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Política Anarquista e Ação Direta

category indonésia / filipinas / austrália | movimento anarquista | opinião / análise author Saturday June 20, 2009 04:47author by Rob Sparrow Report this post to the editors

O texto agora publicado foi traduzido alguns anos atrás e aguardava para ser lançado em livro, mas, pelas mudanças de nossas prioridades editoriais, decidimos divulgá-lo na internet.

“Política Anarquista e Ação Direta” parece ter como pano de fundo as discussões internas ao universo anarquista, particularmente aquelas que buscam distinguir um anarquismo social, voltado para a transformação revolucionária, de um anarquismo individualista, principista e purista que, em nome de dogmas e compreensões quase que religiosas da ideologia, restringe-se à inação.

É neste contexto que ele coloca a necessidade de o anarquismo trabalhar com as reivindicações de curto prazo, que são as que trazem ganhos para o povo aqui e agora e possuem a capacidade de mobilizar e trazer para a luta setores até então adormecidos. Neste contexto entram as lutas pontuais e a eventual pressão em relação ao Estado para a conquista de reformas que beneficiem o conjunto das classes exploradas. Esta discussão é particularmente importante, pois infelizmente há um setor idealista e utópico (no pior sentido das palavras) que prega a revolução social como um objetivo de longo prazo, mas nada propõe para que se caminhe em direção a ela, já que neste caminhar muitas ações envolvem reformas, conquistas de curto prazo que apesar de não serem o fim que queremos alcançar, constituem um meio de luta e propaganda, muitas vezes obrigando o Estado e os patrões a cederem, trazendo hoje melhorias concretas nas condições de vida da população. Distante da luta de curto prazo, o anarquismo passa de uma ideologia com prática política para uma retórica de futuro sem conteúdo prático no presente, perdendo todo seu potencial transformador.

São poucas as pessoas que se mobilizarão em torno da proposta de uma sociedade melhor em 50 ou 100 anos. É por isso que as questões de curto prazo são tão importantes, já que são elas que possuem a capacidade de mobilizar as pessoas que querem um horizonte de luta e de conquista para já. A mobilização pode visar conquistas em relação a diversos inimigos como uma empresa – no caso de uma organização de trabalhadores que reivindica melhores salários, por exemplo – ou o Estado – no caso de uma organização comunitária que reivindica a melhoria de um hospital local, por exemplo. Isso pode incluir diversas reivindicações que, muito ao invés de estabelecer o capital ou o Estado como interlocutores e colaboradores, buscam agregar as pessoas na luta contra estes inimigos de classe. Ainda que o capital ou o Estado cedam, isso não mostra a colaboração do povo com os inimigos de classe, mas uma vitória do povo sobre eles. Além disso, estando organizadas, a tendência é que as pessoas sejam expostas ao conteúdo pedagógico das lutas e que isso aumente seu nível de consciência, permitindo a construção de uma luta de longo prazo. É isso o que sempre foi defendido pelo anarquismo clássico.

É neste mesmo contexto que o autor discute os meios e fins tentando trazer uma reflexão estratégica acerca do caminho a seguir e dos objetivos pretendidos. O que ele tenta mostrar é que o principismo e o purismo daquele anarquismo “que não se mistura com os outros” não permitem a construção de uma tática (um caminho) que aponte para um objetivo estratégico (neste caso, a revolução social). Além disso, o artigo também tenta trazer esta reflexão estratégica às pessoas que acreditam que não há necessidade de ações que sejam coordenadas e organizadas entre si. Sabemos que para terem efeito, as ações devem ser bem refletidas e estarem dentro de um contexto mais amplo de planejamento e organização.

O texto contribui também ao conceituar a ação direta e relacioná-la com uma retomada de poder pelas próprias pessoas que dela participam, o que a liga com o que alguns chamam de construção do poder popular. Neste sentido, parece-nos que a concepção do autor acerca do poder esteja correta, não o considerando o domínio, mas um espaço político de disputa entre forças sociais distintas. Neste caso, a prática da ação direta popular daria ao povo o poder que dele vem sendo usurpado pela classe dominante desde sempre. Contribui ainda ao criar uma distinção entre a ação direta e as “ações simbólicas” e “ações morais”. Ao final contribui com reflexões relevantes sobre a relação entre militantes com a polícia e com a mídia.

