social algumas vezes é provavelmente necessária, mas ela implica que exista uma tradição anarquista legítima que seja contra a luta de classes ou que seja anti-social, o que é incorreto. [...] Em nossa opinião, o termo anarquismo deve ser reservado a uma forma particular, racionalista[14] e revolucionária, de socialismo libertário que surgiu na segunda metade do século XIX. O anarquismo era contra a hierarquia econômica e social, assim como a desigualdade – e especificamente, capitalismo, o poder dos proprietários de terra, e o Estado – e defendia uma luta de classes internacional e uma revolução desde baixo por uma classe trabalhadora e um campesinato auto-organizados, com o objetivo de criar uma ordem social autogerida, socialista e sem Estado. Nesta nova ordem, a liberdade individual estaria em harmonia com as obrigações comuns por meio da cooperação, da tomada de decisões democrática e da igualdade econômica, social e a coordenação econômica aconteceria por meio de formas federais. Os anarquistas enfatizaram a necessidade de meios revolucionários (organizações, ações e idéias) para prefigurar os fins (uma sociedade anarquista). O anarquismo é uma doutrina libertária e uma forma de socialismo libertário; portanto nem todos os pontos de vista libertários ou socialistas libertários são anarquistas. [...] O anarquismo foi e é uma ideologia política que adota métodos racionalistas de análise para formular sua crítica, sua estratégia e suas táticas. Seu maior componente moral, no entanto, é também importante – e não pode ser comprovado cientificamente.”[15]
Levando em conta que a interpretação de Ansart está correta, é possível afirmar que essa definição contempla a teoria proudhoniana, com mínimas exceções. No entanto, não há dúvidas que ela se aplica completamente ao anarquismo que se desenvolveu de Bakunin e a ADS em diante. Assim, consideraremos que é em Bakunin e na ADS que o anarquismo passa a existir em sua plenitude e maturidade e, portanto, quando nos referirmos ao anarquismo clássico – fundamentalmente na discussão de princípios e estratégia e nas comparações entre anarquismo e sindicalismo revolucionário – levaremos em conta, majoritariamente, suas posições, que entendemos estarem bem delineadas a seguir. No Brasil, parece-nos que as maiores influências do anarquismo internacional tenham sido de Kropotkin e Errico Malatesta e, para discutir o anarquismo brasileiro, quando formos nos referir ao anarquismo internacional, utilizaremos os escritos de Malatesta, principalmente pelas referências que são feitas a ele no livro resenhado e também no livro de Samis.[16]

Voltemos às definições de anarquismo: de um lado, a definição de Edilene Toledo, cuja fundamentação não é explicitada; de outro, a dos autores africanos, realizada a partir de uma pesquisa global do anarquismo, que investigou experiências concretas e teoria dos quatro cantos do mundo, incluindo o Brasil. É possível notar que ambas são significativamente diferentes.

Ainda que Edilene coloque na segunda parte de sua definição a oposição ao capitalismo, quando se refere à rejeição da propriedade privada, na primeira parte ela parece considerar o anarquismo como sinônimo de antiestatismo, o equívoco citado anteriormente e que é cometido por grande parte dos historiadores. Para uma definição do anarquismo, e para negar que anarquismo seja a mesma coisa que antiestatismo, entendemos ser fundamental considerá-lo uma corrente do socialismo e situá-lo no tempo e no espaço. A nosso ver, o anarquismo não pode ser definido como uma simples oposição ao marxismo, já que ambos surgem das mesmas origens operárias, possuindo influências semelhantes, como a dos socialistas ditos socialistas utópicos e de Proudhon. Obviamente que, com isso, não se pode afirmar a similaridade entre anarquismo e marxismo, mas nos parece que colocar o anarquismo tão-somente como uma oposição ao marxismo seja um equívoco; ambos possuem similaridades e diferenças. Nascendo de um mesmo movimento popular, cada um representa uma ideologia que estava presente no operariado da época; ambos possuem uma crítica semelhante ao capitalismo e propõem uma transformação social que leve ao socialismo. As diferenças fundamentais se dão em torno do método de análise e dos meios para a luta – o que envolve diretamente a discussão sobre o Estado (período de transição, ditadura do proletariado etc.). Nesse sentido, já que o anarquismo é uma forma de socialismo, ele necessariamente se opõe ao capitalismo. Apesar disso, é central colocar, também, que ele se opõe às formas de exploração e dominação pré-capitalistas e às opressões que se dão fora do âmbito econômico.

Situar o anarquismo no tempo e no espaço permitirá notar que no momento de seu surgimento ele constitui-se com princípios político-ideológicos relativamente bem definidos e não se pode considerar as similaridades entre libertários que vão desde Jesus e os anabatistas, até Bakunin e Kropotkin, passando por Rabelais, La Boétie, Godwin e Stirner – ou seja, utilizar o mínimo denominador comum entre todos esses libertários – para forjar uma definição do anarquismo.

Podemos questionar amplamente a afirmação de Edilene Toledo de que a estratégia da maioria dos anarquistas é de uma transformação progressiva, que deveria se dar pela educação e pelo convencimento, sem a utilização de violência. Ainda que reconheçamos que tal estratégia tenha sido pontualmente defendida no anarquismo, isso não significa que a maioria tenha optado por ela. Também não significa que aqueles que optaram pela ênfase na educação e no convencimento tenham negado a necessidade de violência revolucionária ou abandonado a perspectiva de uma revolução social. Anarquistas como Élisée Reclus – que entendia imprescindível um trabalho de educação e convencimento a ser realizado antes da luta para a revolução[17] – consideravam que uma revolução pacífica poderia até ser possível, mas nunca negaram completamente a necessidade do uso de violência e nem a necessidade de uma revolução social.

Os anarquistas, no geral, sempre consideraram a educação e o convencimento estrategicamente fundamentais. No entanto, há uma diferença relevante sobre o momento e o contexto para se investir nessas medidas de educação e convencimento que tomam corpo em posições distintas entre aqueles que colocavam o papel da educação e o convencimento necessariamente como um processo anterior ao de mobilização e luta pela revolução – a posição de Reclus, por exemplo – e aqueles que consideravam que se deveria educar e convencer em meio às lutas, já que elas próprias teriam um papel pedagógico fundamental – a posição de Bakunin, por exemplo. Parece-nos que, analisando o anarquismo no mundo, a partir dessa perspectiva histórica, a posição de Bakunin, ou seja, de um processo de educação e convencimento que ocorresse dentro do contexto das lutas, tenha sido majoritária.

Nesse sentido, devemos concordar Schmidt e van der Walt, discordando de Edilene Toledo, que os anarquistas não consideravam uma transformação progressiva pela educação e pelo convencimento, sem a utilização de violência. Diferentemente, o anarquismo sempre foi revolucionário e não negou a necessidade da violência revolucionária e nem da revolução social, que deveria ser levada a cabo, dentro de uma perspectiva classista, por trabalhadores e camponeses. Para esse processo revolucionário, os anarquistas sempre consideraram central o papel da educação e do convencimento, mas divergiram em relação ao momento e ao contexto para sua aplicação. A estratégia majoritária considerou a educação e convencimento no contexto da luta de classes, buscando organizar e mobilizar as massas e/ou prepará-las para a revolução social. Nesse sentido não se pode falar que o anarquismo nega a revolução social ou a violência revolucionária, que ele pregue o pacifismo ou algum tipo de reformismo.[18]

Outra questão generalizada por Edilene é a da ciência e das necessidades naturais que, se foram defendidas, por aqueles que se aproximaram do positivismo, como é o caso de Kropotkin, não podem ser generalizadas e muito menos representar todo o anarquismo, já que anarquistas, também centrais, como Bakunin e Malatesta, defendiam posições de que o anarquismo estaria no campo da ideologia – e, portanto, das idéias, aspirações e vontades – e não da ciência. Assim, é possível afirmar que essa tentativa de aproximar a ciência e as necessidades naturais do anarquismo esteve presente na tradição anarquista, mas não é verdade afirmar que ela representou todo o anarquismo, ou mesmo que tenha sido amplamente majoritária já que um setor bastante significativo defendeu posições diferentes.

Pelas questões discutidas, parece-nos que a definição de Schmidt e van der Walt seja bem mais adequada que a de Edilene Toledo. A definição dos africanos considera o anarquismo como uma ideologia, um tipo de socialismo revolucionário, que surge no século XIX colocando-se no campo social e sem desconsiderar as desigualdades da sociedade[19], e por isso tem uma herança histórica, ideológica e teórica determinada. Possuindo elementos morais de relevância, o anarquismo não pode ser comprovado cientificamente, apesar de utilizar métodos racionais para a leitura da realidade – posicionando-se contra a exploração e a dominação – para a criação de uma perspectiva de sociedade futura e também para o estabelecimento de estratégias e táticas. O anarquismo defende uma transformação social revolucionária, em nível internacional, que deve ser levada a cabo de baixo para cima, ser protagonizada pelos diferentes sujeitos oprimidos e fazer com que os meios de luta estejam de acordo com os fins que se pretende atingir. Como objetivo, o anarquismo propõe a criação de um socialismo autogestionário e federalista, sem capitalismo e sem Estado, que concilie a liberdade individual, a liberdade coletiva e a igualdade.

A partir da definição colocada acima, podemos extrair os princípios político-ideológicos que dão corpo à espinha dorsal do anarquismo, sendo este entendido como uma ideologiae, portanto, não como ciência –, e como uma corrente do socialismo revolucionário.

- A compreensão das relações de exploração e dominação presentes na sociedade e o julgamento, a partir de valores éticos, de que elas devem ser transformadas. Essas relações de exploração e dominação se dão em diversos campos (economia, política e relações sociais) e, assim, a busca pela transformação dessas relações exige uma oposição ao capitalismo, ao Estado e às diversas formas de dominação (imperialismo, gênero, raça etc.).

- A transformação dessas relações implica que exista uma prática política, que está necessariamente inserida na sociedade e faz parte da sua correlação de forças. Essa prática significa uma luta contra a exploração e a dominação por meio de uma leitura da realidade e do estabelecimento de caminhos para essa luta.

- A leitura da realidade e o estabelecimento de caminhos para a luta implicam em um método de análise e um conjunto de estratégia e tática, ambos estabelecidos racionalmente e implicando uma teoria.

- O método de análise e o conjunto de estratégia e tática baseiam-se na compreensão de que a sociedade, cujas bases estão nas relações de exploração e dominação, é fundamentalmente uma sociedade de desigualdade. Essa desigualdade encontra suas bases nas classes sociais e é natural que essas classes – como conjuntos de exploradores/explorados, opressores/oprimidos, etc. – tenham posições distintas na sociedade e que, portanto, estejam em contradição e em luta permanente. Assim, anarquismo baseia-se no classismo, que reconhece a luta de classes e a necessidade de caminhos que apontem para o fim das classes sociais.

- O classismo implica necessariamente uma noção de associação e de interesses comuns entre aqueles que são vítimas do sistema de exploração e de dominação. Portanto, entende-se que a iniciativa para uma luta pela transformação desse sistema deve ser internacional, guiada pelos interesses de classe, e não por interesses nacionais, o que significa sustentar o internacionalismo.

- A leitura da realidade e o estabelecimento de objetivos e caminhos significam a concepção de estratégia e tática, ou seja, caminhos para a transformação social que se deseja realizar.

- A teoria e a prática geradas pelas análises e estratégia são necessariamente guiadas por uma concepção ética, determinada por valores morais específicos.

- As práticas voltadas ao combate da ordem de exploração e dominação devem ser realizadas por quem sofre as conseqüências dessa ordem, por meio da ação direta, sem intermediários, pessoas ou instituições que estabeleçam relações autoritárias ou que alienem essas práticas que devem, portanto, ter autonomia.

- A luta pela ação direta é realizada de baixo para cima, a partir da base, sem direções autoritárias que tirem daqueles que lutam a capacidade e o protagonismo. Essa luta envolve necessariamente elementos espontâneos e emocionais.

- A solidariedade e o apoio mútuo entre as classes exploradas e dominadas colocam a necessidade de uma associação permanente entre essas classes e não a priorização de uma ou outra delas.

- Os meios estabelecidos para a prática política devem estar em coerência com os fins que se deseja atingir.

- A transformação social é necessariamente revolucionária e não se encontra dentro do capitalismo ou do Estado.

- A autogestão e o federalismo norteiam toda a prática política e são elementos fundamentais da sociedade futura, organizando e articulando horizontalmente, por meio da democracia direta, as estruturas econômicas, políticas e sociais.

- A liberdade e a igualdade são necessariamente base do socialismo que se coloca como objetivo pós-revolucionário para a criação de uma sociedade futura.

Esses são, a nosso ver, os princípios político-ideológicos que definem a ideologia anarquista, tomando como base a definição de Schmidt e van der Walt, e colocando pequenas contribuições próprias.

Como enfatizamos anteriormente, a ideologia que se expressa nesses princípios difere da estratégia, que é “a escolha dos meios mais adequados para se atingir os fins determinados”. Nesse momento, entendemos poder deixar a questão da ideologia para entrar na discussão de estratégia. A visão que estamos sustentando é que a matriz ideológica do anarquismo – ou seja, o que define o que é o anarquismo – é constituída pelos princípios político-ideológicos que tentamos conceituar e discutir anteriormente.

É relativamente comum ver, atualmente, a afirmação de que haveria diversos “anarquismos”, o que não nos parece verdade. O que há, a nosso ver, são estratégias distintas dentro do anarquismo e é com base nessa afirmação que rechaçaremos a divisão clássica “dos anarquismos” ou das correntes anarquistas em três fundamentais: anarco-sindicalismo, anarco-comunismo e anarco-individualismo. Na realidade, essa divisão parece apresentar sobreposições de categorias e uma metodologia que não permite enxergar, entender e distinguir a totalidade das estratégias anarquistas. Assim, é possível concluir que existe um anarquismo, definido pelos seus princípios político-ideológicos, e diferentes estratégias.

Para o estudo dessas diferentes estratégias anarquistas e seus desdobramentos táticos, utilizaremos as categorias sugeridas por Schmidt e van der Walt que consideram que, no anarquismo, há duas estratégias fundamentais: o “anarquismo insurrecionalista” e o “anarquismo de massas”.

