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REVOLUÇÃO CUBANA

category américa central / caribe | a esquerda | opinião / análise author Friday February 20, 2009 02:33author by Júnior Bellé Report this post to the editors

MAIS À ESQUERDA QUE O CASTRISMO

Em 1º de janeiro de 2009 completa-se 50 anos da Revolução Cubana. Neste mesmo dia, em 1959, Fidel Castro destrona Fulgencio Bastista e torna-se o novo ditador da ilha. Este artigo trata das histórias desta revolução e daqueles que terminaram traídos por ela.
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REVOLUÇÃO CUBANA

MAIS À ESQUERDA QUE O CASTRISMO

Júnior Bellé

“Uma mudança política que apenas coloque as mesmas estruturas a serviço de um novo grupo social, de um partido ou de um chefe não muda para o trabalhador sua condição de explorado, e para o cidadão sua condição de dominado. Uma mudança como esta não é uma revolução social, a menos que se entenda como tal uma simples substituição de governantes através de um golpe de Estado ou de uma insurreição armada. E foi isso que aconteceu em Cuba: Bastista foi substituído por Castro. E para consolidar sua hegemonia e perpetuar-se no poder, Castro serviu-se de um pretexto ideológico, a ‘revolução’ marxista, identificando esta com a sua pessoa e vice-versa.”. Mas não era isso que Octávio Alberola pensava 50 anos atrás.

Alberola também estava no México quando os primeiros cubanos do M26J (Movimentos 26 de Julho, em homenagem ao dia do levante de Moncada e Bayamo) chegaram para o exílio, em 1955. A maioria deixou a ilha após a anistia do ditador Batista, que beneficiou inúmeros guerrilheiros dos ataques aos quartéis de Moncada e Bayamo, entre eles os irmãos Castro, Antonio López Fernández (conhecido como Mico López) e Gustavo Arcos. O bravo Camilo Cienfuegos e Mario Chanes de Armas em breve se incorporariam ao grupo, abandonando o exílio nos Estados Unidos. O México era o país perfeito para aninhar expatriados rebeldes: além de localizar-se a poucas horas de barco de Cuba, é conhecido por sua cordial hospitalidade com exilados políticos. O país foi o porto seguro para grande parte dos anarquistas que fugiram após o débâcle da Guerra Civil Espanhola, e muitos deles, juntar-se-iam ao M26J para lutar em Cuba. Este apreço pelos rebeldes é absolutamente compreensível: durante toda sua história o México combateu as mais diversas facetas do imperialismo, desde o mercantilismo espanhol até o esquizofrênico capitalismo norte-americano (vide o levante do Ejército Zapatista de Liberación Nacional, em 1º de janeiro de 1994). Sua Revolução acontecera apenas quatro décadas antes, heróis como Villa, Zapata e Flores Magón ainda reverberavam na memória do povo. Esse legado era a prova cabal que garantiria o carimbo de entrada na aduana para os guerrilheiros cubanos. A idéia de Fidel era reagrupar o M26J, e partir para Cuba somando forças para a revolução.

Octávio Alberola é um espanhol radicado nas lutas anti-franquistas. Vivia no México desde dezembro de 1939, quando aportou no país com seus pais e outros muitos refugiados espanhóis. Foi na universidade que teve contato com os primeiros exilados latino-americanos vindos da Venezuela, República Dominicana, Peru e Cuba. Foi com eles que, neste período, constituiu a Frente Anti-ditatorial Latino-americana, representando as juventudes anti-franquistas. Suas ações logo chegaram aos ouvidos dos rebeldes do M26J, que vislumbraram no grupo a possibilidade de um suporte propagandístico internacional, que sabiam ser tão imprescindível tanto durante quanto após a revolução. O acordo era que a Frente fornecesse instrumental de propaganda e solidariedade a partir do momento em que os revolucionários aportassem novamente em Cuba. Como “pagamento” a esta importante ajuda da Frente, o M26J prometeu contribuir com as guerrilhas que Octávio e seus confrades começavam a planejar junto aos exilados espanhóis das Juventudes Libertária e Republicana, que explodiriam no México em 1959. Octávio mantinha boas relações com membros da ALC (Associação Libertária Cubana) e passou a receber e ajudar exilados libertários que fugiam da ditadura de Batista por suas atividades clandestinas. A multiplicidade ideológica somava insígnias a cada novo exilado, e, por vezes, Alberola teve de abandonar a sua vida de que lhe é característica para conter os ânimos: “tive que intervir pessoalmente para evitar enfrentamentos violentos entre partidários do 26 de Julho e outros grupos opositores a Batista, que não aceitavam que lhes impusessem a liderança castrista. Sempre tratei de convencer a uns e a outros de que a luta contra ditadura deveria ser prioritária, que as ambições pessoais ou de partido deveriam ser mantidas em segundo plano. Por isso, ainda que no fim Fidel tenha imposto sua hegemonia e sua ditadura tenha se prolongado por tantos anos, continuo acreditando que nosso dever naquele momento era o de lutar, e o fizemos, contra a ditadura de Batista.”.