Finalmente, podemos apontar um comentário crítico. Como muito se vem fazendo dentro do universo anarquista, aqui o conceito de ação direta também se confunde com os níveis de organização daquilo que chamamos nível político e ideológico (do anarquismo) e nível social (das organizações populares, movimentos sociais, sindicatos, etc.). Vemos a ação direta como um conceito anarquista, mas que não se restringe às práticas anarquistas, já que entendemos que as mobilizações populares devem se dar sem se restringir à participação de militantes de uma ou outra ideologia específica. Portanto, vemos a ação direta como uma posição a ser defendida pelos anarquistas no seio dos movimentos populares, muito mais do que uma posição das “mobilizações de anarquistas”; ou seja, para nós a ação direta é um conceito que pertence mais ao nível social do que ao nível político-ideológico. Para nós, o anarquismo não tem função de “movimento de massa”, mas de ideologia que inspira a atuação de uma minoria ativa que, dentro destes movimentos, defende posições determinadas, dentre elas a da prática da ação direta. Sabemos que os anarquistas não farão a revolução sozinhos e que será necessário um movimento amplo e de maiorias, que agregue as classes que mais sentem a exploração e a dominação da sociedade presente. No entanto, não é qualquer movimento que será capaz de promover a transformação social que pretendemos. Na busca da construção de um movimento revolucionário, pensamos que a ação direta tem muito a contribuir, já que coloca o povo como sujeito de sua própria emancipação.

Uma discussão séria e ampla sobre a ação direta é muito importante hoje, tanto para organizarmos movimentos com bandeiras de reivindicações de curto prazo, quanto para criarmos projetos de longo prazo. É neste aspecto que se dá a relevância deste texto de Rob Sparrow.


Felipe Corrêa e Victor Calejon (editores, Faísca Publicações Libertárias)


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POLÍTICA ANARQUISTA E AÇÃO DIRETA

Rob Sparrow

Esse artigo discute a ação direta – o método próprio da ação militante anarquista. Nele, tento considerar algumas questões teóricas que normalmente não temos chance de discutir no meio das campanhas políticas. Algumas das questões levantadas são: o papel dos anarquistas em outros movimentos políticos, a diferença entre ação direta e ação simbólica, os vários tipos tradicionais de ação direta e a atitude adequada dos militantes em relação à polícia e à mídia.

* * * *

A "ação direta" é a contribuição particular dos anarquistas no campo do método político. Enquanto os reformistas defendem a urna, os liberais têm seus lobbies e as cartas que escrevem, os burocratas têm seu trabalho, feito pelos "métodos adequados" e os socialistas têm seus partidos de vanguarda, nós anarquistas temos a ação direta. Outras tendências políticas podem utilizar-se da ação direta como um método, mas as suas origens históricas e seus maiores defensores são anarquistas. Pelo fato de a ação direta ser um método político, antes de entendê-la e compreender sua posição na prática anarquista, devemos primeiramente, examinar a natureza da atividade política anarquista.

De maneira ideal, a atividade política anarquista promove o anarquismo e esforça-se para criar a anarquia. Ela tenta estabelecer uma sociedade sem o capitalismo, o patriarcado ou o Estado, onde as pessoas governem a si mesmas, democraticamente, sem dominação ou hierarquia. Como já discuti numa outra oportunidade, essa é uma atividade inevitavelmente e realmente revolucionária, e que é mais bem exercida de maneira coletiva, em uma organização dedicada a esse propósito. Enquanto os anarquistas não tiverem uma organização política própria, o melhor caminho para a promoção do anarquismo é participar, contribuir e servir como um guia em outros movimentos políticos. Nosso objetivo com a participação em outros movimentos políticos e campanhas deveria ser mostrar os métodos e as formas de organização do trabalho anarquistas. A melhor propaganda para o anarquismo é a inteligência das contribuições de nossos militantes e o sucesso de nossos métodos. Os anarquistas deveriam esforçar-se para conseguir exemplos vivos da anarquia em ação. Como veremos, a ação direta é um dos melhores caminhos possíveis para fazer isso.