“A primeira estratégia, o anarquismo insurrecionalista, afirma que as reformas são ilusórias e que os movimentos de massa organizados são incompatíveis com o anarquismo, dando ênfase à ação armada – a propaganda pelo fato – contra a classe dominante e suas instituições, como o principal meio de despertar uma revolta espontânea revolucionária”.[20]
Essa estratégia sustenta uma posição contrária à organização, colocando-se contra os movimentos populares organizados. A partir dessa posição, o sindicalismo é considerado um movimento burocrático que busca exclusivamente as reformas (ganhos de curto prazo), constituindo um perigo ao anarquismo, que é essencialmente revolucionário. O “anarquismo insurrecionalista” considera que as lutas populares de massas são inúteis e somente ajudam a fortalecer o status-quo e, por esse motivo, essa estratégia busca somente a revolução; as reformas são condenadas ou consideradas supérfluas, já que afastariam os trabalhadores desse objetivo revolucionário. Essa estratégia considera que o anarquismo não deve ser difundido pelas palavras ou pelos escritos, mas por fatos, considerando, por estes, atos de violência contra capitalistas/burgueses e membros do Estado que deveriam tomar corpo em assassinatos, atentados à bomba ou mesmo insurreições – nesse caso sem base e respaldo popular. Essa estratégia insurrecional, conhecida também por “propaganda pelo fato”, considera que são esses atos individuais de violência, que teriam influência nos trabalhadores e camponeses, gerando, a partir deles, movimentos insurrecionais e revoltas populares, capazes de levar a cabo a revolução social. É importante ressaltar que essa estratégia sustenta a utilização da violência – essa forma de vingança popular – fora e sem o respaldo de movimentos populares amplos, ou seja, uma violência sem respaldo popular difundido fora do âmbito da classe oprimida organizada. Muito do que se chamou “individualismo anarquista” foi praticamente todo incentivador e/ou adepto dessa estratégia, principalmente por suas posições contrárias à organização. Apesar de ser historicamente minoritária, essa estratégia foi a que mais se difundiu no imaginário popular, que ficou forjada na imagem do anarquista conspirador e terrorista. O “anarquismo insurrecionalista” foi defendido por anarquistas como Luigi Galleani, Emile Henry, Ravachol, Marius Jacob, Nicola Sacco, Bartolomeo Vanzetti, Clément Duval e Severino DiGiovanni. Foi defendido também por agrupamentos, como os franceses do Bando de Bonnot e os russos do Chernoe Znamia e do Beznachalie. O “anarquismo insurrecionalista” também encontrou respaldo, por algum tempo, em anarquistas como Nestor Makhno, Kropotkin e Malatesta que, apesar de terem defendido na maior parte de suas vidas o “anarquismo de massas”, passaram por um período de defesa do insurrecionalismo.[21]

“A segunda estratégia – a qual nos referimos, por falta de um termo melhor, como anarquismo de massas – é muito diferente. Ela enfatiza a visão de que somente os movimentos de massa podem criar uma transformação revolucionária na sociedade, que tais movimentos são normalmente construídos por meio de lutas em torno de questões imediatas e de reformas (em torno de salários, brutalidade policial ou altos preços etc.), e que os anarquistas devem participar desses movimentos para radicalizá-los e transformá-los em alavancas da transformação revolucionária”.[22]
Essa estratégia é completamente favorável à organização e defende que a transformação social só pode se dar pelo protagonismo dos movimentos populares, sejam eles construídos nos locais de trabalho (pelos sindicatos ou outras estruturas) e/ou nas comunidades, sempre em torno da necessidade. O anarquismo de massas defende as reformas – desde que elas sejam conquistadas pelos próprios movimentos populares e não vindas “de cima” como obra dos capitalistas ou dos governos –, considerando que elas são os primeiros objetivos da luta popular. Essa luta, que deve constituir-se com a mobilização social, fortalece a solidariedade de classe, aumenta a consciência e melhora as condições do povo, quando há conquista de reformas. Concordando que as idéias anarquistas também deveriam ser difundidas pelos fatos, os defensores dessa estratégia de massas acreditam que esses fatos são as mobilizações populares de massa e não os atos isolados de violência. A violência, também defendida pelo “anarquismo de massas”, não deve ser realizada com o objetivo de criar movimentos insurrecionais, mas deve ser perpetrada a partir de movimentos populares amplos já existentes, e, portanto, ter significativo respaldo popular; uma violência que deve ser levada a cabo pela própria classe organizada. É por meio das lutas em torno das questões de curto prazo e buscando a conquista de reformas que os defensores dessa estratégia sustentam poder construir tais movimentos que poderão, no devido momento, engajar-se na violência revolucionária, gerando insurreições e conquistando a revolução social, sem acabar com um ou outro representante do capitalismo ou do Estado, mas com todo o sistema, construindo um novo. Assim, reformas e revolução não são contraditórias, mas complementares; é na luta pelas reformas que se forjam as condições para realizar a revolução. A sociedade futura poderia ser baseada no coletivismo (distribuição segundo o trabalho realizado) ou no comunismo (distribuição segundo as necessidades). Essa estratégia foi majoritária historicamente e defendida, entre outros, por militantes como Bakunin, Buenaventura Durruti, Fernand Pelloutier, Rudolf Rocker, Volin, Ricardo Flores Magón, Kubo Yuzuru, Mikhail Guerdzhikov, Thibedi, Ba Jin, Osugi Sakae. Na maioria do seu tempo de militância, Makhno, Kropotkin e Malatesta também defenderam o “anarquismo de massas”.

A partir dessa definição das categorias estratégicas, entende-se que a diferença entre elas se dá em relação a algumas questões fundamentais: organização, movimentos populares, reformas, melhor maneira de difusão do anarquismo e forma de aplicação da violência revolucionária. De acordo com o argumento que estamos sustentando, as distintas posições em relação a essas questões não colocam em xeque os princípios político-ideológicos anarquistas – por isso, ambas estratégias são necessariamente anarquistas –, mas marcam as diferentes posições que definem essas duas estratégias anarquistas. Nesse sentido, poderíamos dizer que as principais diferenças estratégicas no campo do anarquismo são:

- Em relação à questão da organização, tendo aqueles que a defendem e crêem que ela é imprescindível para a transformação social e aqueles que acreditam que ela é desnecessária ou mesmo autoritária.

- Sobre os movimentos populares, tendo aqueles que acreditam que eles são a única forma de organizar o povo para a luta pela revolução social e aqueles que acreditam que eles são inúteis e em nada podem ajudar o anarquismo em sua luta revolucionária.

- Em relação às reformas, há aqueles que defendem que, no seio de um movimento popular, é a luta pelas reformas que motiva a organização em torno da necessidade e que essas reformas melhoram as condições do povo, além de serem consideradas um caminho para a revolução. Há também aqueles que acreditam que as reformas não contribuem com os objetivos revolucionários e são insignificantes, portanto, os anarquistas devem lutar somente pela revolução e não pelas reformas.

- Para difundir o anarquismo, alguns defendem que a melhor forma é em meio às organizações das lutas populares (construindo e participando dessas lutas), outros que é com os atos de violência contra a classe dominante, que se deve inspirar outras ações semelhantes, dando corpo a um amplo movimento revolucionário.

- Sobre a violência revolucionária, há aqueles que defendem que ela deve ser aplicada com um amplo respaldo popular, derivando de um movimento já existente; e há aqueles que consideram que os atos de violência revolucionária são os próprios geradores desse movimento insurrecional e que, por isso, não há problemas se não houver respaldo popular, já que são esses atos que levarão a esse respaldo.

Além dessas diferenças centrais que caracterizam o “anarquismo de massas” e o “anarquismo insurrecionalista”, outras questões foram motivo de divergências e debates no seio do anarquismo ao longo dos anos e nos diversos lugares do mundo, visando estabelecer as melhores posições estratégicas e táticas: necessidade de organização específica anarquista ou não, entrar nos movimentos populares já existentes ou criar novos, atrelar mais ou menos os movimentos populares ao anarquismo, mobilizar pelo local de trabalho e/ou de moradia, sistema de distribuição e recompensa pelo trabalho realizado na sociedade futura, como estruturar a autogestão e o federalismo depois da revolução, entre outras.

Dando continuidade ao debate estratégico do anarquismo e tentando situá-lo historicamente, podemos afirmar que foi estratégia do “anarquismo de massas” a adotada no momento em que o anarquismo atinge sua maturidade, com a ADS e Bakunin. Essa estratégia, que se poderia chamar “bakuninista” enfatiza a necessidade dos movimentos populares, construídos em torno da necessidade – ou seja, das questões de curto prazo – para radicalizar-se e operar a transformação revolucionária. Para Bakunin, a AIT deveria ser este movimento e, por isso, propôs para ela uma metodologia e um programa determinados, que confirma essa estratégia. Vejamos o que diz Bakunin em 1869:

“A Associação Internacional dos Trabalhadores, fiel a seu princípio, jamais apoiará uma agitação política que não tenha por objetivo imediato e direto a completa emancipação econômica do trabalhador, isto é, a abolição da burguesia como classe economicamente separada da massa da população, nem qualquer revolução que desde o primeiro dia, desde a primeira hora, não inscreva em sua bandeira liquidação social. [...] Ela dará à agitação operária em todos os países um caráter essencialmente econômico, colocando como objetivo a diminuição da jornada de trabalho e o aumento dos salários; como meios, a associação das massas operárias e a formação das caixas de resistência. [...] Ela ampliar-se-á, enfim, e organizar-se-á fortemente atravessando as fronteiras de todos os países, a fim de que, quando a revolução, conduzida pela força das coisas, tiver eclodido, haja uma força real, sabendo o que deve fazer e, por isso mesmo, capaz de apoderar-se dela e dar-lhe uma direção verdadeiramente salutar para o povo; uma organização internacional séria das associações operárias de todos os países, capaz de substituir esse mundo político dos Estados e da burguesia que parte.”[23]
Assim, a estratégia de massas proposta por Bakunin estava clara: um amplo movimento popular criado internacionalmente e pelo conjunto de classes oprimidas, lutando ao mesmo tempo pelas questões imediatas e pela revolução social, que pudesse superar o capitalismo e o Estado e construir uma sociedade de liberdade e igualdade.

Aprofundando um pouco essa estratégia de Bakunin e da ADS, poderíamos enfatizar que ela tomava como base o materialismo como método de análise, defendendo uma dialética que, diferente da hegeliana, negava o determinismo econômico do materialismo histórico marxista e afirmava uma influência múltipla entre aspectos econômicos, políticos e sociais. A partir dessa análise entendia o sistema de capitalismo e Estado como uma sociedade de opressão, que deveria ser transformada, dando lugar a uma nova sociedade. Essa sociedade de liberdade e igualdade se constituiria a partir de transformações econômicas (socialização da produção, federação das associações produtivas, distribuição de acordo com o trabalho realizado – coletivismo – fim da herança, da propriedade privada e da divisão entre trabalho manual e intelectual), de transformações políticas (fim da autoridade infalível e o estabelecimento do federalismo político) e das transformações intelectuais e morais (instrução integral e conhecimento a serviço do povo). Os meios mais adequados para se chegar a essa nova sociedade seriam: a revolução social violenta, a internacionalização da revolução, um movimento de massas amplo que permitisse o protagonismo popular de trabalhadores e camponeses por meio da solidariedade econômica. Esses meios previam ainda uma atuação que se daria além do nível social, dos movimentos de massas, pelo nível político. Esse trabalho, que tomaria corpo na organização política revolucionária, teria por objetivo garantir ao nível social a perspectiva revolucionária, funcionando com caráter de minoria ativa, de maneira horizontal, com unidade de programa, responsabilidade coletiva, unidade de ação, e disciplina.

Essa estratégia do anarquismo proposta por Bakunin e a ADS constitui, a nosso ver – no que diz respeito ao nível de massas – o embrião do que viria a ser o sindicalismo revolucionário. Examinaremos o sindicalismo revolucionário mais à frente, contrastando com as definições de Edilene Toledo, mas, por ora, basta dizer que para nós, o sindicalismo revolucionário tem suas raízes no anarquismo – mais especificamente nas posições defendidas Bakunin e a ADS, que, ao desenvolverem as posições de Proudhon e proporem uma metodologia e um programa para a AIT, constituíram suas bases fundamentais. Para nós,

“o verdadeiro fundador do sindicalismo revolucionário foi Bakunin. Eis o que ignoram em demasia, ou que silenciam não sei por qual motivo, pois, nas construções teóricas e táticas quanto ao objetivo e às tarefas históricas do sindicalismo, Bakunin contribuiu com um conjunto de pensamentos de uma riqueza e de um dinamismo que não só não foram superados, como jamais foram igualados por qualquer outro pensador.”[24]
É em Bakunin e na ADS, com suas propostas para a AIT, que entendemos poder identificar o berço desse sindicalismo de intenção revolucionária que ficaria conhecido anos a frente pelo termo sindicalismo revolucionário.

Um pouco depois da morte de Bakunin, o “anarquismo de massas” deu lugar, por uma série de fatores, ao “insurrecionalismo”. Esta estratégia insurrecional, descolada dos movimentos populares, se em alguns casos significou certo desespero de anarquistas que constatavam a perda do “vetor social do anarquismo”[25], em outros, representava uma expectativa que estes atos insurrecionais – como atentados, assassinatos e ações armadas sem respaldo popular – pudessem estimular a criação destes movimentos. Podemos dizer que grande parte do movimento anarquista endossou essa estratégia, sendo o Congresso de Londres de 1881 o marco dessa posição em nível mundial.