Naquele de apenas 26 anos e muitas aventuras arribava pela primeira vez em solo mexicano. Seu nome era Ernesto Guevara Lynch de La Serna. Contava-se três anos desde que o jovem Guevara iniciara um câmbio profundo em sua vida. Tudo começou em dezembro de 1951 quando ele e Alberto Granado decidiram conhecer a América do Sul abordo de uma Norton 500 cilindradas, conhecida como “La Poderosa”. Treze mil quilômetros após saírem de Buenos Aires, eles optam por encerrar a peripécia em solo venezuelano. Era julho de 1952, Granado foi para Caracas trabalhar num leprosário enquanto Guevara conseguiu enfiar-se num vôo de carga de volta a Rosário, na Argentina. Era um novo homem, marxista convicto e decidido a seguir mudando, crescendo como um ser humano comprometido. E isso incluía uma nova peregrinação, agora por Equador, Bolívia, Panamá, Costa Rica, Peru, Nicarágua, Honduras, El Savador e Guatemala. Neste último país recebeu o apelido de “Che” – expressão muito comum na Argentina e Uruguai para denominar “amigo” ou “camarada”. Lá conheceu Ñico López, tornaram-se amigos e emputeceram-se juntos assistindo o golpe orquestrado pela CIA para derrubar o então presidente decidiram que era hora de partir para a ação. Mas sem cometer os mesmos erros de Moncada.

Moncada e Bayamo

Era uma data estratégica para um levante, 26 de julho de 1953, período de carnaval em Cuba. Mesmo assim, tudo saiu completamente errado. Liderados pelos irmãos Castro e Abel Santamaría, cerca de 115 jovens guerrilheiros partiram para um ataque armado e longamente planejado contra os quartéis de Moncada e Carlos Manuel de Céspedes, em Bayamo. Entre estes jovens estavam Mario Chanes de Armas e Gustavo Arcos. Todos utilizavam uniformes semelhantes aos dos soldados batistianos, já que o plano era confundi-los e tomar Moncada de surpresa. Fidel alugou um Buick verde: passar-se-ia por general adentrando pelo portão três, junto a Gustavo Arcos. Em outro flanco da retaguarda chegaria Santamaría para finalizar o ataque. Raúl Castro ficou encarregado de conter o quartel em Bayamo, para que não fosse possível o envio de reforço. Não se sabe se por prévio aviso ou puro azar, no exato momento da ação, 400 soldados de Batista saiam de Moncada com comarcas comemorativas do carnaval grudadas nos uniformes. Os rebeldes não sabiam deste adereço e viram-se não apenas identificados, mas interceptados. E à bala. Iniciou-se um tiroteio, Fidel tentou atropelar os soldados com o Buick e acabou enfiando o carro no muro. Santamaría estava a par do fracasso, mas decidiu prosseguir para um ataque ainda mais frustrante. Por sua vez, os homens de Raúl também foram pegos em Bayamo: o ataque surpresa que haviam programado fora cancelado, pois o guia – um morador da região – desaparecera misteriosamente no dia anterior. Tentaram atacar assim mesmo e terminaram facilmente vencidos. No total, 18 rebeldes foram assassinados, e cerca de 70 presos, entre eles Fidel (encontrado uma semana depois escondido na Sierra Maestra), Raúl, Santamaría – que foi violentamente torturado, tendo um olho arrancado antes de ser morto – e Mario Chanes. Gustavo Arcos ficou gravemente ferido com uma bala alojada nas vértebras. Mas sobreviveu. A pena atribuída a Fidel foi de 15 anos, mas ele e outros guerrilheiros foram beneficiados por um indulto após 22 meses, e rumaram para o exílio no México.