DOIS RISCOS NA PRÁTICA POLÍTICA ANARQUISTA

Antes de prosseguir, eu gostaria de destacar aqui dois problemas que podem ocorrer com a atividade política anarquista, que derivam de uma tendência de sermos utópicos em nossas reivindicações políticas. Os anarquistas são sempre utópicos em sua rejeição de qualquer atividade política orientada em direção ao Estado e em seu fracasso para estabelecer uma conexão real entre seus fins e seus meios. Esse tipo de utopia não é uma virtude, mas, ao invés disso, contribui para a irrelevância política contínua do anarquismo, para a maioria dos australianos.[1]


O ANARQUISMO E O ESTADO

Em uma economia capitalista, as atividades das “empresas privadas” são rigorosamente excluídas da avaliação e do controle público. Nós não temos participação nas decisões sobre a produção e o investimento que determinam as condições básicas de nossa existência, e que são tomadas nas salas fechadas das corporações. Em muitos casos, se nós não gostamos daquilo que está acontecendo em nossa volta, a única opção que nos é dada é tentar mudar as políticas governamentais. Assim, a maioria das políticas hoje, está orientada em direção ao Estado. Obviamente, as políticas eleitorais buscam determinar a identidade dos poucos indivíduos que supostamente “controlam” o Estado. A maioria das formas de “protesto político” também espera induzir, ou forçar, o Estado a tomar uma ação que vá de encontro às exigências dos manifestantes. O anarquismo ainda é definido pela rejeição do Estado como uma forma de organização para atingir as necessidades sociais, e os anarquistas, tradicionalmente – e de maneira correta –, são desconfiados de qualquer sugestão de que podemos ter sucesso utilizando o Estado para servir aos nossos fins. Pode, portanto, ser tentador aos anarquistas considerar a “revolução social” como a solução de todos os problemas.

Os anarquistas podem sustentar que os problemas das pessoas são os resultados de uma ordem econômica e social insana e que apenas uma revolução e a conseqüente criação da anarquia irão resolvê-los. Porém, as pessoas têm problemas e dificuldades aqui e agora que precisam ser resolvidos e não podem esperar uma revolução para que isso aconteça. Portanto, ao rejeitar as tentativas de forçar o Estado a aceitar nossas necessidades, ou a ser útil para nossos fins políticos, precisamos propor métodos alternativos reais para atingir os nossos objetivos, se queremos ser relevantes às lutas das pessoas hoje. Algumas vezes, isso pode ser possível. Algumas vezes, podemos nos organizar juntos, sem confiar no Estado, para resolver os nossos problemas aqui e agora. Como devemos ver ao longo do artigo, essa é a essência da “ação direta”.

No entanto, freqüentemente não será possível estabelecer soluções reais para os problemas das pessoas, dentro da ordem existente, sem recorrer ao Estado. Independente de gostarmos disso, certamente, algumas necessidades sociais, em circunstâncias atuais, somente serão atendidas pelo Estado. O acesso aos recursos médicos, moradia segura, qualidade na educação e ajudas financeiras dadas aos pobres e desempregados, somente estarão disponíveis para a maioria das pessoas, como o resultado de uma ação do Estado. As relações entre os sexos são também outras áreas em que o Estado parece ser o único instrumento plausível existente de política social. As ordens para proteção das vítimas da violência doméstica e os abrigos pagos pelo Estado podem não ser uma grande solução aos problemas criados por parceiros violentos e que abusam de suas companheiras, mas para algumas mulheres, é tudo o que existe. Para algumas mulheres, as ordens de proteção e os abrigos são passos necessários para escaparem do ciclo de abuso. As grandes campanhas educativas da sociedade, que são necessárias para combater as atitudes sexistas, também só podem ser realizadas com o apoio do Estado.

Até que os anarquistas constituam uma considerável parcela da comunidade e sejam capazes de oferecer eles mesmos esses serviços – ou alternativas – os militantes interessados nessas questões terão justificativas ao voltarem-se para o Estado, procurando que este os atenda.

Além disso, a legislação do Estado pode representar uma vitória política real. Isso pode acontecer, pois a criação da legislação reconhece e dá peso às mudanças que já ocorreram, em grande parte, na consciência política da sociedade; ou pode acontecer porque a legislação, realmente, faz uma real diferença nas condições de vida das pessoas comuns. A legislação que garante o salário mínimo, a saúde pública gratuita, os padrões de segurança e de saúde no trabalho e um padrão de vida descente para os excluídos do trabalho, representa uma verdadeira vitória política da maioria contra a classe dominante. Esses serviços fornecidos pelo Estado não só proporcionam grande diferença na qualidade da vida daqueles que, de outra maneira, não teriam acesso, ou teriam pouco acesso a eles, mas também aumentam dramaticamente a possibilidade de ação política. Quanto menos tempo as pessoas tiverem que gastar na luta por suas necessidades básicas, mais tempo terão para criticar e combater a ordem vigente.