Nos fins do século XIX, o anarquismo sai desta fase insurrecionalista e, com a retomada do sindicalismo de intenção revolucionária, de forte inspiração bakuninista, volta ao seio das classes exploradas e dos movimentos de massa. Esta orientação, que remonta à estratégia dos anarquistas na AIT, diferia da estratégia do “anarquismo insurrecionalista”, conforme analisa Samis. Para ele, o objetivo da estratégia de massas, nessa retomada dos fins do século XIX, era para o anarquismo

“buscar uma inserção, tornar o povo co-partícipe do processo, servir o revolucionário de fermento, agir junto às massas, não na sua frente ou em seu nome, eram as novas abordagens e mesmo uma outra inspiração metodológica para se por em prática. Um abalo na convicção dos métodos de ação anteriores produzira um rearranjo das forças e um realinhamento teórico tentava dar conta das demandas sociais mais prementes. Uma inflexão tática, com epicentro na velha França, por volta de 1894-95, muito provavelmente por lá existirem estruturas operárias expressivas e atuantes, estava em curso. As ‘Bolsas de Trabalho’ impulsionadas por, entre outros, Fernand Pelloutier, ganhavam na dinâmica organizativa das federações sindicais modelo ‘guesdista’ e, desde 1892, vinham comprovando, pela força e atitudes, a superioridade frente às antigas corporações.”[26]
Foi assim que o sindicalismo revolucionário da Confédération Générale du Travail (CGT) francesa, que contava com diversos anarquistas, foi fundamental para esta retomada do caráter classista e popular do anarquismo, o que se reflete na Carta de Amiens de 1906 quando reafirma que a CGT agrega os trabalhadores conscientes da luta, independente de suas posições políticas, e que

“essa declaração é um reconhecimento da luta de classes, que opõe no terreno econômico os trabalhadores em revolta contra todas as formas de exploração e opressão, tanto materiais como morais, postas em ação pela classe capitalista contra a classe operária”.[27]
Émile Pouget, outra referência militante da CGT, resumia:

“O problema é este: sou anarquista, quero semear as minhas idéias; qual é o terreno onde elas germinarão melhor? Já tenho a oficina, o bistrot... quero qualquer coisa de melhor: um lugar onde encontre os proletários dando-se conta da exploração que sofremos e matando a cabeça (sic) para encontrar remédio para isso. Esse lugar existe? Sim, Santo Nome de Deus! E é só um: é o agrupamento corporativo.”[28]
A partir do surgimento da CGT a estratégia revolucionária do sindicalismo, agora sob o epíteto de sindicalismo revolucionário, espalha-se pelo mundo. Apesar disso, não nos parece correto afirmar que a estratégia do sindicalismo revolucionário só passa a existir e a se espalhar pelo mundo nos anos 1890, década de fundação da CGT e a partir do seu modelo sindical. E isso marca uma outra divergência em relação ao livro de Edilene Toledo, já que, segundo ela, o sindicalismo revolucionário “vai se constituindo num projeto internacional, a partir da década de 1890”[29]. Como contrapõem Schmidt e van der Walt,

“a noção de que o sindicalismo[30] ‘nasceu na França’ no final do século XIX está equivocada. A doutrina do sindicalismo, como argumentamos, pode ser reconhecida nos tempos da corrente anarquista da Primeira Internacional. A isso deve ser adicionado que houve uma significativa onda sindical nos anos 1870 e 1880.”[31]
Sustentando esta tese, os autores exemplificam com o sindicalismo de intenção revolucionária que se desenvolveu na Espanha, em Cuba, nos EUA e no México nesse período anterior à década de 1890.[32]

A origem desse sindicalismo de intenção revolucionária não pode resumir-se, portanto, ao surgimento do termo “sindicalismo revolucionário” – este sim dos anos 1890 e, em grande medida, associado à CGT – e nem mesmo ao surgimento da própria CGT.

Em acordo com os argumentos colocados, sustentamos que o berço do sindicalismo revolucionário é a AIT e que as experiências dos anos 1870 e 1880 não se diferenciam significativamente do sindicalismo revolucionário que seria praticado e defendido pela CGT nos anos 1890. Assim, as origens do sindicalismo revolucionário, para nós, estariam na AIT e nas experiências sindicais que tomaram corpo, dentro de uma perspectiva revolucionária, na Espanha, em Cuba, nos EUA e no México, independente do termo “sindicalismo revolucionário”, que apareceria somente na França anos mais tarde.

Fechando essa primeira parte, poderíamos afirmar que o anarquismo, como uma ideologia determinada por seus princípios político-ideológicos, teve sempre em seu seio diferentes estratégias. E essas estratégias diferenciadas não fazem com que uns sejam mais ou menos anarquistas que outros; elas marcam os diversos caminhos adotados pelo anarquismo. Uma dessas estratégias foi o sindicalismo de intenção revolucionária que começa a desenvolver-se significativamente já nos anos 1860.


SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO: IDEOLOGIA OU ESTRATÉGIA?

Entremos na tese central do livro de Edilene Toledo. Ela reconhece que

“havia socialistas engajados no movimento sindicalista revolucionário que acreditavam que o sindicalismo fosse o verdadeiro herdeiro do socialismo. Havia também anarquistas que viam no sindicalismo revolucionário o verdadeiro anarquismo. E havia ainda os militantes que reconheciam o sindicalismo revolucionário como uma corrente política autônoma em relação ao socialismo e ao anarquismo.”[33]
Portanto, como ela reconhece, as interpretações sobre as matrizes ideológicas do sindicalismo revolucionário estavam em disputa. E toda a tese de seu livro baseia-se nesta terceira posição, de que o sindicalismo revolucionário seria uma ideologia própria, “um movimento que, em várias partes do mundo, se transformara em uma corrente política autônoma em relação ao anarquismo e o socialismo”.[34] Assim, ela define o sindicalismo revolucionário como

“um fenômeno internacional, uma prática sindical que se constitui como corrente política autônoma; é um movimento em defesa do sindicato como o único órgão capaz e suficiente para garantir as conquistas presentes e futuras dos trabalhadores; defende a luta de classes, a ação direta dos trabalhadores, a autonomia operária associada à autonomia sindical e a neutralidade política do sindicato, ou seja, a não-associação deste último a qualquer corrente política, o que se traduz em garantia de sua autonomia e da superação das divisões entre os trabalhadores.”[35]
E neste sentido, o sindicalismo revolucionário teria imensas diferenças com o anarquismo:

“Enquanto para os anarquistas o sindicato era algo a ser combatido ou instrumentalizado como espaço de propaganda que desapareceria na sociedade futura, assim como todas as outras instituições do mundo burguês, para os sindicalistas revolucionários o sindicato seria a base da sociedade futura, por meio da qual os trabalhadores organizariam a produção e a distribuição das riquezas, substituindo a autoridade e as funções do Estado. Enquanto os primeiros sonhavam com uma federação de indivíduos, os segundos imaginavam um mundo que fosse uma federação de sindicatos. Uns apostavam na solidariedade moral, outros numa solidariedade de classe. Enquanto para os sindicalistas revolucionários as vantagens obtidas pelos trabalhadores eram a preparação da sua emancipação, para muitos anarquistas eram parte de um fenômeno nocivo que faria que a sociedade capitalista se perpetuasse.”[36]
Afinal de contas, “para a teoria sindicalista revolucionária convergiam idéias socialistas como a luta de classes, que os anarquistas recusavam como base de sua doutrina”[37] e “as organizações pautadas no princípio do sindicalismo revolucionário procuravam obter vantagens a curto prazo no quadro do sistema existente (o que era contestado por muitos anarquistas)”.[38] E, finalmente, citando uma discussão entre anarquistas defensores do sindicalismo e outros que se opunham a ele, a autora sublinha a acusação dos primeiros, interpretada à sua própria maneira, de que “era possível ser anarquista na teoria”, “mas não na prática”.[39]

Assim, Edilene toma suas posições. Na polêmica disputa sobre a matriz ideológica do sindicalismo revolucionário, ela toma a posição de que ele constituiria uma ideologia própria – e, portanto, separada completamente do anarquismo – cuja estratégia se basearia em um movimento internacional e no sindicato como única forma de luta por conquistas de curto e longo prazo – devendo constituir, inclusive, as bases da sociedade futura. Além disso, o sindicalismo revolucionário defenderia a luta de classes, a ação direta, autonomia operária e sindical e a neutralidade política do sindicato. Para o anarquismo, segundo sua comparação, os sindicatos não seriam meios de luta, mas “algo a ser combatido” ou no máximo utilizado como espaço para a propaganda de seu ideal, em uma tarefa de educação e convencimento. O anarquismo, além disso, pretenderia criar uma sociedade futura baseada em uma federação de indivíduos, defenderia a solidariedade moral, posicionando-se contra a luta de classes e, na maioria dos casos, contra as reformas, podendo, em alguns casos, resumir-se a uma simples teoria.

Nessa diferenciação entre anarquismo e sindicalismo revolucionário, que é embasada até pela classificação da polícia[40], Edilene Toledo comete o grave equívoco de considerar as posições estratégicas dos anarquistas, que estão dentro do que definimos anteriormente como o “anarquismo insurrecionalista”, como princípios político-ideológicos que definiriam o anarquismo. Algumas posições que ela utiliza para definir o anarquismo e diferenciá-lo do sindicalismo revolucionário não se encontram, como vimos, nos princípios da ideologia anarquista, mas no campo da estratégia: a negação do sindicato como espaço de atuação, a sociedade futura baseada em federações de indivíduos e a negação da luta pelas reformas. As outras nos parecem afirmações sem fundamentos: que o anarquismo poderia ser somente uma teoria sem implicar uma prática, que o anarquismo é contra a luta de classes[41] e que ele se basearia tão-somente na solidariedade moral.

Outro equívoco é que, além de considerar posições estratégicas como princípios, ela freqüentemente generaliza estratégias minoritárias do anarquismo, como se elas fossem majoritárias. Em nível mundial, é possível afirmar que o “anarquismo de massas” sempre foi muito maior do que o “anarquismo insurrecionalista”. No Brasil, que discutiremos mais à frente, poderíamos dizer que o “anarquismo de massas” foi, em grande medida, o que se chamou aqui de “organizacionismo” e o “anarquismo insurrecionalista” tenha feito parte do que, no Brasil, chamou-se de “antiorganizacionismo” – ainda que nesta estratégia brasileira houvesse uma significativa quantidade de anarquistas que eram contra a organização, mas que defendiam o “educacionismo” – uma concepção de que as massas deveriam ser educadas e convencidas para promover a transformação, ainda que sem organização, e contando com alto grau de espontaneísmo. No Brasil, a tradição do “organizacionismo” foi bem maior que a do “antiorganizacionismo”. Portanto, não é correto generalizar aspectos estratégicos do “anarquismo insurrecionalista” ou do “antiorganizacionismo” como se representassem toda a estratégia anarquista. Como enfatizamos, certamente as estratégias “insurrecionalistas” ou “antiorganizacionistas” existiram, e constituem parte da ideologia anarquista. No entanto, não foram e nem representam a principal e mais significativa estratégia do anarquismo.

Essa generalização das posições estratégicas minoritárias do anarquismo é feita, na maioria dos casos, pelas citações de exemplos, dando a entender que eles seriam generalizáveis. Por exemplo, quando ela afirma: “Oreste Ristori, que se declarou contrário a qualquer tipo de sindicalismo”[42], dando a idéia que essa posição é majoritária ou generalizável, o que sabemos que não é. A própria autora reconhece que “apesar dos objetivos comuns, os anarquistas divergiam muito sobre as estratégias, os caminhos a percorrer”[43] e por isso, se é verdade que havia os que, como Ristori, defendiam posições de crítica à organização, aos sindicatos, às reformas etc., havia outros que possuíam posições completamente distintas.

E Edilene Toledo sabe dos anarquistas que defendiam os sindicatos, pois afirma que muitos anarquistas “mergulharam nas idéias e na prática do sindicalismo revolucionário e viram no sindicato seu principal e mais eficiente espaço de atuação”[44]. E mais, “muitos anarquistas também decidiram participar do movimento sindical inspirado pelo sindicalismo revolucionário”[45], como foi o caso dos “anarquistas reunidos no jornal Il Libertário, que na prática atuavam no sindicato como sindicalistas revolucionários”[46]. Inclusive, ela sabe que “para alguns militantes, no entanto, a despeito das críticas ao anarquismo, sobretudo às suas divisões e à sua impotência, o sindicalismo revolucionário seria uma corrente nova, mas dentro do próprio anarquismo: o anarquismo operário”[47].

Com estas declarações poderíamos começar a discutir alguns argumentos de Edilene Toledo. Nestas próprias citações, é possível notar que havia anarquistas que não queriam somente combater o sindicato e utilizá-lo para propagandear seu ideal, como ela mesma colocou em sua comparação. Havia aqueles que viam “no sindicato seu principal e mais eficiente espaço de atuação”. Se havia aqueles que consideravam os sindicatos o “principal e mais eficiente espaço” e se havia aqueles que defendiam o sindicalismo revolucionário como um “anarquismo operário”, então decorre disso que nem todos eram contra a luta de classes, as reformas e que muitos anarquistas estavam bem ancorados na prática e não só no trabalho teórico. Isso porque o sindicalismo revolucionário estava fundamentado na luta de classes entre trabalhadores e patrões, na luta por conquistas de curto prazo – como a redução de jornada de trabalho e aumentos salariais – e na prática sindical, que ia muito além da teoria.

Definido o sindicalismo, Schmidt e van der Walt afirmam que ele

“é uma variação do anarquismo, e o movimento sindicalista é parte da ampla tradição anarquista. Isso é aplicável a todas as principais variantes do sindicalismo: o anarco-sindicalismo (que se situa, explicitamente, dentro da tradição anarquista), o sindicalismo revolucionário (que não faz de maneira explícita esta conexão por ignorância ou por uma negação tática de sua ligação com o anarquismo), o deleonismo (uma forma de sindicalismo revolucionário que se reivindica marxista) e o sindicalismo de base (uma forma de sindicalismo que constrói grupos independentes de base que se envolvem com sindicatos ortodoxos, apesar de serem independente deles). O sindicalismo, na essência, é uma estratégia anarquista e não um rival do anarquismo. Quando utilizamos o termo sindicalismo sem prefixos ou qualificações, o fazemos de maneira a descrever todas estas variantes do sindicalismo.”[48]
Não aprofundaremos as discussões sobre o deleonismo e o sindicalismo de base, detendo-nos ao sindicalismo revolucionário e ao anarco-sindicalismo, cujas diferenças discutiremos mais a diante.