REVOLUÇÃO EM DOIS FRONTES: O IATE GRANMA E OS SINDICATOS

O fato é que os rebeldes cubanos estavam se movimentando rapidamente no México. Os exilados passam a organizar-se para apoiar, ainda que à distância, os sindicatos que pressionavam fortemente o governo ditatorial na ilha, enquanto muitos outros se juntam ao M26J. Fidel parte para uma incursão pelos EUA e consegue 50 mil dólares divulgando os planos de sua Revolução “verde-oliva” para os ricos exilados cubanos: o objetivo declarado pelos rebeldes à população e aos “patrocinadores” não era transformar Cuba em uma ditadura, até porque os únicos líderes declaradamente comunistas até aquele momento eram apenas Guevara e Raúl Castro. A proposta revolucionária dos rebeldes – ao menos até Fidel conclamar-se ditador e estabelecer um regime marxista-leninista – era: promover uma profunda reforma agrária, retomar a constituição de 1940 (derrubada pelo golpe de estado de Batista), combater a corrupção e o analfabetismo, promover a modernização industrial, confiscar terras tomadas ilegalmente e restaurar a democracia.

Foi nesta época que os rebeldes descobriram Alberto Bayo, um velho combatente de tendência marxista durante a Guerra Civil Espanhola, em uma pequena fábrica de móveis no México. Ele foi então recrutado para ensinar aos cubanos a arte da guerrilha. Numa fazenda perto da cidade de Chalco, chamada Santa Rosa, Bayo ensinou os truques e manhas para utilizar a mata a seu favor, produzir bombas, manejar armas, destruir tanques, abater aviões etc. O relevo e a flora da fazenda reproduziam com certa semelhança as condições que encontrariam nas serras de Cuba.

Enquanto isso, na ilha, proletariado e campesinato concatenavam-se em seus organismos e sindicatos. A “gente da planície”, como eram chamados os resistentes das cidades – ligados ao M26J ou não –, avançavam com ações de propaganda e pressão política. As vertentes ideológicas que efervesciam nas cidades eram ainda mais díspares que no México.

“Os sindicatos e as milícias foram de extrema importância para o sucesso da revolução, combinados a outros fatores, entre os quais se destaca a insatisfação da população para com o regime de Batista. Além da classe operária, os camponeses e os estudantes também desempenharam papel relevante. Para alguns estudiosos, o papel dos camponeses foi determinante, pois conheciam bem a região da Sierra Maestra, o que teria favorecido a vitória da revolução”, explica a cientista social Priscila Morrone, responsável pelo estudo “Processo de Institucionalização da Revolução Cubana”.

Um dos “cabeças” da planície era Frank País, um nacionalista moderado, criador da Ação Revolucionária Oriental que em 1953 decidiu fundir-se ao M26J. Havia também José Echeverría do Diretório Estudantil Revolucionário, um anticomunista rebelde. Entretanto, talvez a principal sebe de resistência estava nos trabalhadores unidos em classe que pressionavam politicamente a ditadura de Batista. Alguns deles passaram a se encontrar na Rua Jesús María, 310. Lá se localizava a sede da ALC e a redação de um importante veículo de propaganda e confronto ideológico, o Solidariedad Gastronomica, com redação de Claudio Martínez, Casto Moscú, Juan R. Alvarez, José Rodriguez e Roberto Cabanellas. Nesta época, segundo Frank Fernández em seu livro “El Anarquismo en Cuba” (ainda sem tradução para o português), o jornal levava quase sete anos com periodicidade mensal quando a tensão revolucionária começou a borbulhar. “O problema é que havia muita desconfiança sobre a verdadeira ambição de Fidel, pois seus seguidores o queriam converter, ainda naquela época, num caudilho”, explica Alberola, que se mantinha muito próximo a ALC e seus exilados naquele período. Entretanto, o M26J contava com militantes anarquistas e, sem dúvidas, era o fronte da batalha. Cientes disso, seu dever revolucionário lhes dizia para apoiá-lo. Ainda assim, em 1956, quando o Granma já aportava em Las Coloradas, a ALC lança um comunicado intitulado “Projeções Libertárias” denunciando a ditadura de Batista e alertando para as atitudes arbitrárias vindas dos castristas.