A tradicional hostilidade anarquista em relação ao Estado deve ser revista por meio do reconhecimento de que, enquanto ele continuar a existir, será um importante terreno para a luta de classes. Se rejeitarmos os esforços para pressionar o Estado, podemos estar sendo irrelevantes para as necessidades reais de grande parte da sociedade. Apenas chamar as pessoas para a revolução, não interessará a ninguém que precise de grandes transformações agora. Os anarquistas devem produzir soluções possíveis para as pessoas aqui e agora. Algumas vezes, isso significará recorrer ao Estado.


ANARQUISMO: FINS E MEIOS

Uma das forças históricas do anarquismo tem sido sua insistência na conexão entre fins e meios. Os anarquistas insistem que os objetivos libertários não serão alcançados por meios autoritários e, de maneira mais geral, estão atentos para os rumos dos compromissos assumidos no campo dos métodos políticos, que podem nos corromper ou influenciar nossos objetivos. Algumas vezes, no entanto, isso conduziu a uma equação por demais simplista entre nossos meios e nossos fins. Os anarquistas freqüentemente falham ao formular, particularmente, a questão política de como os nossos métodos relacionam-se com os nossos objetivos. Um exemplo disso é a alegação pacifista “Se todos se recusassem a lutar, não existiriam guerras”. Nessas circunstâncias, isso é uma completa verdade, de fato, repetidamente assim. Porém, o pacifismo não sai desse truísmo. Isso não significa que a melhor maneira de prevenir as guerras é fazer um compromisso individual para recusar a lutar. A conexão entre as nossas ações e o objetivo de um mundo pacífico é política. Ela é política, pois envolve os processos do conjunto completo de poder e das relações econômicas que estruturam nossas tomadas de decisão pessoais e sociais. Para que nossas atividades tenham o efeito desejado, elas precisam ser endossadas por outros e, quer ela aconteça ou não, isso irá depender de um conjunto completo de fatores políticos e econômicos. Não é totalmente óbvio que a nossa recusa em lutar irá motivar um número suficiente de outras pessoas a fazer isso e, dessa maneira, tornar a guerra impossível (de fato, isso parece bastante improvável). A melhor maneira de evitarmos as guerras deve ser o ataque aos sistemas sociais e às injustiças que as produzem. Isso pode, até mesmo, incluir termos de combater.

De maneira mais geral, para que nossos meios sejam apropriados aos fins que buscamos, precisamos ser capazes de relatar, de maneira real, como exatamente nossas atividades apontarão para nossos objetivos. Isso deverá considerar as realidades políticas e econômicas que afetam as nossas vidas. Muitas vezes, não é real acreditar que todos em nossa volta seguirão o nosso exemplo.

As melhores formas de política anarquista evitam essas formas de perigosas utopias e oferecem às pessoas uma esperança verdadeira e um eventual sucesso em sua luta por um mundo melhor. A ação direta é um componente crucial desse tipo de política.


AÇÃO DIRETA

A característica da ação direta é que ela busca chegar aos nossos objetivos por meio de nossas próprias atividades, ao invés de tentar isso por meio da ação de outros. A ação direta busca exercer o poder diretamente sobre os assuntos e as situações que nos dizem respeito. Dessa maneira, ela diz respeito à tomada do poder pelas próprias pessoas. Nisso, ela se diferencia da maior parte de outras formas de ação política como as votações, os lobbies, as tentativas de se exercer pressão política com ações industriais ou midiáticas. Todas essas atividades buscam outras pessoas para alcançar nossos objetivos. Tais formas de ação funcionam com base na aceitação tácita de nossa própria fraqueza. Elas reconhecem que não temos nem o direito e nem o poder de influenciar a transformação. Tais formas de ação são, portanto, implicitamente conservadoras. Elas reconhecem a autoridade das instituições existentes e trabalham para evitar que atuemos, por nossa conta, para transformar o status-quo.

A ação direta repudia a aceitação da ordem existente e sugere que temos tanto o direito, quanto o poder, de transformar o mundo. Isso é demonstrado quando a ação direta é realizada. Os exemplos de ação direta incluem bloqueios, piquetes, sabotagens, ocupações, colocações de barras de metal em árvores[2], greves parciais, reduções no ritmo de trabalho[3] e a greve geral revolucionária. Na comunidade, ela envolve, entre outras coisas, o estabelecimento de nossas próprias organizações como as cooperativas de alimentos, as televisões e as rádios às quais a comunidade tem acesso, e que expõem nossas necessidades, o bloqueio da construção de uma rodovia que divide e envenena as nossas comunidades e a ocupação de moradias por necessidade. Nas florestas, a ação direta interpõe nossos corpos, nossa vontade e nossa ingenuidade entre a selva e aqueles que a destruiriam. Além disso, ela age contra os lucros das organizações que dirigem a exploração da natureza e contra essas próprias organizações. Na indústria e nos locais de trabalho, a ação direta tem também por objetivo aumentar o controle dos trabalhadores ou atacar diretamente os lucros dos patrões. As sabotagens e as reduções no ritmo de trabalho são técnicas populares e consagradas pelo tempo ao negar aos patrões os lucros da exploração de seus escravos assalariados. As greves parciais e as greves selvagens[4] são formas de iniciar o conflito industrial que ataca diretamente os lucros dos patrões. No entanto, a ação industrial que é empreendida meramente como uma tática de parte das negociações para ganhar um aumento de salário ou outras concessões de um patrão, não é um exemplo de ação direta.