Retomando, podemos dizer que “há duas principais correntes no anarquismo, definidas por suas orientações estratégicas: o anarquismo de massas e o anarquismo insurrecionalista”. O sindicalismo

“foi uma forma do anarquismo de massas que ilustrava a visão de que os meios devem prefigurar os fins e que as lutas diárias poderiam gerar um contra-poder revolucionário, e a grande maioria dos anarquistas o abraçou. [...] O sindicalismo foi uma estratégia anarquista e deve ser entendido como tal.”[49]
Recordemos que Edilene Toledo afirma que o sindicalismo revolucionário é uma ideologia, diferente do anarquismo. Diferentemente, para nós, conforme a tese de Schmidt e van der Walt, e de acordo com as discussões que fizemos anteriormente sobre ideologia e estratégia, o sindicalismo revolucionário foi uma estratégia da ideologia anarquista para o movimento de massas. Cabe verificar e discutir com algum detalhe quais são os argumentos de Edilene Toledo que sustentam a tese de que o sindicalismo revolucionário é uma ideologia, opondo-a com a nossa posição, de que ele seria uma estratégia do anarquismo. Edilene afirma que a

“novidade do movimento sindicalista revolucionário foi a sua vinculação da autonomia operária à ação sindical, ou seja, o sindicato passa a ser visto como o instrumento da autonomia. [...] Autonomia em relação aos partidos e à política era, portanto, uma exaltação da capacidade de autogoverno dos trabalhadores.”[50]
Além de significar “capacidade de autogoverno dos trabalhadores” esta autonomia provaria o completo desvínculo do sindicalismo com o anarquismo. Representada pela neutralidade e pela independência, a autonomia dos sindicatos deveria se dar em relação “aos partidos e às doutrinas” referindo-se “tanto ao socialismo como ao anarquismo, que, na época, era chamado de partido anarquista.”[51] Segundo a interpretação de Edilene, “a neutralidade do sindicato defendida pelos sindicalistas revolucionários era um compromisso que visava justamente superar a luta travada entre socialistas e anarquistas no interior das organizações operárias”[52]. As próprias resoluções do Congresso Operário de 1906 reforçariam esta sua posição, já que se recomendava “pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política e religiosa, ou de um programa eleitoral”[53]. Portanto, se o sindicalismo revolucionário defendia a autonomia, a neutralidade e a independência, ele não poderia ser anarquista, já que o anarquismo é uma ideologia, uma posição política definida e determinada, constituindo, às vezes, até “um partido” e o fato de no sindicato poderem estar todos os trabalhadores, independente de suas posições políticas e ideológicas, demonstraria que o sindicalismo revolucionário não estaria relacionado com o anarquismo.

Além disso, Edilene Toledo utiliza algumas vezes o exemplo do sindicalismo revolucionário na Itália, que se desenvolveu a partir de uma dissidência do partido socialista. Segundo ela “vários historiadores italianos consideram que a ideologia sindicalista revolucionária aproximava-se mais do marxismo que do anarquismo”[54]. A defesa de uma cultura classista[55], das cotas mensais para os trabalhadores[56] e dos funcionários pagos[57] diferenciariam ainda mais o sindicalismo revolucionário – que a seu ver sustentava todas essas posições – do anarquismo – que, segundo sua interpretação, seria contrário a tais posições.

Estes argumentos levam-na a acreditar, por fim, que “o movimento operário foi, em vários momentos, muito mais sindicalista revolucionário do que anarquista”[58], afirmando, em conclusão, que “o sindicato não era anarquista pois era aberto a todos os trabalhadores, fossem eles ligados a alguma corrente política ou não”[59].

Tentemos sistematizar as posições de Edilene. Primeiramente, a autonomia proposta pelo sindicalismo revolucionário (que para ela teria surgido nos anos 1890) era uma novidade. Depois, seria esta nova autonomia – representada pela neutralidade e a independência sindical – que incentivaria a associação operária sob bases econômicas, e não políticas ou religiosas. Desta maneira, o fato de os sindicatos estarem abertos a todos os trabalhadores desvincularia o sindicalismo revolucionário tanto do socialismo como do anarquismo. Além disso, o exemplo da Itália demonstraria que não foram os anarquistas que impulsionaram o sindicalismo revolucionário no mundo todo, havendo até autores que o afirmam como uma derivação do marxismo. Finalmente, o sindicalismo revolucionário defendia a cultura classista, as cotas e os funcionários pagos, o que seria rejeitado pelo anarquismo. Tudo isso levaria à conclusão que o sindicalismo revolucionário é uma ideologia independente, diferente do anarquismo e completamente separada dele.

Como sustentamos anteriormente, para nós o sindicalismo revolucionário não surge nos anos 1890, tendo suas origens nos anos 1860 e desenvolvendo-se durante os anos 1870 e 1880. No berço do sindicalismo revolucionário, a AIT, fundada em 1864, esta “nova autonomia” já estava presente. Vejamos algumas posições de Bakunin em 1869:

“Pensamos que os fundadores da Associação Internacional agiram com grande sabedoria ao eliminar inicialmente do programa desta Associação todas as questões políticas e religiosas. Sem dúvida, não lhes faltaram, em absoluto, nem opiniões políticas, nem opiniões anti-religiosas bem definidas; mas eles abstiveram-se de emiti-las nesse programa, pois seu objetivo principal era unir acima de tudo as massas operárias do mundo civilizado numa ação comum. Tiveram necessariamente de buscar uma base comum, uma série de simples princípios sobre os quais todos os operários, quaisquer que sejam, por sinal, suas aberrações políticas e religiosas, por pouco que sejam operários sérios, isto é, homens duramente explorados e sofredores, estão e devem estar de acordo. Se eles arvorassem a bandeira de um sistema político ou anti-religioso, longe de unir os operários da Europa, eles os teriam dividido ainda mais. [...] [O fundamento único da AIT era] apenas a luta exclusivamente econômica do trabalho contra o capital, porque eles [os fundadores da AIT] tinham certeza de que, a partir do momento que o operário põe o pé neste terreno, a partir do momento que, adquirindo confiança tanto em seu direito como na força numérica, ele engaja-se com seus companheiros de trabalho numa luta solidária contra a exploração burguesa, ele será necessariamente levado, pela própria força das coisas, e pelo desenvolvimento dessa luta, a logo reconhecer todos os princípios políticos, socialistas e filosóficos da Internacional. [...]”[60]
Com este trecho, podemos começar algumas reflexões. Primeiro, que a autonomia não era uma questão nova no movimento operário dos anos 1890, sendo defendida pelos anarquistas e militantes de outras ideologias já na década de 1860. Posições estas, que reforçavam as da própria AIT, como se pode ver nos Estatutos votados pelo Congresso de Genebra em 1866 que, entre outras coisas, afirmava:

“Que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores; [...] Que a sujeição econômica do trabalhador aos detentores dos meios de produção, quer dizer, das fontes da vida, é a primeira causa de sua servidão política, moral, material; Que a emancipação econômica dos trabalhadores é conseqüentemente o grande objetivo ao qual todo movimento político deve estar subordinado como meio [...]”[61]
Desta maneira é possível afirmar que o argumento de que a autonomia era um elemento novo no sindicalismo dos anos 1890 é falso, visto que os próprios anarquistas, e mesmo outros membros do movimento operário dos anos 1860, já defendiam a associação dos trabalhadores sob bases econômicas, e não políticas (ideológicas) ou religiosas. Defendiam, além disso, a emancipação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores e a luta de classes como uma contradição em meio à qual esses trabalhadores se engajariam na luta pela emancipação.

Segundo que, também como podemos ver, a autonomia, neutralidade ou independência do movimento popular já era defendida por Bakunin. Neste sentido, a estratégia anarquista, conformada naquele momento pelos escritos de Bakunin e outros aliancistas, não previa transformar toda a AIT em anarquista (socialista revolucionária ou coletivista, como preferiam se chamar), defendendo-a como um movimento da classe trabalhadora que recebesse em seu seio todo trabalhador disposto a lutar. A estratégia anarquista daquele momento previa um estímulo às organizações de massas de trabalhadores sob bases econômicas, não subordinadas a qualquer idéia ou partido político ou religioso – e portanto organizações autônomas, neutras e independentes – que deveriam agrupar trabalhadores da cidade e do campo para, em meio à luta de classes, reivindicar questões de curto prazo e, com o acúmulo de força necessário, promover a revolução social e erigir o socialismo libertário. Apesar de, para anarquistas deste período, sua organização política (ADS) ter uma função de catalizadora do movimento de massas (AIT), sua estratégia previa que a transformação fosse feita pelos próprios trabalhadores, e não pelos anarquistas, que eram somente um setor destes trabalhadores. Portanto, na clássica discussão entre “partido” e “movimento de massas”, é possível afirmar que, para os anarquistas, era o nível social, ou seja, o movimento de massas – e neste caso a AIT – que deveria protagonizar a transformação social, e não o nível político, ou seja a organização política revolucionária anarquista (partido).

Terceiro, a luta pelas conquistas de curto prazo (reformas), quando os trabalhadores organizam-se no terreno da luta de classes, tem validade, pois dão confiança aos trabalhadores e acumulam forças para a revolução social. E foi por isso que Bakunin afirmou ser necessário “falar-lhes [aos trabalhadores] de reformas econômicas da sociedade”[62], e defender a associação operária como um meio de tornar a vida dos trabalhadores melhor, fazendo com que se tornassem aptos à organização e à gestão da sociedade:

“Associemo-nos em empresas comuns para fazer nossa existência um pouco mais suportável e menos difícil; formemos em toda parte, e tanto quanto nos seja possível, essas sociedades de consumo, de crédito mutual e de produção, que, conquanto incapazes de emancipar-nos de uma maneira suficiente e séria nas condições econômicas atuais, habituam os operários à prática dos negócios e preparam germes preciosos para a organização do futuro.”[63]
Bakunin reconhecia que as associações de classe, ainda que não fizessem imediatamente a revolução, poderiam contribuir na organização e na luta dos explorados por conquistas de curto prazo, melhorando sua condição de vida e habituando os trabalhadores à luta, à organização e a gestão de suas próprias vidas, elementos fundamentais para o horizonte das conquistas de longo prazo.

Portanto, a estratégia do anarquismo, neste momento da maturidade, baseava-se, fundamentalmente, na conformação de um movimento de massas, amplo e popular, que agregasse a maioria dos trabalhadores, sem distinções políticas ou religiosas, proporcionando as devidas condições para que realizasse esta dupla função: lutar pelas questões de curto prazo e encabeçar, ele mesmo, o processo revolucionário rumo ao socialismo.

O que dizer desta estratégia defendida pelos anarquistas no seio da Internacional? Que ela não era anarquista? Utilizando a argumentação de Edilene Toledo que afirma que o sindicalismo revolucionário não faz parte da tradição anarquista, poderíamos afirmar que Bakunin e os aliancistas – ou seja, o anarquismo da maturidade que se desenvolveu depois de Proudhon – também não eram anarquistas, ou ainda, que eles seriam mais “sindicalistas revolucionários” do que anarquistas, o que nos parece um imenso engano.

Quarto, sobre o caso do sindicalismo revolucionário na Itália. Aqui novamente, a autora confunde o leitor ao pegar um episódio de exceção da história do sindicalismo revolucionário mundial e generalizá-lo, insinuando que ele poderia constituir uma regra. Vejamos como Schmidt e van der Walt tratam do tema da influência do anarquismo no sindicalismo em nível mundial e também do caso da Itália. Dizem eles:

“No período glorioso e depois, os anarquistas e sindicalistas estabeleceram ou influenciaram sindicatos em diferentes países como Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Bulgária, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Egito, El Salvador, França, Alemanha, Guatemala, Irlanda, Itália, Japão, México, Holanda, Nova Zelândia, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, África do Sul, Espanha, Suécia, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela.”[64]
Diferentemente do que afirma de Edilene Toledo, quando enfatiza que “é difícil avaliar o grau de penetração da ação anarquista”[65], os africanos afirmam:

“Se utilizarmos o critério um tanto limitado de influência no movimento sindical para determinar a influência da ampla tradição anarquista na classe trabalhadora, Argentina, Brasil, Chile, Cuba, França, México, Peru, Portugal e Uruguai constituem, todos, países em que o anarquismo e o sindicalismo eram [para além do caso da Espanha] uma força política dominante entre os trabalhadores organizados; a Holanda também é um caso de influencia fundamental. [...] [Isso se forem excluídos os] movimentos camponeses com ampla influência anarquista [que] se desenvolveram, entre outros lugares, na Bulgária, na Manchúria, no México e na Ucrânia, assim como na Espanha. [...] Mesmo onde a ampla tradição anarquista teve menos influência do que o sindicalismo ortodoxo ou o socialismo político, seu impacto foi freqüentemente considerado; uma condição minoritária não deve ser confundida com insignificância.” E continuam: “A Itália nos oferece um importante exemplo da necessidade de levar em conta o impacto cultural e informal da ampla tradição anarquista. A falta de uma organização anarquista ou sindicalista desde os tempos da Primeira Internacional até o surgimento da USI em 1912 é facilmente interpretada como uma indicação da insignificância da ampla tradição anarquista. Tal abordagem vem da tradição da ‘velha história do trabalho’, que enfatiza a organização formal e a liderança. A ‘nova história do trabalho’, que enfatiza a história social das classes populares e a necessidade de examinar os movimentos populares de baixo para cima, oferece uma necessária correção a estas perspectivas, por sua observação das formas culturais e organizações informais. Utilizando uma abordagem de história social, o trabalho inovador de Carl Levy sobre o anarquismo italiano sugere que o movimento teve um impacto maior na cultura da classe trabalhadora e na esquerda em nível local, fornecendo grande parte de sua linguagem, símbolos e táticas, além de influenciar seções do PSI [Partido Socialista Italiano] e da CGL [Confederação Geral do Trabalho].”[66]
Tal análise sustenta que, para além do fato de o sindicalismo revolucionário ter sido, hegemonicamente, uma estratégia anarquista para o movimento de massas em nível mundial, mesmo nos lugares em que o anarquismo não foi hegemônico, houve uma difusão de sua estratégia que se generalizou, impregnando e influenciando outras práticas sindicais ao longo do mundo. Assim, entendemos que considerar o caso italiano para demonstrar a não-influência do anarquismo no sindicalismo revolucionário não nos parece correto, primeiro pelo caso da Itália não ser regra, e sim exceção; depois pelas práticas do sindicalismo revolucionário terem se generalizado pelo mundo, possuindo ampla influência.