Por sua vez, no México, os exilados davam os retoques finais no plano do Iate Granma (do inglês, “Grandmother”, que depois se tornaria o nome do veículo oficial do governo castrista). O barco era uma banheira velha que Fidel descobriu em Tuxpán, então propriedade de um norte-americano chamado Robert Bruce Erickson, custava 15 mil dólares que foram pagos por Carlos Socorrás, presidente conservador deposto por Batista que cumpria exílio nos Estados Unidos. O iate tinha capacidade para vinte ocupantes, mas os guerrilheiros somavam 82 (isso porque Gustavo Arcos teve de adiar sua ida por conta de graves problemas de saúde), fora armamentos e utensílios para agüentar os 2.2 mil quilômetros de viagem. Partiram no dia 25 de novembro de 1954 com previsão de cinco dias no mar. O problema é que com o iate superlotado e um motor pouco potente, o percurso mostrou-se mais demorado. O atraso foi de dois dias, mas o pior de tudo seria uma falha no rádio que impossibilitou que o Granma avisasse sobre os percalços aos companheiros da ilha. Esse simples problema de comunicação implodiu todo o planejamento: Celia Sánchez, uma “mulher da planície” responsável por apresentar Fidel a Huber Matos (um dos grandes nomes da Revolução), recepcioná-los-ia na praia de Nigero com 50 homens, jipes, armamentos e comida. Ataques contra quartéis ocorreriam concomitantemente, e Frank País estava encarregado de confrontar as instalações militares em Santiago de Cuba e Mocanda. As ações foram levadas a cabo, mas, além do atraso, o Granma acabou aportando em “Las Coloradas” – 25 mil quilômetros adiante em direção austral – pois havia sido avistado por um helicóptero. Sem o clímax, as preliminares não foram muito úteis. O Granma acabou encalhado num manguezal sem qualquer auxílio, a única vantagem aparente era o anonimato. Mas isto começou a mudar quando Tato Vega – um camponês da região – percebeu a movimentação estranha e se aproximou oferecendo-se como guia Sierra Maestra adentro, o que foi prontamente aceito. No dia cinco de dezembro, após mais de 48 horas na mata, Tato despediu-se e partiu, sua tarefa estava cumprida. Entretanto, mal sabiam os rebeldes que o camponês alertara a Guarda Rural de Batista sobre sua presença. Poucas horas depois os pelotões 12 e 13 pegaram os rebeldes numa emboscada surpresa e traiçoeira. Resultado: 70, dos 82 rebeldes foram assassinados. O azar de Batista foi que Guevara, Cienfuegos, Mario Chanes, e os irmãos Castro estavam entre os sobreviventes.

A REVOLUÇÃO CONHECE SEUS HERÓIS

No México, a Frente Anti-Ditatorial Latino-Americana matinha a palavra: “assim que aconteceu o desembarque de Fidel e Che em Cuba, no Iate Granma, meu contato com o M26J passou a ser com o Comandante De La Rosa. Organizei atos de propaganda e solidariedade, alguns deles junto à irmã mais nova de Fidel, e participamos da constituição do Movimento Espanhol em 1959 com jovens exilados espanhóis, muitos deles também haviam ajudado o M26J na luta contra Batista”, relembra Octávio. Enquanto isso, na Sierra Maestra, os rebeldes seguiam somando homens a suas fileiras, a maioria camponeses dispostos a lutar. É interessante notar que, na teoria marxista, os camponeses sempre foram tratados como sujeitos menores do ponto de vista da pragmática revolucionária. Seu status de proprietário de terras e detentor dos instrumentos de trabalho delegava-lhe a alcunha de “pequeno burguês”. Ainda assim, o campesinato sempre foi um suporte imprescindível para os levantes insurrecionais, desde a Rússia até Chiapas. E em Cuba não foi diferente: eles não apenas engrossaram quantitativamente o movimento rebelde, mas qualificaram-no a partir de seu conhecimento geográfico das serras, da intensa sensibilidade que lidam com a mata e, principalmente, através do furor insurrecional que partilham com a justiça.