Como os exemplos de ação direta na comunidade citados acima sugerem, a ação direta é mais do que responder às injustiças ou às ameaças do Estado. A ação direta não é apenas um método de protesto, mas também uma forma de “construir o futuro agora”. Qualquer situação em que as pessoas se organizem para aumentar o controle sobre suas próprias condições, sem recorrer ao capital e ao Estado, constitui a ação direta. “Fazer nós mesmos” é a essência da ação direta, e não importa se o que estamos fazendo é resistir às injustiças ou nos esforçar para criar um mundo melhor agora, organizando-nos para satisfazer nossas próprias necessidades sociais. Esse tipo de ação direta, por razão de ser autônoma ao invés de ser uma resposta às atividades do capital e do Estado, oferece muito mais oportunidades para prosseguir com as ações e também para o sucesso. Podemos definir nossos próprios objetivos e atingi-los por meio de nossos próprios esforços.

Um dos aspectos mais importantes da ação direta é a organização envolvida para que ela tenha sucesso. Por meio da organização para atingir, nós mesmos, os nossos objetivos, aprendemos valiosas práticas e descobrimos que a organização sem hierarquia é possível. Nos lugares em que ela tem sucesso, a ação direta mostra que as pessoas podem controlar suas próprias vidas – e de fato, que a anarquia é possível. Podemos ver aqui que a ação direta e a organização anarquista são, de fato, dois lados da mesma moeda. Quando demonstramos o sucesso de uma, demonstramos a realidade da outra.


DUAS IMPORTANTES DISTINÇÕES

A ação direta deve ser diferenciada das ações simbólicas. A ação direta significa bloquear um portão, e não amarrar uma fita amarela nele. Sua finalidade é exercitar o poder e o controle sobre nossas próprias vidas ao invés de apenas retratar a imagem disso. Isso a distingue de muitas formas de ação, por exemplo, das ações de estender banners, freqüentemente feitas pelo Greenpeace e que parecem combativas, mas que em minha opinião, não são. Essas ações não atacam diretamente as injustiças que são realçadas por elas, mas, ao invés disso, tentam influenciar o público e os políticos através da mídia. Qualquer ação dirigida fundamentalmente à mídia, reconhece que os outros, ao invés de nós, têm o poder de transformar as coisas.

A ação direta também deve ser diferenciada da ação moral. Ela não é um protesto moral. Por protesto moral eu quero dizer um protesto que é justificado pela referência à relação moral com alguma instituição ou injustiça que ele demonstra. O protesto moral, com freqüência, toma forma de boicote de um produto ou a recusa de participar em alguma instituição. Essas ações buscam evitar a nossa cumplicidade com os males pelos quais as instituições existentes são responsáveis. Sem dúvida que isso é moralmente admirável. Porém, a não ser que essas próprias ações tenham algum efeito perceptível nas instituições que são alvos dos protestos, elas não constituem uma ação direta. A ação direta deve ter um efeito imediato para demonstrar que nós podemos exercer o poder. Ela não deve contar totalmente com que os outros sigam o nosso exemplo. Nossa própria ação deve ter um efeito tal, que possamos apontá-la aos outros como um exemplo de como eles podem transformar – e não só protestar contra – aquilo que diz respeito a eles. Os boicotes, por exemplo, não são exemplos de ação direta, portanto. Se apenas aqueles que organizarem um boicote participarem dele, ele será praticamente inútil.