Quinto, deve-se condenar a tentativa de dar ao sindicalismo revolucionário uma filiação marxista. No seio da AIT, em que a nosso ver mostraram-se, na prática, as principais diferenças entre o anarquismo e o marxismo, o que separou “libertários” de “autoritários” foi justamente a diferença de estratégia: ao passo que os primeiros queriam mobilizar as massas pelas necessidades econômicas, dando a ela a responsabilidade da revolução social e pela gestão da nova sociedade sem classes e sem Estado, os segundos buscavam constituir a classe em partido da classe, subordinando o movimento econômico ao político-ideológico, com a imposição de um programa político-ideológico para o movimento popular, que incluía uma concepção de socialismo como fase intermediária de centralização do poder econômico e político no Estado.

Sexto, e finalmente, foi o sindicalismo revolucionário, como estratégia anarquista, que promoveu a cultura popular no seio das massas, e demonstração disso são os centros de cultura que foram impulsionados pelos anarquistas, além de suas iniciativas de educação e instrução popular que ajudaram a forjar esta cultura em setores significativos dos trabalhadores e camponeses. Em relação às cotas, os anarquistas sempre defenderam as contribuições dos militantes, fato que pode ser atestado com as cotizações que houve, ao longo dos anos, para suas publicações e associações de classe. Sobre os funcionários pagos, os anarquistas buscaram evitá-los, mas, em casos imprescindíveis, pregavam que estes não recebessem mais do que um operário, ou seja, terminaram convivendo com isso.

Ainda em relação aos argumentos colocados na comparação de Edilene entre anarquismo e sindicalismo revolucionário, citemos novamente Bakunin em relação a duas questões. Sobre o internacionalismo, enfatizava:

“uma associação operária isolada, local ou nacional, mesmo que pertença a um dos maiores países da Europa, jamais poderá triunfar. [...] Para obter este triunfo, não é preciso nada menos que a união de todas as associações operárias locais e nacionais numa associação universal, faz-se necessário a grande Associação Internacional dos Trabalhadores.”[67]
Sobre a luta de classes, afirmava:

“O antagonismo que existe entre o mundo operário e o mundo burguês assume um caráter cada vez mais pronunciado. Todo homem que pensa seriamente, e cujos sentimentos e imaginação não são absolutamente alterados pela influência amiúde inconsciente de sofismas interessados, deve compreender hoje que nenhuma reconciliação entre eles é possível. Os trabalhadores querem a igualdade, e os burgueses querem a manutenção da desigualdade. Evidentemente, uma destrói a outra.”[68]
Podemos colocar, portanto, que anarquismo defende: que o capitalismo é uma sociedade de classes; que existe uma luta de classes entre os trabalhadores e seus exploradores; um movimento popular internacional de trabalhadores; que este movimento constitua-se sobre as bases econômicas, e portanto da autonomia, da neutralidade e da independência, permitindo que todos os trabalhadores, sem distinções políticas ou religiosas, façam parte dele; que são os próprios trabalhadores, ou seja, o próprio movimento popular que deve emancipar-se por si mesmo – o que seria chamado futuramente de “ação direta”; que este movimento tenha uma dupla função nas lutas de curto prazo (reformas) e na construção de uma força popular capaz de realizar a revolução social e erigir o socialismo libertário. Podemos afirmar, ainda, que o anarquismo: impulsionou a primeira onda do sindicalismo de intenção revolucionária desde os anos 1860; desenvolveu-se mundialmente, em teoria e prática, sendo o sindicalismo revolucionário seu maior campo de atuação prática e sua estratégia mais adotada; cultivou uma cultura de classes, participou das cotizações e conviveu com os funcionários pagos nos sindicatos. Finalmente, podemos dizer que: a Itália não constitui um caso exemplar para invalidar a influência do anarquismo no sindicalismo revolucionário; a estratégia do marxismo difere amplamente da estratégia do sindicalismo revolucionário.

Todas essas afirmações só podem nos levar a concluir que praticamente todos os argumentos apresentados por Edilene Toledo – para desvincular o sindicalismo revolucionário do anarquismo, para definir o sindicalismo revolucionário como uma ideologia própria ou para compará-lo com o anarquismo – são falsos ou equivocados.

Os elementos identificados por ela como sendo constituintes da “ideologia sindicalista revolucionária” já estavam presentes na estratégia de transformação social proposta pelo anarquismo clássico, quando se desenvolveu organizada e coletivamente, desde seus primeiros tempos. O que a autora faz, a nosso ver, é, em um debate que se dava dentro do campo do anarquismo, vincular uma das posições estratégicas ao que seria “o anarquismo” (as posições contrárias à organização, ao sindicalismo, às reformas etc.) e a outra ao que seria “o sindicalismo revolucionário” (defesa da organização, dos sindicatos, das reformas etc.). Conforme já explicitado, ambas estratégias foram defendidas dentro da ideologia anarquista não sendo, assim, possível afirmar essa distinção entre anarquismo e sindicalismo revolucionário da maneira argumentada por Edilene.


ORGANIZACIONISMO E SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO NO BRASIL

Como a própria Edilene Toledo reconhece,

“se houve coincidência entre os anarquistas sobre o objetivo final a ser alcançado, houve também muita divergência sobre o caminho a percorrer para atingi-lo, sobre estratégias e táticas. Enquanto uns acreditavam nas insurreições, outros apostavam nos atos individuais de violência; uns escolheram o campo da propaganda e a educação de todos os homens, enquanto outros elegeram o mundo do trabalho como espaço privilegiado para a propagação de suas idéias.”[69]
Aqui, estamos de acordo com ela: no anarquismo brasileiro, assim como aconteceu em todo o mundo, houve divergências sobre as estratégias e táticas a serem utilizadas. No Brasil, conforme coloca Samis, discutindo a vida de Neno Vasco:

“Internamente o grupo de Neno destacava-se em um debate que colocaria em evidência duas tendências no interior do movimento anarquista. Uma primeira, defendida pelo O Amigo do Povo, a organizacionista, buscava uma relação entre os libertários, com vistas ao estabelecimento da tese malatestiana de partido. Em conformidade com esta perspectiva viam no sindicato um excelente meio para unir trabalhadores e fazer a necessária propaganda, objetivando criar uma organização anarquista com base operária sólida. [...] Em oposição, a tendência antiorganizacionista suspeitava da aproximação excessiva entre anarquistas e sindicalistas. Pensavam os dessa vertente que a constituição de grupos estáveis, com relações sólidas e permanentes, alheios muitas vezes à efemeridade de determinados objetivos, era um desvio da essência mesmo do anarquismo. No ano de 1905, o periódico La Battaglia, reduto dos antiorganizacionistas, sintetizava suas teses no grupo La Propaganda.”[70]
Desta forma, é possível afirmar, assim como fizeram Schmidt e van der Walt, que haveria neste caso duas estratégias distintas. A que eles chamaram de “anarquismo de massas”, análoga do “organizacionismo” descrito por Samis, e a que chamaram de “anarquismo insurrecionalista”, análoga do “antiorganizacionismo”, com as devidas diferenças citadas anteriormente. No “antiorganizacionismo” brasileiro reuniam-se, para além daqueles que defendiam as posições insurrecionais como motivadoras de movimentos transformadores, aqueles que, também contrários à organização, sustentavam a educação como principal maneira dos anarquistas trabalharem nos meios populares, tendo muitos desses anarquistas significativa influência individualista.

Isso não significa dizer que todos os que defendiam a educação eram “antiorganizacionistas”; como também já explicitado, a educação era considerada um aspecto central para a imensa maioria dos anarquistas e a diferença entre “organizacionistas” e “antiorganizacionistas” sobre esse aspecto se dava fundamentalmente sobre a melhor maneira e os melhores meios para se promover essa educação. Para os primeiros, os sindicatos eram os meios mais adequados para promover a educação popular, para os segundos, não.

Além das diferenças estratégicas entre o “organizacionismo” e o “antiorganizacionismo”, havia debates dentro dessas próprias correntes. Um deles, ocorrido no seio do “organizacionismo” nos faz chegar a um outro aspecto central do livro de Edilene Toledo. Ainda segundo Samis,

“no meio organizacionista, que em tese aceitava o sindicalismo como campo tático, ainda assim não havia unanimidade. Partilhavam dessa posição duas correntes: uma, a qual estava filiado Neno, sempre fiel a Malatesta, que defendia a neutralidade dos sindicatos e a não subordinação destes ao anarquismo ou a qualquer doutrina social; e outra que, apoiada em experiências como a da FORA do V Congresso, na qual o anarquismo havia tacitamente sido recomendado como ideologia aos congressistas, via no ‘finalismo’ uma atitude mais conseqüente.”[71]
Na realidade, este debate estratégico que se deu no seio do “organizacionismo” brasileiro nos parece central. Entendemos que a própria motivação de Edilene ao escrever seu livro tenha sido desmistificar a utilização dos termos “anarco-sindicalismo” – muito utilizado em referência ao sindicalismo revolucionário brasileiro – e “anarco-sindicalistas” – também muito utilizado em referencia aos anarquistas que atuavam nos sindicatos.

Para ela, “o anarco-sindicalismo, termo que na verdade só seria usado muito mais tarde, tinha uma concepção diferente de sindicalismo revolucionário”[72] e “parte do equívoco de associar todo o movimento operário da Primeira República ao anarquismo foi a tendência de incorporar o sindicalismo revolucionário ao anarquismo, com o nome de anarco-sindicalismo”[73].

E realmente houve, e ainda há, a nosso ver, uma confusão em relação às diferenças e similaridades entre o anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolucionário. E não são poucas as abordagens que utilizaram, e ainda utilizam, o termo anarco-sindicalismo, referindo-se às experiências de sindicalismo revolucionário, e o termo anarco-sindicalistas referindo-se aos anarquistas que defendiam a atuação nos sindicatos.

Essa é uma discussão realmente importante e vemos que Edilene Toledo, notando isso, propôs-se a analisar o fenômeno sindical no Brasil da Primeira República buscando responder se o que houve no Brasil foi o sindicalismo revolucionário ou o anarco-sindicalismo. O problema, nos parece, é que, nessa diferenciação entre um e outro, ela se deu conta, corretamente, que o que houve no Brasil foi sindicalismo revolucionário. No entanto, não entendemos por que motivo, ao invés de identificar e aprofundar as diferenças entre um e outro, demonstrando que o que houve no Brasil foi o sindicalismo revolucionário, e ao invés de demonstrar as relações, similaridades e diferenças do sindicalismo revolucionário com o anarquismo, ela preferiu fazer outra coisa. Fez da tese central de seu livro uma tentativa de demonstrar as diferenças entre anarquismo e sindicalismo revolucionário visando demonstrar a incompatibilidade e a distância entre eles. Aprofundemos um pouco essa discussão sobre o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo.

Como vimos, dentro do campo do anarquismo havia duas estratégias: uma que defendia os sindicatos (majoritária) e outra que era contra eles (minoritária). No entanto, como colocam Schmidt, van der Walt e Samis, dentro daqueles que defendiam os sindicatos, havia uma discussão sobre o tipo de vínculo que deveria haver entre o sindicalismo e o anarquismo. E entendemos que é nessa diferença – no nível de vinculação explícita e consciente do sindicalismo ao anarquismo – que se dá a diferença entre sindicalismo revolucionário e anarco-sindicalismo. Vejamos as definições que nos apresentam Schmidt e van der Walt sobre essas duas formas de se conceber a organização sindical:

“Anarco-sindicalismo é um termo mais reservado ao tipo revolucionário de sindicalismo que é aberta e conscientemente anarquista em suas origens, orientações e objetivos. O exemplo clássico seria a CNT espanhola, que possui suas raízes na seção espanhola anarquista da Primeira Internacional [a FRE] e nas idéias de Bakunin. [...] Sindicalismo revolucionário, por outro lado, é um termo mais reservado para a variante sindicalista que, por diversas razões, não se vincula explicitamente à tradição anarquista, e não percebia, ignorava, minimizava sua descendência anarquista.[74] É típico das correntes sindicalistas revolucionárias negarem seu alinhamento a quaisquer filosofias ou agrupamentos políticos específicos – reivindicarem-se ‘apolíticas’, apesar da política radical que reúnem. A CGT francesa depois de 1895 é um clássico exemplo de um sindicato revolucionário que minimizou suas ligações com o anarquismo.”[75]
Como tentamos demonstrar, o sindicalismo que sustentava a neutralidade, a independência e a autonomia dos sindicatos, ou seja, sua não vinculação a qualquer corrente política e ideológica constitui o sindicalismo revolucionário. O sindicalismo revolucionário nunca se colocou, explícita e conscientemente, em vínculo com o anarquismo. E isso não invalida a afirmação que fizemos anteriormente: o sindicalismo revolucionário é, para nós, uma estratégia do anarquismo – um vetor social –, que foi impulsionada determinantemente pelos anarquistas, ainda que tenha tomado corpo em todo um contingente popular amplo de anarquistas e não-anarquistas, corpo esse que constituiu sua verdadeira base, e faz com que não seja possível atribuir completamente o fenômeno do sindicalismo revolucionário aos anarquistas. O que diferencia esse sindicalismo revolucionário do anarco-sindicalismo é que o primeiro nunca se vinculou explícita e conscientemente ao anarquismo, diferentemente do segundo. Considerando essa diferença, os dois maiores exemplos de anarco-sindicalismo na história teriam ocorrido na Argentina e na Espanha.