Em 1958, diretamente da selva, os rebeldes ganham um importante aliado, tão potente quanto uma artilharia anti-aérea: sob a direção de Guevara, a Rádio Rebelde entra no ar com um alcance razoável que logo se estenderia para todo o território. Outro fato importante ocorre em março do mesmo ano: um ferrenho revolucionário desembarca num avião de carga no relevo da Sierra Maestra. Era Huber Matos – que se tornaria um dos principais nomes da revolução. Ele vinha da Costa Rica e trazia consigo armamentos e homens. Foi saudado por Castro e seus soldados e, pela coragem, recebeu a honraria de comandante. A chegada e a bravura de Matos foram fatores cruciais para a vitória rebelde. Além do mais, como escreve Fernández em “El Anarquismo en Cuba”: “em meados de 1958 a burguesia compreende que Batista e todo o seu aparato repressivo está a ponto de perder o poder. Os interesses norte-americanos e cubanos estão em perigo e já não consideram o ditador como um aliado. Unidos numa frente comum de interesses, estes setores decidem apoiar econômica e politicamente a rebelião. Castro obtém vários milhões de dólares em doações para comprar mais armas como prêmio pela sua resistência nas montanhas de Oriente por quase dois anos. Os fundos para a causa revolucionária, que alcançaram alguns centos de milhares de dólares, foram doados entre setembro e novembro de 1958 por várias firmas de negócios capitalistas importantes, tais como os Hermanos Babún, a indústria do rum Bacardi, industriais, comerciantes, donos de centrais açucareiras, ou seja, a alta burguesia e os capitalistas cubanos. Atuaram pensando em seus interesses afetados pelo conflito, opostos à ditadura de Batista, e de passo para ganhar a simpatia dos rebeldes”.

A estratégia foquista utilizada pelos rebeldes era perfeita para a topologia da ilha, mas se mostrou inútil posteriormente no Congo e Bolívia – incursões lideradas e fracassadas por Guevara. Raúl Castro agregava aliados e suportava com certa tranqüilidade o setor oriental – com a ajuda de militantes como Luis Lunsuaín, anarquista próximo da ALC. Nesta posição ele não colaborava na resistência, mas comandava com maestria a fileira mais avançada dos rebeldes. Guevara e Cienfuegos compunham a região central da Sierra Maestra, onde militava Plácido Méndez – ilustre militante libertário também simpatizante da ALC – e sabotavam instalações que proviriam os quartéis centrais batistianos.

Enquanto isso, nas cidades, a pressão proletária ganha ares insurrecionais, expressos em especial pelas poucas publicações que logravam seguir circulando em tempos de censura, prisão, torturas e assassinatos. Os rebeldes ganhavam força na selva, em certa medida, pois os trabalhadores seguravam as investidas ditatoriais nas cidades. Frank Fernández em “El Anarquismo en Cuba” escreve sobre uma destas publicações, talvez a mais importante do ponto de vista libertário: “Com a dificuldade dos tempos sombrios, Solidaridad Gastronómica continuava sendo publicado mensalmente, respondendo, como de costume, à defesa dos libertários em geral (...). Dirigiam a publicação Juan R. Alvarez, Domingo Alonso e Manuel González, todos de boa origem libertária. A redação, no final dessa década, continuava em Jesús Maria, 310, sede da ALC”. As várias incursões repressivas do governo nunca tiveram eficácia contra a sede da ALC, isso conferiu uma aura de segurança que se espalhou por diversos setores da luta revolucionária nas cidades. Também por conta do sucesso e agressividade propagandística do Solidariedad, a sede na Jesús María passa a ser abrigo para reuniões de diversos destacamentos, desde o Diretório Revolucionário até o próprio M26J.