É claro que essas distinções são exageradas. Qualquer ação envolve algum exercício de poder. Pela ação, de qualquer forma, superamos nossa passividade e negamos que somos impotentes para conseguir transformações. Qualquer ação menos importante que uma revolução é, até certo ponto, tanto moral quanto simbólica. O capital, o patriarcado e o Estado têm o poder de destruir todos os nossos esforços que não resultem em uma revolução. Qualquer forma de protesto pode ser prevenida de maneira efetiva se o Estado decidir empregar todo o conjunto de seus recursos para o controle e a repressão autoritária. A única forma de “ação direta” que não pode ser contida pelo Estado é a revolução popular. Essa é a ação direta suprema que os anarquistas deveriam almejar, quando todos estiverem organizados para destruir a ordem existente e para cooperar com o funcionamento de uma sociedade sem o capitalismo, o patriarcado ou a autoridade.


CONCLUSÕES

Dado que qualquer ação será menor que a ideal, como poderíamos determinar as ações diretas eficientes? Eu sugeriria que as ações diretas possíveis devem ser determinadas tanto pelos exemplos de ação direta descritos aqui, quanto pelos principais critérios para as ações anarquistas levantados acima. Isto significa que, em relação a qualquer ação, devemos perguntar:

1. Em que medida as nossas ações asseguram nosso próprio poder e o direito a utilizá-lo?
2. Ela desenvolve a teoria e a prática da anarquia e, especialmente, ela contribuirá com o desenvolvimento do movimento anarquista?

Algumas questões que podemos colocar para ajudar a determinar as respostas para essas questões são as seguintes. Primeiramente, isso seduzirá outras pessoas? Esse é o tipo de atividade que estimula outras pessoas a se interessarem e se envolverem? As ações que necessitam de um alto nível de organização detalhada ou de sigilo são difíceis de ter sucesso nesse critério. Ela [a ação] conseguirá atingir os objetivos definidos? Por exemplo, um bloqueio irá realmente parar o trabalho em um determinado local por um certo período? As ações bem sucedidas são a melhor propaganda dos métodos anarquistas. As políticas da ação estão evidentes ou, pelo menos, claras para aqueles que fazem parte dela? Se os objetivos de nossas ações têm apenas relações indiretas com a questão que eles pretendem atingir, ou as metas de nossas atividades não estão claras para aqueles que “não estão a par”, então, provavelmente não convenceremos os outros da relevância do anarquismo. Por essa razão, precisamos estar sempre conscientes das mensagens que nossas ações transmitem às outras pessoas e tentar garantir que ela seja a mais adequada possível. Que conseqüências terão aqueles envolvidos na ação? As ações que têm um grande risco de a polícia bater ou prender os participantes, ações que podem gerar pesadas multas, podem reduzir a disposição ou a capacidade dos afetados comprometerem-se em outras atividades políticas, caso uma dessas coisas aconteça. Pouquíssimas pessoas radicalizam-se por apanharem da polícia; a maioria delas fica apenas com medo. Com freqüência, o tempo despendido com discussões legais por meses depois de uma prisão, poderia ser mais bem ocupado, de maneira produtiva, em outras atividades políticas, se essa prisão não fosse necessária. Finalmente, como a ação transformará a consciência daqueles envolvidos com ela? Devemos ter como objetivo o compromisso com as atividades que estabeleçam dentro de nós uma crescente consciência de possibilidades políticas e sociais radicais, que estendam nossas habilidades de base e que nos deixem confiantes e capacitados. Algumas vezes, as ações podem ter outros efeitos, menos bem-vindos, na mente dos envolvidos. As ações sem sucesso podem fazer com que nos sintamos incapazes e angustiados. As ações que envolvem um alto grau de agressão, confronto ou violência potencial podem provocar hostilidade e agressão dentro de nós, o que pode dificultar nossa capacidade de trabalhar de maneira produtiva em outras circunstâncias potenciais.

Determinando as nossas atividades políticas em oposição a isso e fazendo essas e outras questões, acredito que podemos assegurar que nossas ações tenham a maior probabilidade de atingir nossos objetivos e assim, demonstrar a superioridade dos métodos anarquistas de ação política.


ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS

Os Anarquistas e a Polícia

A relação dos militantes e dos manifestantes com a polícia é uma questão controversa na política militante da Austrália. Esse não é o lugar para dar um tratamento detalhado sobre as muitas formas de relacionamento com a polícia. Porém, uma breve consideração de alguns dos assuntos discutidos nesse artigo pode, acredito eu, ajudar na discussão dessa questão, pela exclusão de um número de possíveis (más) respostas à questão de como devemos lidar com a polícia.