A Federação Operária Regional Argentina (FORA), “embora sendo uma organização de classe, [...] era representativa do anarquismo na Argentina”[76]. No III Congresso de 1903 a FORA rejeita o socialismo reformista e nos fins de 1904 busca conjugar sindicalismo e anarquismo. No V Congresso de 1905, respondendo à questão de quais seriam os métodos para que o operariado conquistasse sua completa emancipação, a FORA afirma:

“O V Congresso operário regional argentino, conseqüente com os princípios filosóficos que são a razão de ser das organizações de federações operárias, declara: que ele aprova e aconselha a todos os seus aderentes a propaganda e a ilustração mais ampla possível, com o objetivo de inculcar nos operários os princípios econômicos e filosóficos do comunismo anarquista. Essa educação, evitando que eles se detenham na conquista das 8 horas, os conduzirá à sua completa emancipação e, por conseqüência, à evolução social buscada.”[77] (grifos adicionados)
A essa orientação ideológica do sindicalismo da FORA chamou-se “finalismo forista”. A partir desse V Congresso quando, a nosso ver, marca-se o estabelecimento do anarco-sindicalismo na FORA argentina, a concepção que passa a ser defendida é que o operário organiza-se e adere ao sindicato não em função da idéia ou de uma crença filosófica ou ideológica, mas pela sua condição de explorado. Por isso, não se restringia a entrada no sindicato apenas àqueles que se identificavam com o anarquismo: os sindicatos permitiam a entrada de todos os trabalhadores explorados que estivessem dispostos à luta pela melhoria das condições de vida e de trabalho. No entanto, além desses objetivos de luta, entendia-se que os operários deveriam buscar a completa transformação da sociedade e, por meio da revolução social, construir uma nova ordem. Esse finalismo, caracterizado pela perspectiva de longo prazo, seria representado pelo comunismo anarquista.[78] A aprovação congressual que endossa uma vinculação consciente e explícita ao anarquismo, incentivando sua difusão, e o finalismo determinado pelo comunismo anarquista, evidenciam, para nós, o anarco-sindicalismo da FORA.

Na Espanha, por um processo semelhante, a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), em seu congresso de 1919 realizado em Madri, também aprovou um vínculo explícito e consciente com o anarquismo, em sua declaração de princípios:

“Os delegados que subscrevem – tendo em conta que a tendência que se manifesta com mais força no seio das organizações operárias de todos os países é a que caminha à completa, total e absoluta libertação da humanidade na ordem moral, econômica e política, e considerando que esse objetivo não poderá ser alcançado enquanto não sejam socializados os instrumentos de produção, de troca, a terra e não desaparecer o poder absorvente do Estado – propõem ao congresso, de acordo com os postulados da Primeira Internacional, que declare a finalidade que busca a Confederação Nacional do Trabalho da Espanha é o comunismo anárquico.”[79] (grifos adicionados)
Nesse caso, também, o que caracteriza para nós o anarco-sindicalismo da CNT é essa vinculação explícita ao anarquismo, que seria seguida nos anos posteriores.

Dessa maneira podemos dizer que a FORA, até 1905, e a CNT, até 1919, eram sindicalistas revolucionárias. Dessa data em diante, ambas tornam-se anarco-sindicalistas.

Estabelecendo o que é o anarco-sindicalismo, podemos afirmar que o que houve no Brasil foi sindicalismo revolucionário, visto que o movimento sindical brasileiro nunca se vinculou explícita e conscientemente ao anarquismo. E nisso estamos de acordo com Edilene Toledo. Para nós, o termo anarco-sindicalista aplica-se mais aos anarquistas que defendiam esse vínculo explícito e consciente do sindicalismo com o anarquismo, do que aos anarquistas que defendiam a atuação nos sindicatos. Como sabemos, havia anarquistas que defendiam a atuação nos sindicatos, mas que eram contra esse vínculo, como foi o caso, por exemplo, de Neno Vasco.

Portanto, também para nós, chamar o que houve no Brasil de anarco-sindicalismo e todos os anarquistas que atuavam nos sindicatos de anarco-sindicalistas é certamente um equívoco, que vem sendo muito cometido ao se tratar da historia brasileira do movimento operário. No entanto, isso não significa, em momento algum, que o sindicalismo revolucionário deve ser afastado ou desvinculado do anarquismo, como quer fazer crer Edilene.

Voltando às reflexões de Samis sobre o anarquismo no Brasil, vemos que a primeira divisão estratégica se dava entre os antiorganizacionistas e os organizacionistas. E dentro dos organizacionistas havia anarco-sindicalistas e sindicalistas revolucionários. Neste sentido, essas diferenças estratégicas do anarquismo, reconhecidas mesmo por Edilene, não permitem que sejam feitas generalizações, na tentativa de atribuir aspectos do “antiorganizacionismo” a todo o anarquismo, como ela faz ao generalizar as posições “educacionistas”[80], ao dizer que a “insistência na luta de classes é um dos aspectos que afastam o sindicalismo revolucionário do anarquismo”[81], ou mesmo ao sustentar que “os anarquistas” defendiam que “o sindicato era algo a ser combatido”, e que a luta pelas questões de curto prazo seriam “parte de um reformismo nocivo que faria que a sociedade capitalista se perpetuasse”[82]. Generalizações que continuam em relação às posições que eram motivo de debate dentro do campo do “organizacionismo”: na afirmação de que aqueles que defendiam a entrada dos anarquistas nos sindicatos o faziam “para evitar que os socialistas se apoderassem deles”[83] ou para “racionalizar os esforços de difusão da idéia anarquista” já que assim “o sindicato se tornaria anarquista”[84]. Todas generalizações que mostram o desconhecimento da autora em relação ao tema e falta de metodologia no julgamento do todo pela parte.

As posições defendidas por nós possuem respaldo no livro de Samis, que afirma que as origens do sindicalismo revolucionário estão na AIT, sustentando sua ligação com o anarquismo:

“Os anarquistas organizacionistas no Brasil já haviam entendido a necessidade de se explorar as condições favoráveis proporcionadas pelo ascenso das forças proletárias reunidas em torno do sindicalismo revolucionário. Afinal, os métodos tinham sido herdados da Internacional e em especial do aliancismo que atuou por anos em seu interior. Observando-se as devidas especificidades históricas e econômicas, tratava-se então de colocar em marcha o projeto de revolução contido nas premissas adotadas no Congresso Operário que, pelas circunstâncias já expostas, acontecera antes mesmo da elaboração da Carta de Amiens. Os libertários, dessa forma, por terem se oposto mais diretamente aos reformistas, com idéias e propostas concretas que caberiam no adjetivo ‘revolucionário’, e mesmo atraindo, graças ao conjunto de decisões tomadas no Congresso Operário, uma fração não desprezível do operariado para os sindicatos, tornaram-se, em grande medida, os agentes privilegiados em um processo de transformação que tinha na legenda do sindicalismo revolucionário sua mais clara trincheira de combate. Por não ser possível a uma idéia estar dissociada de quem a defende e, em especial, de quem dela tirou inspiração para por em curso um movimento de ruptura com a ordem vigente, recaia sobre os ombros dos anarquistas a responsabilidade e o zelo necessários à condução das tarefas concretas advindas das resoluções do Congresso.”[85]
Em acordo com estas posições, é possível afirmar que no Brasil foram os anarquistas organizacionistas os maiores responsáveis por impulsionar o sindicalismo revolucionário, entendido por eles como uma estratégia. Ainda que houvesse outros anarquistas, na grande maioria ligados ao “antiorganizacionismo”, com posições distintas, não é possível negar a preponderância estratégica anarquista, que deu corpo ao sindicalismo revolucionário, possuindo este heranças significativas da AIT.

No Brasil, o “organizacionismo” anarquista que defendia a estratégia do sindicalismo revolucionário teve muita influência de Malatesta, como foi o caso de Neno Vasco, um organizacionista malatestiano:

“Para Neno, muito provavelmente, o estreitamento de relações com os argentinos era uma oportunidade não apenas de desprezar fronteiras, como previa a pauta internacionalista, mas também uma relação mais próxima com organizações anarquistas que, nos seus primeiros anos, contaram com a presença física de Malatesta. No ano de 1885, pelos meses de maio e junho, Malatesta chegava à Buenos Aires para uma permanência de cerca de quarto anos. [...] Malatesta percebia a necessidade dos anarquistas investirem na formação de militantes para o ingresso nas associações de resistência. [...] Antes de retornar à Europa, Malatesta visitou Montevidéu e partiu de Buenos Aires na segunda metade do ano de 1889. Por esta época ele era ainda mais entusiasta do sindicalismo.”[86]
Em 1907, Malatesta defenderia no Congresso Anarquista de Amsterdã, em 1907, que

“o movimento operário, embora sendo o melhor meio, era ainda ‘apenas um meio’ de se alcançar a revolução. O fim último, ainda segundo ele, era a anarquia, já que na sociedade sem classes os antagonismos, aqueles que em parte definiram o perfil de luta da classe operária, teriam desaparecido. Malatesta defendia na realidade o que herdara o movimento anarquista da Internacional Aliancista.”[87]
Edilene Toledo não nega esta influência de Malatesta no anarquismo brasileiro, bastante evidente, aliás, mas destaca suas posições reticentes em relação ao sindicalismo. Para ela

“Malatesta considerava o sindicalismo apenas um instrumento. [...] Acusava o sindicalismo de conservador, criticava sua preocupação com as conquistas imediatas e seu desejo de substituir o anarquismo na construção da sociedade futura.”[88] E ainda, “alguns anarquistas passaram a acreditar mais na importância do sindicato como estratégia tanto para a luta cotidiana como para a construção da sociedade futura, abraçando o sindicalismo revolucionário, sendo, por isso, duramente criticados pelos chamados anarco-comunistas, como Malatesta.”[89]
Deve-se notar, no entanto, que, apesar de ser reticente em relação a diversos aspectos do sindicalismo, não podemos entender Malatesta como um antiorganizacionista. Ele era um organizacionista que defendia a participação dos anarquistas nos sindicatos, ainda que visse no sindicalismo diversos problemas. Vejamos o que diz o próprio Malatesta sobre o assunto.

“Os anarquistas devem reconhecer a utilidade e a importância do movimento sindical, devem favorecer seu desenvolvimento e fazer dele um dos pilares de sua ação, fazendo o possível para que esse movimento, em cooperação com outras forças progressistas existentes, desemboque numa revolução social que leve à supressão das classes, à liberdade total, à igualdade, à paz e à solidariedade entre todos os seres humanos. Mas seria uma grande e letal ilusão crer, como fazem muitos, que o movimento sindical possa e deva, por si mesmo, como conseqüência de sua própria natureza, levar a uma revolução desta magnitude. Ao contrário, todos os movimentos fundados nos interesses materiais e imediatos – e não se pode edificar sobre outras bases um vasto movimento de trabalhadores –, se lhes faltam o fermento, o impulso, o trabalho apurado dos homens de idéias, que combatem e sacrificam-se vislumbrando um porvir ideal, tendem fatalmente a adaptar-se às circunstâncias, fomentam o espírito conservador e o temor às mudanças naqueles que conseguem obter condições melhores, e, geralmente, terminam criando novas classes privilegiadas, servindo para sustentar e consolidar o sistema que desejam abater. Disto surge a urgente necessidade de que existam organizações estritamente anarquistas que, tanto dentro como fora dos sindicatos, lutem para a realização integral do anarquismo e tratem de esterilizar todos os germens de degeneração e reação. [...] É claro que em muitos casos os sindicatos, pelas exigências imediatas, estão obrigados a acordos e compromissos. Eu não os critico por isso, mas é justamente por tal razão que devo reconhecer nos sindicatos uma essência reformista. [...] Por meio das organizações fundadas para a defesa de seus interesses, os trabalhadores adquirem a consciência da opressão em que se encontram e do antagonismo que os divide de seus patrões, começam a aspirar uma vida melhor, habituam-se à luta coletiva e à solidariedade, e podem chegar a conquistar aquelas melhorias que são compatíveis com a persistência do regime capitalista e estatal. [...] Enquanto os sindicatos devem livrar a luta por meio da conquista de benefícios imediatos, e sem dúvidas é justo que os trabalhadores exijam melhorias, os revolucionários ultrapassam isto também. Eles lutam por uma revolução expropriadora do capital e pela destruição do Estado, de todo Estado, não importa como se chame. [...] Os anarquistas nos sindicatos deveriam lutar para que estes permaneçam abertos a todos os trabalhadores qualquer que seja sua opinião e partido, com a única condição de ter solidariedade na luta contra os patrões; deveriam opor-se ao espírito corporativo e a qualquer pretensão de monopólio da organização e do trabalho. Deveriam impedir que os sindicatos servissem de instrumento de politicagem para fins eleitorais ou para outros propósitos autoritários, e praticar e instruir a ação direta, a descentralização, a autonomia, a livre iniciativa; deveriam esforçar-se para que os organizados aprendam a participar diretamente na vida da organização e a não criar necessidade de chefes e de funcionários permanentes.”[90]
Retomemos as argumentações de Samis e Edilene. Samis afirma que Malatesta defendia a entrada dos anarquistas nos sindicatos, por ser um entusiasta deles, sustentando que os sindicatos seriam não somente um meio, mas o melhor meio para se chegar à revolução. No entanto, para Malatesta, os sindicatos seriam somente um meio, visto que o fim seria a anarquia, ou seja, uma sociedade futura socialista e libertária. Edilene afirma que Malatesta considerava o sindicato apenas um instrumento, de caráter conservador, criticando as conquistas imediatas, afirmando que o sindicalismo desejaria substituir o anarquismo na construção da sociedade futura, e que Malatesta teria criticado os anarquistas que abraçaram o sindicalismo revolucionário.