Percebendo o avanço rebelde, Batista resolveu lidar com o assunto da maneira mais simples: varrendo-os do mapa com a chamada Operação Verano. Destacou uma frota de dez mil homens bem armados e mal treinados, força aérea e tanques para combater aqueles que, na época, somavam 300 guerrilheiros. Mas, desta vez, tudo saiu errado para Batista. Os ensinamentos de Bayo foram cruciais na resistência rebelde, que nem precisou deslocar o fronte de Raúl Casto para os auxiliar, tamanha foi a facilidade e a virulência com que os rebeldes opuseram-se ao ataque. Grande parte desta vitória se deve, novamente, aos camponeses, que não apenas somaram-se à resistência num momento de crise, mas também ofereceram abrigo, dados, informações e todo o apoio necessário para a vitória do M26J.

O fracasso visceral de Batista mostrou sua incapacidade e também o quão vulnerável era seu exército. Percebendo isto, Fidel ordenou que as tropas avançassem rumo à capital. Che e Cienfuegos foram enviados para Santa Clara. Cienfuegos partiu com apenas 60 homens mas, durante o trajeto, uma vez mais, contou com total apoio dos camponeses chegando para a batalha com um pelotão de quase 500 homens. Quando Che e Cienfuegos tomaram Santa Clara, a notícia da derrota iminente chega até Batista. Sem mais recursos, o ditador foge em 30 de dezembro levando 40 milhões de dólares consigo para a Espanha franquista. Sem comando nem moral, o caminho está livre para os irmãos Castros rumarem até a vitória em Santiago de Cuba, já que, naquela cidade, Huber Matos coordenou a frente de batalha e o cerco. O caminho para Havana não foi uma batalha, mas uma comitiva, a marcha da vitória da revolução.

A REVOLUÇÃO CONHECE SEUS VILÕES

Em 16 de fevereiro de 1959, Fidel Castro assume o cargo de primeiro-ministro de Cuba. Os primeiros passos no pós-revolução foram, de certa forma, consensuais: baixa de 50% nos aluguéis, 30% na taxa de luz, 25% nos livros escolares, confisco dos bens de Batista e seus parceiros, intervenção em empresas suspeitas de favorecimento ilícito. Mas a principal renovação aconteceu em 17 de abril de 1959, uma profunda reforma agrária escrita pelo então comandante do Exército Rebelde, Humberto Sorí Marín: todas as propriedades com mais de 420 hectares foram repartidas, o que deixou os norteamericanos emputecidos, já que 75% de toda área cultivável da ilha lhes pertencia. Com tais medidas, cerca de 255 mil cubanos que compunham a elite fugiram para os Estados Unidos entre 1959 e 1961.

Até este momento estava tudo dentro do acordo, incluindo neste bojo a necessária reforma agrária. Entretanto, aqueles eram anos de Guerra Fria, bipolaridade. Então as coisas começaram a guinar para um autoritarismo que muito lembra a URSS de Stálin. Castro aproximou-se de Nikita Kruschev num acordo econômico bastante interessante: a URSS ofereceu crédito, petróleo e alimentos ilimitados e ainda, de brinde, comprometeu-se a importar cinco milhões de toneladas de açúcar de Cuba até 1965.

Sendo assim, a tensão aumentava entre Havana e Washington. O presidente Eisenhower assinou um plano anti-Castro e ordenou o boicote econômico; em oposição a este ato, Castro nacionalizou os bancos e petrolíferas da ilha, grande parte norte-americana como Texaco, Shell e o City Bank. Em 03 de janeiro de 1961, os EUA cortam oficialmente relações com Cuba e, em 15 de abril do mesmo ano, o jovem e recém-eleito presidente Kennedy autoriza a estúpida e fracassada tentativa de invasão pela Baía dos Porcos. Era tudo que a Revolução Cubana não precisava. Muito menos seus revolucionários não-castristas.