A primeira implicação das políticas de ação direta que dizem respeito às nossas relações com a polícia é que, onde for possível, devemos desconsiderar a autoridade da polícia. A ação direta é uma ação que fortalece nosso próprio poder e nosso direito de exercê-lo. Quando reconhecemos a autoridade da polícia e obedecemos suas instruções, estamos renunciando nosso próprio direito e poder de agir do modo que desejamos. Assim, é realmente essencial à ação direta, não darmos o direito dos representantes do Estado restringirem as nossas atividades. É claro que por razões táticas, podemos ter de reconhecer as conseqüências que podem ocorrer quando ignoramos a lei e podemos até ter de negociar com a polícia na tentativa de minimizá-las. Porém, é importante que, ao fazer isso, lembremos a todo tempo que apesar de eles terem os meios para fazer isso, eles não têm o direito de restringirem a nossa liberdade.

A discussão sobre a necessidade de uma análise política da relação entre os nossos fins e os nossos meios também é crucial aqui. Qualquer estratégia de negociação com a polícia deve levar em conta seu papel enquanto uma força política – no fim das contas, uma força de classe. A força da polícia existe para defender o status quo e os interesses da classe dominante. Alguns policiais, individualmente, podem ocasionalmente se limitar a fazer isso mas, num momento de confronto, esse é o seu trabalho. Um policial que não segue as ordens do Estado não é mais um policial. Enquanto anarquistas, devemos considerar os policiais não enquanto indivíduos, mas como uma instituição, e, portanto, como nossos inimigos. Eles existem para defender tudo aquilo que queremos destruir. Em sua defesa da propriedade privada e do Estado, a polícia é auxiliada pelas forças armadas do Estado. Por trás da polícia estão os militares que, como mostram inúmeros exemplos históricos, estão prontos para intervir e restaurar a “ordem” se a população civil tornar-se muito rebelde.

Uma vez que reconhecemos a força da polícia como uma instituição política e que, portanto, seus membros encontram-se numa certa relação política conosco, algumas coisas tornam-se claras.

Primeiro, qualquer esforço de “conquistar” os policiais, um a um, está condenado. Podemos ter a colaboração da polícia, contanto que fracassemos em ameaçar, de maneira real, a ordem social existente. A partir do momento em que nossas atividades começarem a ameaçar os interesses do Estado ou os lucros da classe dominante, a polícia irá se mexer para nos dispersar, nos prender ou nos bater; e isso é tão certo como afirmarmos que a noite vem depois do dia. É claro que os policiais, individualmente, podem ser movidos pelas suas convicções pessoais. Mas, como coloco acima, isso não muda sua relação política conosco e a necessidade de eles atuarem contra nós. Isso é seu trabalho e se recusarem a fazê-lo, eles (no fim das contas) perderão seus empregos. Um policial gentil não será um policial por muito tempo. Os esforços para conquistar a polícia podem ter sucesso sobre os indivíduos, que, como conseqüência, deixarão de ser membros da força policial. Nunca conseguiremos a cooperação da polícia enquanto força política, quando isso tiver alguma influência.

Segundo, o fato de a polícia ser, em última instância, apoiada pelas forças armadas do Estado, determina que qualquer tentativa de resistir ou de dominar a polícia por meio da violência irá, por fim, fracassar. Enquanto o Estado e a classe dominante estão seguros politicamente e podem conseguir manter a passividade da maioria da população, eles podem frustrar qualquer tentativa de ameaça por meios violentos. O Estado tem mais força repressiva sob seu comando do que jamais sonhamos em reunir. Isso não é uma posição pacifista. Temos todo o direito de utilizar a força nas tentativas de resistirmos à violência do Estado. Numa determinada situação em que um ato específico de violência contra o Estado atingirá um objetivo tático específico, sem provocar uma violenta repressão ou uma reação política desastrosa, teríamos justificativa ao cometê-lo. Porém, como uma estratégia política, em um período não-revolucionário, o esforço de acabar com o Estado por meio da força está condenado.

As origens de uma política anarquista que diga respeito à força policial, neste caso, estão em uma hostilidade consciente para com a polícia enquanto instituição, temperada com uma atenção às realidades táticas de lidar com ela. Reconhecer que a polícia é nossa inimiga de classe é um importante ganho de consciência política. No entanto, isso não significa negar que possam existir vantagens táticas em não enfrentar a polícia. De fato, enfrentar a polícia é um meio claro de obter mais incômodos aos manifestantes. Por isso, o enfrentamento nunca deve ser feito sem que haja necessidade. Porém, em nosso cuidado para evitar criar problemas desnecessários para nós, precisamos lembrar que a origem do confronto e da violência, que algumas vezes acontecem em torno dos policiais, está nos próprios policiais, quando tentam proteger uma ordem social injusta e fundamentalmente violenta.