O próprio Malatesta – ainda que tivesse reticências em relação ao sindicalismo, como colocado por Edilene –, enfatiza a importância do movimento sindical, colocando-o como um pilar da ação anarquista. No entanto, para ele, assim como explicou Samis, os sindicatos seriam um meio e não um fim em si mesmo, ou seja, os sindicatos dariam corpo ao movimento de massas capaz de acumular a força necessária para um projeto revolucionário que não deveria rumar ao sindicalismo, mas ao socialismo, por isso suas afirmações do sindicalismo como meio e não como fim. Malatesta, apesar disso, nunca endossou os sindicatos sem críticas ou preocupações. E certamente foi com base nestas críticas e preocupações que Edilene baseou suas afirmações. No entanto, independente das críticas e preocupações, Malatesta reconhecia a necessidade das lutas populares de massas, que deveriam se constituir sobre interesses materiais e imediatos – ou seja, sobre a necessidade –, a justeza das conquistas de curto prazo (reformas) e sua utilidade para os trabalhadores, a importância destas mobilizações para o ganho de consciência e a compreensão da luta de classes. Ainda assim, para ele, os sindicatos não seriam naturalmente revolucionários, justamente por estarem fundamentados sobre as lutas de curto prazo. Daí a necessidade da atuação anarquista, propondo uma metodologia e um programa determinados: abertura dos sindicatos a todos trabalhadores, autonomia em relação aos partidos e interesses eleitorais, ação direta, descentralização, livre iniciativa e autogestão – o que impulsionaria os sindicatos para a revolução social. Assim, podemos afirmar que Malatesta, apesar das reticências, incentivava os anarquistas a adotar a estratégia do sindicalismo revolucionário, propondo, para isso, uma função específica a ser desempenhada pelo anarquismo.

Era esta a estratégia recomendada e adotada pela maior parte dos organizacionistas brasileiros que eram, em grande medida, malatestianos. Samis cita novamente um exemplo de Neno, dizendo que

“era para ele a luta coletiva a mais acertada forma de fazer a revolução, pois nesta não era preciso contar apenas com espíritos abnegados e corajosos, difíceis de se encontrar, salvo esporadicamente. Nas ações coletivas, ainda segundo Malatesta, o esforço conjugado poderia, e invariavelmente vinha, da união de homens de qualidades médias bastante comuns. Neno via assim a necessidade de preparar os anarquistas para inserção nas massas, estimulando insurreições e indicando modelos a partir da propaganda de levantamentos que vinham acontecendo mundo afora. A ‘grande noite’ tão desejada deveria vir de forças coletivas, sob pena de permanecer como lembrança adormecida, como quimera reprimida nas vontades impotentes das mentes individuais.”[91]
Portanto, era deliberada a atitude, nos meios anarquistas organizacionistas, de adotar preferencialmente a estratégia do sindicalismo revolucionário. E, por isso, entendemos estarem equivocadas as diferenciações que Edilene Toledo faz entre o anarquismo e o sindicalismo revolucionário. Ela mesma coloca em seu livro que “muitos anarquistas também decidiram participar do movimento sindical, inspirado pelo sindicalismo revolucionário”[92], e cita como exemplo Giulio Sorelli, que “entrou no movimento sindicalista revolucionário, sem abandonar, porém, o anarquismo”[93]. Exemplos que contradizem sua própria tese de que o sindicalismo revolucionário seria uma ideologia diferente do anarquismo. Estariam os anarquistas como Neno Vasco ou Giulio Sorelli defendendo duas ideologias diferentes e, segundo Edilene, contraditórias? Para nós, obviamente não. Eles eram militantes anarquistas, adeptos do “organizacionismo” brasileiro, e que viam no sindicalismo revolucionário e melhor estratégia a ser adotada.

Entremos com algum detalhe no que estamos considerando a estratégia do sindicalismo revolucionário no Brasil. Como Edilene coloca, a CGT francesa

“afirmava a independência do sindicalismo em relação ao socialismo e ao anarquismo. Seus objetivos centrais eram organizar os trabalhadores na defesa de seus interesses morais, econômicos e profissionais, sem associar esta luta a qualquer partido ou tendência política.”[94]
É um consenso para Edilene e Samis, assim como para diversos outros historiadores brasileiros, que o sindicalismo revolucionário no Brasil teve ampla e direta influência do modelo francês – ainda que não seja possível afirmar uma igualdade de modelos –, tendo, o Congresso Operário de 1906, enviado “ao operariado francês a mais ardente expressão das suas simpatias e solidariedade, mostrando-o como modelo de atividade e iniciativa ao trabalhador do Brasil”.[95]

Neste sentido, não há dúvidas que o movimento operário do Brasil foi realmente inspirado pela CGT e, este é outro argumento que sustenta a posição de que a estratégia sindical que se adotou no Brasil foi a do sindicalismo revolucionário, que era a estratégia dos franceses, e não a do anarco-sindicalismo. E isso também se confirma pelas teses aprovadas no Congresso de 1906, quando este

“aconselha o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência econômica, agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas, e pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral.”[96] E ainda: “O Congresso considera como único método de organização compatível com o irreprimível espírito de liberdade e com as imperiosas necessidades de ação e educação operária, o método federativo, a mais larga autonomia do indivíduo no sindicato, do sindicato na federação e da federação na confederação e como unicamente admissíveis simples delegações de função sem autoridade.”[97]
Assim, não há dúvida de que, ao agrupar-se nas associações operárias de resistência – que, a partir de então, no Brasil, passariam a se chamar sindicatos – para lutar, utilizando com métodos a ação direta, a autonomia e o federalismo, o que se realizava era uma luta sindicalista revolucionária. Luta esta que, como afirmamos, foi impulsionada pelos anarquistas organizacionistas, como por exemplo Neno Vasco que, depois deste Congresso, afirmou:

“O Congresso não foi, de certo, uma vitória do anarquismo. Não o devia ser. A Internacional, desfeita por causa das lutas de partido no seu seio, deve ser memorável lição para todos. Se o Congresso tivesse tomado caráter libertário, teria feito obra de partido, não de classe. O nosso fim não é constituir duplicatas dos nossos grupos políticos. Mas se o Congresso se não foi, a vitória do anarquismo, foi, porém, indiretamente útil à difusão das nossas idéias.”[98]
Com isso, o que Neno queria dizer? Que, naquele momento do Congresso, o objetivo não era criar grupos ou organizações anarquistas, nem mesmo querer transformar todo o movimento operário em um movimento anarquista ou mesmo vincular o sindicalismo ao anarquismo. O objetivo dos anarquistas era, certamente, impulsionar uma estratégia de massas que desse forças ao sindicalismo revolucionário, ou seja, como enfatizou Neno, realizar uma obra de classe. Desde seu surgimento, os anarquistas adeptos do “anarquismo de massas” ou do “organizacionismo” – de um anarquismo que poderíamos chamar de social –, haviam buscado criar um povo forte e amplamente organizado que pudesse determinar os rumos da luta e chegar aos objetivos pretendidos. Foi isso o que recomendou Malatesta:

“Como precisamos do concurso das massas para constituir uma força material suficiente, e para alcançar o nosso objetivo específico que é a mudança radical do organismo social graças à ação direta das massas”, [só restaria uma alternativa]: “devemos nos aproximar delas, aceitá-las como elas são e, como parte das massas, fazê-las ir o mais longe possível”.[99]
Quando os anarquistas propunham uma metodologia e um programa para o funcionamento dos sindicatos, buscavam fazer com que fossem o mais longe possível, como coloca Samis, ao dizer que os organizacionistas

“propugnavam pela necessidade do fortalecimento das ligas de resistência e por se introduzir nestas um conteúdo classista explicitamente revolucionário. Também nesta tática podia ser observada a influência de Malatesta que, desde o final do século anterior, prescrevia a entrada dos anarquistas nos sindicatos. Segundo este, os militantes libertários deveriam arejar a mentalidade dos sindicalizados, despertar neles um sentimento avesso à autoridade, ensinar com exemplos e estimular iniciativas revolucionárias; pela prática da ação direta, do federalismo e da luta contra os socialistas autoritários afinados com a tática parlamentarista.”[100]
Fechando esta discussão sobre o Brasil, podemos amarrar os principais pontos colocados. O anarquismo no Brasil, assim como no mundo todo, divergia em relação às estratégias e táticas a serem adotadas. Esta divergência evidenciou-se, principalmente, na divisão que se deu entre o “organizacionismo” e “antiorganizacionismo”. As generalizações de Edilene Toledo que evidenciam elementos do anarquismo que o afastariam do sindicalismo revolucionário são todas do campo do “antiorganizacionismo”. Os anarquistas organizacionistas, assim como Neno Vasco e Giulio Sorelli, inspirados nas idéias de Malatesta, foram os grandes impulsionadores do sindicalismo revolucionário. Finalmente, ainda que concordemos que sindicalismo revolucionário não é o mesmo que anarco-sindicalismo, e que foi o primeiro que foi levado a cabo no Brasil, isso não serve para minimizar a importância dos anarquistas. Assim como na CGT francesa, o sindicalismo revolucionário no Brasil foi impulsionado de maneira determinante pelos anarquistas e defendido como a melhor estratégia para o movimento sindical, de maneira que ele pudesse realizar a dupla função de lutar por conquistas de curto prazo e reunir as forças capazes de realizar a revolução social e de erigir a nova sociedade. As resoluções congressuais, longe de afastar o anarquismo do sindicalismo revolucionário que se adotava, somente mostram a implementação completa de uma, ainda que a principal, das estratégias de massa do anarquismo.


ANARQUISMO E SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO

Conforme tratamos ao longo deste artigo, não podemos menos do que discordar veementemente de Edilene Toledo quando ela afirma ter apresentado “uma análise mais detida”[101] sobre o tema em questão. De acordo com a argumentação que expusemos, sua análise não se mostra “mais detida” em qualquer aspecto que seja. Apresenta, a nosso ver, definições equivocadas do anarquismo e daquilo que defendiam os anarquistas, além das generalizações que tendem a julgar o todo a partir de uma parte, muitas vezes minoritária.

Não nos surpreende, neste sentido, que na bibliografia de seu livro não haja clássicos anarquistas (Bakunin, Kropotkin, Malatesta), o que comprova nossa suposição de que a autora tenha caído nos contos de uma leitura de segunda mão que interpreta as teses anarquistas à sua própria maneira (na maioria dos casos, equivocada). Há também problemas significativos em suas comparações entre o sindicalismo revolucionário e o anarquismo, em suas interpretações das posições dos anarquistas em relação aos sindicatos, e da própria história do sindicalismo revolucionário. Tudo isso, levando a autora à equivocada conclusão de que o sindicalismo revolucionário seria uma ideologia própria e autônoma, uma corrente política diferente do anarquismo.

Além do desconhecimento, há problemas de ordem metodológica, já que a autora se apega aos termos e à autodefinição, o que, como tentamos demonstrar, não é um bom critério para ser considerado sozinho. Para nós, um bom critério deve basear-se, fundamentalmente, na prática dos fatos concretos.

Parece-nos, ainda, que a autora tenta sobrepor uma visão ideológica – e, portanto, que remeteria a alguns interesses de caráter não-científico – a uma visão teórica da história – que deveria apegar-se aos fatos concretos e mesmo na ciência.[102]

Para contrapor estas visões, nos parece que as contribuições de Schmidt e van der Walt são de suma importância ao fazerem uma releitura do anarquismo e do sindicalismo em nível mundial, contestando definições realizadas e fatos expostos por outros autores e em outros tempos, buscando refletir sobre o tema a partir do que ele é, e não do que outros disseram que fosse. A nosso ver, é o único livro que trata do tema, realmente, em nível global – fugindo das tradicionais leituras eurocêntricas ou mesmo parciais e generalizantes –, analisando experiências em todo o mundo, realizando uma leitura muito rigorosa dos acontecimentos e documentos históricos e desenvolvendo interpretações brilhantes.

Elogios semelhantes poderíamos fazer a Samis, um dos maiores historiadores sobre o anarquismo e o sindicalismo revolucionário no Brasil do início do século XX, que não deixa dúvidas sobre suas divergências em relação às conclusões de Edilene. Ao contrário dela, os africanos e Samis, a nosso ver, realmente realizam “uma análise mais detida” sobre os temas em questão.

Devemos reforçar a visão de que o anarquismo não é um fenômeno ahistórico, perdido no tempo e no espaço, que possibilita identificar um sentimento antiautoritário presente desde os primórdios da humanidade. O anarquismo é uma ideologia que nasce a partir do movimento operário de massas do século XIX, em um momento de desenvolvimento do capitalismo. E assim, podemos dizer, que o anarquismo pode ter surgido em Proudhon e que se desenvolve, chegando à maturidade na AIT, com Bakunin e os aliancistas.

Para nós, a AIT é o berço do sindicalismo revolucionário que se estenderia pelas décadas de 1870 e 1880 e, portanto, conforme sustentamos, a CGT dá continuidade a uma primeira onda do sindicalismo revolucionário, que foi responsável pelas mobilizações que aconteceram no Brasil, fundamentalmente no início do século XX.

Desde a AIT, a estratégia dos anarquistas era clara: fortalecer os movimentos populares e dar protagonismo a eles. E foi isso o que os anarquistas buscaram realizar quando impulsionaram o sindicalismo revolucionário.