A Nova Cara de uma Revolução Traída

Em 1º de maio de 1961 – o Dia do Trabalhador – Fidel Castro, pela primeira vez, afirma que Cuba é um país socialista, de tendência marxista-leninista, revogando as eleições diretas e conclamando-se O Ditador. A partir deste momento, o molde ideológico estava dado e a história já demonstrara em tinta de sangue o que aconteceria caso alguém fosse tachado de “contra-revolucionário”: “Uma acusação de ‘contra-revolucionário’ é uma passagem à prisão ou uma viagem ao paredão de fuzilamento”, escreve Frank Fernández. Esta atitude, que desencadearia a perseguição, morte ou exílio de muitos deu carta branca para que Fidel liquidasse violentamente toda a oposição interna a seu governo, fosse conservadora ou libertária. No México, a ajuda que a Frente esperava nunca chegou. Em contrapartida, muitos companheiros exilados aportaram no país de Zapata fugindo daqueles que, anos atrás, eram seus companheiros. “Para consolidar sua hegemonia e perpetuar-se no poder, Castro serviu-se de uma cartada ideológica, a ‘revolução marxista’, identificando esta à sua pessoa e vice-versa. Ele não foi o primeiro a dar essa cartada, antes Stalin, Mao e muitos dos chefes das lutas de descolonização na Ásia e África já o haviam dado para chegar ao poder e perpetuar-se nele. Daí que, como todos esses casos, em Cuba também esse tipo de revolução significou somente a imposição de uma ditadura totalitária e de capitalismo de Estado. Ou seja, os trabalhadores obedecendo e trabalhando. O poder e os privilégios para os burocratas, com sua nova nomenclatura”, sublinha Octávio.

Em Cuba, o Solidariedad Gastronómica e a ALC entram na clandestinidade. Era o fim da liberdade de pensamento e imprensa. Os sindicatos tentaram rebelar-se, mas estavam atados ao Estado. O fato foi que, ainda antes de Fidel declarar Cuba socialista, o CTCR (Confederación de Trabajadores de Cuba Revolucionaria) fora tomado por lideranças do PCC (Partido Comunista Cubano) em seu X Congresso, conhecido como o “Congresso das Melancias” (verde-oliva por fora, a cor do M26J; e vermelho por dentro, a cor do PCC). Mesmo após pressão e discursos inflamados de Raúl Castro e Martinez Sánchez, o PCC não logrou firmar “candidatura única”, que representaria delegados dos sindicatos independentes, do M26J, e do próprio PCC. A manobra macabra não funcionou a priori, entretanto, como escreve Frank Fernández, sabendo da importância vital daquele congresso, Fidel se deslocou pessoalmente até a reunião e conclamou a todos a “defender a revolução” através de “líderes verdadeiramente revolucionários”. Ou seja, os líderes do PCC. E assim estava imposta a amarra governamental que calou os sindicatos cubanos. Alguns anarquistas tentaram rebelar-se em armas: os focos guerrilheiros estavam em diferentes partes, em especial na Serra Ocidental, perto de Havana. Somaram-se militantes às frentes de Pedro Sánchez, em San Cristóbal, e de Francisco Robaina, na própria Serra Ocidental. Os focos foram rapidamente destruídos pelo exército de Castro.

A REVOLUÇÃO DESCONHECE SEUS HERÓIS E VILÕES

No levante libertário, segundo relato de Casto Moscú em “El Anarquismo en Cuba”, foram assassinados: “‘Rolando Tamargo e Ventura Suárez, fuzilados; Sebastián Aguilar filho, assassinado a tiros; Eusebio Otero apareceu morto em sua casa; Raúl Negrín, acossado pela perseguição, se suicidou ateando-se fogo’. Por outra parte, além de Moscú, foram detidos e condenados a penas de prisão os seguintes companheiros: Modesto Piñeiro, Floreal Barrera, Suria Linsuaín, Manuel González, José Aceña, Isidro Moscú, Norberto Torres, Sicinio Torres, José Mandado Marcos, Plácido Méndez e Luis Linsuaín, oficiais estes dois últimos do Ejército Rebelde (Exército Rebelde). Francisco Aguirre morreu na prisão, Victoriano Hernández, doente e cego pelas torturas carcerárias, suicidou-se; e José Alvarez Micheltorena morreu poucas semanas antes de sair da prisão”. Casto Moscú, como citado acima, foi preso na sede da ALC – que abrigara membros do M26J durante a revolução. Logrou um indulto e rumou para o exílio no México.