Os Anarquistas e a Mídia

A outra importante área da política em que minha discussão sobre a ação direta tem conseqüências práticas significativas é na relação dos manifestantes com a mídia. Essa é uma questão que freqüentemente gera inflamadas discussões dentro dos grupos militantes e que pode ter um efeito significativo sobre suas políticas. Por outro lado, ao considerarmos as políticas de ação direta, podemos caminhar, de alguma maneira, em direção a um acordo sobre essa questão.

Conforme sugeri anteriormente, qualquer protesto em que os manifestantes estejam agindo com a única finalidade de chamar atenção da mídia ou mesmo sendo comandados pela mídia em suas tarefas, não é um caso de ação direta. Esses tipos de “ações para a mídia” não buscam propriamente tratar os problemas destacados, mas, ao invés disso, conseguir outras pessoas (normalmente o governo) para solucioná-lo. Assim, pelo que nos diz respeito, ao praticar a ação direta, devemos nos afastar desse tipo de envolvimento com a mídia. Não devemos ficar “representando” para as câmeras ou para os repórteres.

Contudo, pela razão do sucesso em atingir outras pessoas e convencê-las da eficácia das técnicas anarquistas ser um importante fator para uma ação anarquista bem sucedida, não podemos efetivamente ignorar a mídia. Lamentavelmente, o único contato que muitas pessoas têm com os acontecimentos políticos próximos a elas é por meio da televisão e dos jornais.

A partir desses dois fatos, eu acredito que surjam os primeiros elementos de uma postura anarquista em relação à mídia. Os anarquistas não devem nem ignorá-la e nem representar para ela. Ao invés disso, devemos nos manter sinceros à nossa própria política e buscar atingir nossos fins por meio de nossos próprios esforços. Enquanto fizermos isso, deveremos receber bem a atenção da mídia, que pode espalhar notícias de nossas atividades e ajudar assim a construção de um movimento anarquista. Quando cooperarmos com a mídia, devemos fazer isso sem comprometer a integridade de nossa própria política e sem deturpar a nós mesmos ou às nossas mensagens. Uma vez que comprometamos nossa política com a finalidade de chamar a atenção da mídia, não estaremos mais transmitindo o sucesso dos métodos anarquistas.

Concluindo, as vantagens da ação direta devem nos estimular a fazer o máximo uso de nossa própria mídia comunitária, em um esforço para levá-la aos outros. Ao invés de contarmos com a imprensa capitalista para comunicar a nossa mensagem às pessoas, deveríamos fazer isso nós mesmos. Televisões, rádios e jornais comunitários são exemplos de ação direta na mídia.


UMA NOTA FINAL

Esse artigo discutiu e defendeu a política da ação direta dentro do amplo contexto da finalidade de uma política anarquista. A ação direta tem muitas virtudes e é por isso que ela é, na essência, a anarquia em ação. Mas a ação direta não é a única maneira de ação política conveniente. Os anarquistas devem permanecer abertos às possibilidades de todo um espectro de métodos políticos. Qualquer forma de política que envolva as pessoas e que transforme suas consciências de maneira progressiva pode ser útil na luta para a construção de um movimento anarquista e, enfim, de uma revolução para a criação da anarquia. Para decidirmos quais movimentos e métodos políticos específicos merecem o nosso apoio, devemos trabalhar dentro das estruturas de uma política conscientemente anarquista e bem teorizada. Esse artigo pretende ser uma pequena contribuição para o projeto de desenvolvimento dessa estrutura.


Notas

[1] O autor é um australiano. (N. T.)

[2] Esse tipo de ação, conhecido em inglês pelo termo “tree spiking”, não tem uma boa tradução em português. É uma forma de sabotagem que consiste em introduzir uma barra de metal ou outros tipos de material (geralmente martelando-os) no tronco de uma árvore, com o objetivo de intimidar aqueles que têm o objetivo de derrubá-la. Apesar de ter sido desenvolvida no século XIX, essa técnica voltou a ser aplicada, com ênfase, pelos ambientalistas dos EUA na década de 1980. (N. T.)

[3] Essas reduções também são conhecidas, no Brasil, por “operação tartaruga”. (N. T.)

[4] As greves selvagens são aquelas feitas sem o consentimento dos dirigentes sindicais. É uma greve que não tem o sindicato “por trás”. (N. T.)

* Tradução Felipe Corrêa

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