Conforme tentamos sustentar, o sindicalismo revolucionário deve ser considerado como uma estratégia anarquista, e, portanto, parte do que envolve a ampla tradição anarquista. Visão esta que julgamos ser compartilhada pelos três autores que escolhemos para contrapor a visão de Edilene Toledo. Samis, ao tratar do Brasil e de Portugal, afirma:

“Uma vez que, em ambos os países, tal vertente sindicalista foi confessadamente adotada a partir de sua matriz teórica francesa, concebida esta pelo esforço de Pelloutier, Pouget, Delesalle e Yvetot, todos libertários declarados, não chega a ser exagero atribuir-se aos anarquistas certa preeminência no que se refere ao emprego do conjunto de métodos reunidos sob a bandeira do ‘sindicalismo revolucionário’. Tal preponderância era inclusive de larga aceitação na época, uma vez que, com o fito de estigmatizar a corrente majoritária da CGT francesa, os guesdistas e reformistas valiam-se do epíteto ‘anarco-sindicalista’ para identificar os adeptos do sindicalismo revolucionário. Obviamente que tomar todo o movimento por sua corrente majoritária, aliás prática bastante recorrente, impede de se explicar com precisão a complexidade do modelo sindicalista revolucionário, endêmico em grande parte do mundo até a Grande Guerra. Mas, por outro lado, privar do universo que o constituiu a sua força mais vibrante é, no mínimo, roubar a circulação a um corpo que de fato se moveu e aterrorizou a burguesia internacional por no mínimo duas décadas. No casos brasileiro e português, os homens que, como Neno, ajudaram a construir o sindicalismo revolucionário eram na sua maioria devotados anarquistas. Aqueles que lutaram para dar a ossatura a importantes confederações como a CGT em Portugal e a COB no Brasil – utilizando-se para a consecução de suas reivindicações a ação direta, o boicote, a sabotagem e a greve geral, de resto, métodos bastante identificados com o anarquismo – não deixaram, em maior ou menor grau, de fazer a propaganda libertária no interior destas organizações. [...] Para reforço dessa reflexão e adotando a premissa na qual Pierre Bourdieu define como cientificamente absurda ‘a oposição entre indivíduo e sociedade’, também se faz absurda a possibilidade de, em nome de uma generalização sobre uma ‘corrente política autônoma’, apartar-se dela a ideologia que em larga medida inspirou seus métodos de ação ou simplesmente relativizar a contribuição de certos indivíduos quando estes integram os quadros militantes da ideologia em questão. Tanto pior quando tais indivíduos não só foram numericamente expressivos como, no cotidiano da construção do sindicalismo revolucionário, de fato assumiram papel de relevo. Da mesma forma, podemos afirmar que a instituição do projeto revolucionário sindical foi uma conquista, se não de toda ela, mas de uma parte significativa da classe trabalhadora. Advento este que – invocando E. P.Thompson ao referir-se à autoconstrução da classe – jamais poderia ser considerada como tal ou sequer existir, sem a presença de atores sociais, boa parte deles com credenciais ideológicas muito bem definidas. É ainda relevante frisar, em um número razoável de casos, e certamente no brasileiro e no português, que o sindicalismo revolucionário cresceu como oposição a um significativo reformismo socialista; e que, antes do bolchevismo, corrente que só pode ser considerada após 1917, representou o anarquismo a única ideologia claramente revolucionária com densidade suficiente para fornecer aos sindicalistas inspiração política, para além das práticas já aqui enumeradas.”[103]
E neste sentido fazemos coro afirmando que devemos considerar a estratégia do sindicalismo revolucionário parte do anarquismo, sem ter como apagar a história dos anarquistas nos sindicatos. Ainda assim, devemos destacar novamente, como sustenta Samis, que apesar de o sindicalismo revolucionário ter sido impulsionado como uma estratégia anarquista, ele concretizou-se como uma obra de classe. Por isso, não merecem o mérito pelo que foi o sindicalismo revolucionário somente os anarquistas, mas toda a classe trabalhadora que se mobilizou em torno dos sindicatos e decidiu assumir para si a tarefa de mudar o mundo. Classe esta que, estamos de acordo, ia muito além do anarquismo.

Em conclusão, lamentamos que o livro de Edilene Toledo tenha sido publicado por uma grande editora, e que, por isso, tenha uma ótima distribuição pelo Brasil, pois isso continua a reafirmar as interpretações equivocadas que se faz do anarquismo e do sindicalismo revolucionário, tanto por desconhecimento, como por deliberada má-fé. E infelizmente, obras como a de Schmidt e van der Walt e a de Samis, ainda não tiveram a possibilidade de ser publicadas por estas terras. Esse é um retrato infeliz da historiografia que “o Brasil” vem decidindo construir.


Janeiro-Março 2010



* Meus sinceros agradecimentos ao companheiro Manolo que, apesar das discordâncias em relação à minha abordagem, contribuiu de maneira determinante nas discussões desse artigo, fazendo com que vários trechos, e mesmo algumas abordagens, fossem modificados. Agradeço também aos companheiros Daniel Alves e Leo Vinicius pelas contribuições.


Notas:

1. Norberto Bobbio et alli. Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB, 2004, pp. 585-587.

2. Ibidem.

3. Ibidem., pp. 431-432.

4. Edilene Toledo. Anarquismo e Sindicalismo Revolucionário: trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. São Paulo: Perseu Abramo, 2004, p. 12.

5. Ibidem., pp. 42-43.

6. Ibidem., p. 41.

7. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009, p. 84.

8. Deve-se ressaltar que só enxergamos esse problema na discussão sobre o Proudhon e que, em todos os outros temas, a leitura dos originais e a escolha bibliográfica nos parecem as melhores possíveis. Talvez, neste caso sobre Proudhon, os autores tenham feito a escolha de guiar-se por intérpretes pelo tamanho e complexidade da sua obra. No entanto, por estarem trabalhando fundamentalmente com bibliografia em inglês, não consideraram interpretações que nos parecem da maior relevância como as de Georges Gurvitch, Jean Bancal e Pierre Ansart.

9. Pierre Ansart. El Nascimiento del Anarquismo. Buenos Aires: Amorrortu, 1973.

10. Proudhon se basearia na concepção de luta de classes desenvolvida por Blanqui e Guizot, bem antes de Marx.

11. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 45.

12. Ibidem., p. 46.

13. Ainda assim, entendemos ser relevante deixar apontada a necessidade de um aprofundamento dos escritos de Proudhon e do desenvolvimento do socialismo desde sua obra O que é a Propriedade? de 1840, até o fim dos anos 1860, quando surgiu a ADS. Isso sem dizer que nos parece imprescindível dar continuidade aos estudos sobre Bakunin, AIT e ADS, que consideramos estarem um pouco mais avançados.

14. É interessante buscarmos uma reflexão mais aprofundada sobre as questões do racionalismo no anarquismo. Diversos autores atribuem ao anarquismo uma origem iluminista e, por isso, realizam essa ênfase na questão racional. Sem questionar o princípio do racionalismo, dentro da abordagem colocada, caberia, ainda assim, estudar uma outra hipótese, que enfatiza as influências do renascentistas, principalmente pelo anarquismo compreender um projeto que conta com as vontades daqueles que o impulsionam, e não com um modelo pré-determinado. Ao passo que o projeto está ligado ao tempo e à conjuntura, o modelo busca desprender-se deles, o que pode seriamente condená-lo.

15. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 71.

16. Isso não significa negar a importância de Kropotkin que, em nível mundial, foi certamente o anarquista que mais exerceu influência.

17. Élisée Reclus. A Evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista. São Paulo: Imaginário, 2002.

18. Diferenciando aqui reformismo de reformas. O reformismo tem como projeto soluções que se dêem dentro dos marcos do capitalismo. As reformas são ganhos de curto prazo que podem, dependendo de como se entende a estratégia anarquista, fazer com que se avance para uma revolução social.

19. Se a luta de classes, como conceito, é refutado por parte dos anarquistas, o fato é que as desigualdades da sociedade capitalista e estatista não são, assim como o fato de que há exploradores e explorados, opressores e oprimidos e que as contradições nesses casos são inegáveis. Assim, o que há, por parte desses anarquistas, é uma rejeição da forma (do termo usado), mas não do conteúdo (das desigualdades da sociedade e suas contradições). A nosso ver essas desigualdades e estão representadas nas classes sociais e sua contradição na luta de classes.

20. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 123.

21. Makhno antes de sua prisão (1908-1917) e Malatesta e Kropotkin durante um período entre os anos 1870 e 1880.

22. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 124.

23. Milkhail Bakunin. A Política da Internacional. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2008, pp. 67-69.

24. Gaston Leval. Bakunin: fundador do sindicalismo revolucionário. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2007, p. 19.

25. Conceito desenvolvido por Samis em “Pavilhão Negro sobre Pátria Oliva”. In: História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Imaginário, 2004.

26. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009, pp. 115-116.

27. Confédération Générale du Travail (CGT). “Charte d’Amiens”, 1906. (http://www.marxists.org/francais/cgt/works/1906/10/cgt_...0.htm).

28. Apud. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 126.

29. Edilene Toledo. Op.Cit.. p. 13.

30. Schmidt e van der Walt utilizam o termo “sindicalismo” (syndicalism em inglês), diferenciando-o de “trade-unionismo” ou do sindicalismo anterior a este de intenção revolucionária (unionism em inglês).

31. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 155.

32. Como fundamentação dessa tese, os autores evidenciam experiências sindicais, que possuíam características muito semelhantes ao que seria futuramente chamado de sindicalismo revolucionário: na Espanha, a Federação Regional Espanhola (FRE) dos 1870 seguida pela Federação de Trabalhadores da Região Espanhola (FTRE) dos 1880; em Cuba, o movimento inspirado na FRE a partir de 1884; nos EUA, o movimento que envolveu os Mártires de Chicago nos anos 1880, no México o Congresso Geral de Trabalhadores Mexicanos (CGOM) fundado em 1876.

33. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 51.

34. Ibidem., p. 12.

35. Ibidem., p. 13.

36. Ibidem., p. 15.

37. Ibidem., p. 59.

38. Ibidem., p. 66.

39. Ibidem., p. 87.

40. Ibidem., p. 116.

41. Lembrando que falamos aqui não do termo, mas do conteúdo que ele implica: desigualdade e contradição.

42. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 87.

43. Ibidem. p. 47.

44. Ibidem.

45. Ibidem. p. 49.

46. Ibidem. p. 87.

47. Ibidem. p. 50.

48. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit.. p. 16. Devemos ter em mente a distinção entre o “syndicalism” e o “unionism”, explicadas anteriormente. Nesse caso, os autores falam de “syndicalism”. É relevante pensar na dialética do anarquismo, como uma ideologia que surge do movimento popular, mas que, ao mesmo tempo, impulsiona esse próprio movimento. É nesse sentido que o anarquismo estimula o movimento popular, a partir de concepções metodológicas e programáticas, constituindo a ideologia que mais impulsionou o sindicalismo revolucionário, funcionando como um motor, um fermento. No entanto, o sindicalismo revolucionário não deve ser considerado uma obra somente dos anarquistas, já que foram os trabalhadores de diversas ideologias (anarquistas ou não) que constituíram as bases que deram corpo a esse potente movimento mundial, protagonizando suas ações. O sindicalismo revolucionário constituiu-se quando os grandes movimentos populares endossaram a principal estratégia anarquista. Metaforicamente, esses movimentos poderiam ser entendidos como barcos ou massas de pão, e a ideologia anarquista, como motor ou fermento. Se os barcos ou as massas não existissem, de nada serviriam os motores e os fermentos.

49. Ibidem., p. 170.

50. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 59.

51. Ibidem., p. 65.

52. Ibidem., p. 102.

53. Apud. Ibidem., p. 89.

54. Ibidem., p. 61.

55. Ibidem., p. 69.

56. Ibidem., pp. 53; 79.

57. Ibidem., p. 84.

58. Ibidem., pp. 11-12.

59. Ibidem., p. 122.

60. Bakunin. A Política da Internacional, pp. 42-43; 46.

61. James Guillaume. A Internacional: documentos e recordações vol. I. São Paulo: Imaginário/Faísca, 2009, pp. 62-64. Bakunin defende estes Estatutos, reivindicando-os em “La Organización de la Internacional”. In. Frank Mintz (org.). Bakunin: critica y acción. Buenos Aires: Anarres, 2006, pp. 109-110.

62. Mikhail Bakunin. A Política da Internacional, p. 59.

63. Mikhail Bakunin “A Dupla Greve de Genebra”. In: Gaston Leval. Op. Cit., p. 95.

64. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 158.

65. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 44.

66. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., pp. 271-276.

67. Bakunin. A Política da Internacional, p. 41.

68. Ibidem., p. 56.

69. Edilene Toledo. Op.Cit., pp. 12-13.

70. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 161.

71. Ibidem., pp. 337-338.

72. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 59.

73. Ibidem., pp. 48-49.

74. Havia, também, aqueles que recusavam explicitamente essa descendência.

75. Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Op. Cit., p. 142.

76. Eduardo Colombo. “A F.O.R.A.: o ‘finalismo’ revolucionário. In: História do Movimento Operário Revolucionário. Op. Cit., p. 76.

77. Apud. Eduardo Colombo. Op. Cit. In: História do Movimento Operário Revolucionário, p. 100.

78. Ibidem., p. 101.

79. Apud. José Peirats. La CNT en la Revolución Española. Tomo I. Cali: A. A. La Cuchilla, 1988, p. 28.

80. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 43.

81. Ibidem., p. 66.

82. Ibidem., p. 14.

83. Ibidem., p. 52.

84. Ibidem.

85. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, pp. 200-201.

86. Ibidem., pp. 188-189.

87. Ibidem., p. 228.

88. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 36.

89. Ibidem., p. 52.

90. Errico Malatesta. “Los Anarquistas y los Movimientos Obreros”. In: Vernon Richards. Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios. Buenos Aires: Anarres, 2007, pp. 111-130.

91. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 232.

92. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 49.

93. Ibidem.

94. Ibidem.

95. Apud. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 196.

96. Confederação Operária Brasileira. “Resoluções do Primeiro Congresso Operário do Brasil”. In: Edgar Rodrigues. Socialismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, p. 121.

97. Ibidem., p. 117.

98. Apud. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 196.

99. Errico Malatesta. “‘Idealismo’ e ‘Materialismo’”. In: Anarquistas, Socialistas e Comunistas. São Paulo: Cortez, 1989, p. 55.

100. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, p. 154.

101. Edilene Toledo. Op.Cit., p. 122.

102. Para nós, a ideologia não é e nem pode ser ciência, e é por isso que acreditamos ser impossível falar em “socialismo científico”. A ideologia está no campo das aspirações, das idéias e dos valores. Diferentemente, a teoria pode estar embasada na ciência e buscar uma verdade, e por isso está muito relacionada à história. Para aprofundamento dessa diferenciação entre teoria e ideologia, ver o artigo “Huerta Grande” da Federação Anarquista Uruguaia, que se baseia nas posições de Malatesta.

103. Alexandre Samis. Minha Pátria é o Mundo Inteiro, pp. 429-431.

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author by Rafael - FARJpublication date Sat Apr 24, 2010 09:43author address author phone Report this post to the editors

Excelente artigo. Não faz sentido separar o anarquismo do sindicalismo revolucionário como se fossem coisas estanques. O sindicalismo revolucionário como muito bem fundamentou Felipe Corrêa é a estratégia anarquista para o vetor social sindical (sindicalismo).

O artigo de Edilene Toledo é o típico trabalho que deforma a realidade em detrimento das categorias conceituais.

Este artigo merecia ser editado.

 

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