Humberto Sorí Marin, comandante do Exército Rebelde desde a Sierra Maestra, foi o responsável por escrever o projeto de reforma agrária levada a cabo por Castro em 1959. Era anticomunista e foi acusado de “conspirar contra a revolução”. Apesar de conhecer Fidel há mais de 50 anos, foi fuzilado em abril de 1961 com mais de 20 disparos.

Mário Chanes de Armas lutou ao lado de Castro desde o levante de Moncada e foi um dos sobreviventes na emboscada após o desembarque do Iate Granma. Percebendo o rumo autoritário e ditatorial do pós-revolução, Chanes foi incisivo em suas críticas e por isso terminou condenado por “conspirar com palavras”. Fidel ainda o acusou de o tentar matar, mas nunca logrou sequer uma prova contra Chanes. Ainda assim, Chanes foi condenado a 30 anos de prisão, a pena mais longa dada a um prisioneiro político até hoje. Lá soube do nascimento e morte de seu filho Mario, assim como o falecimento de seu irmão. Apenas pouco tempo depois de sua segunda condenação, em 16 de julho de 1991, conseguiu a permissão para seguir para o exílio. Morreu em 2006.

Gustavo Arcos participou do levante de Moncada no mesmo Buick que Fidel, ocasião em que levou um tiro nas vértebras e quase terminou paraplégico. No México foi cortado do Iate Granma por sua condição de saúde. Após o triunfo da revolução, Arcos tornou-se embaixador de Cuba em Bruxelas. Atento aos rumos ditatoriais de Castro, opôs-se publicamente ao ditador e terminou condenado a 10 anos de prisão, cinco deles cumpridos em cárcere privado. Cumprida sua pena, pede permissão legal para deixar a ilha, mas o pedido é negado. Tenta fugir num bote e acaba novamente preso, condenado a mais 14 anos de prisão. Arcos cumpriu integralmente sua pena, morreu aos 79 anos em Havana, no ano de 2006.

Huber Matos, o comandante responsável pelo cerco em Santiago de Cuba, foi nomeado Comandante do Exército da província de Camagüey logo após a vitória da revolução. Começou a discordar de Castro assim que este declarou Cuba marxista-leninista. Enviou uma carta de demissão ao ditador, que negou seu pedido. Tempos depois remeteu uma segunda carta de renúncia, que Castro respondeu com o envio de seu ex-companheiro, Camilo Cienfuegos, com a ordem de o encarcerar. O objetivo, segundo se sabe, era seu fuzilamento, entretanto Castro não o queria transformado em mártir. Foi condenado a 20 anos por “Traição e Sedição”, a maioria cumprida na Ilha de Pinos, a mesma onde Fidel esteve preso após o levante de Moncada. Cumpriu integralmente sua pena e hoje vive nos Estados Unidos.

A REVOLUÇÃO CUBANA POR OUTRO ÂNGULO – LIVROS E ARTIGOS

Cuba: la compleja coyuntura – Haroldo Dilla

Cuba: el curso de una transición incierta – Haroldo Dilla

Cuba: una revolución frustrada – Humberto Decarli

La resurrección de Che Guevara – Samuel Farber

Haroldo Dilla and the Cuban Revolution – Louis Proyect

Cuban Anarchism – Frank Fernández

Havana Nocturne – William Morrow

Fidel: Biografi a a Duas Vozes – Ignacio Ramonet

Alina: Memórias da Filha de Fidel Castro – Alina Fernández

Revolución y dictadura en Cuba – Abelardo Iglesias

El Che Guevara – La Biografia – Hugo Gambini

Che Guevara – A Vida em Vermelho – Jorge G. Castañeda

Camilo Cienfuegos – Carlos Franqui

Testimonios sobre la Revolución Cubana – Agustín Souchy

A REVOLUÇÃO CUBANA POR OUTRO ÂNGULO – SITES

http://www.anarkismo.net/article/3559 - Entrevista com o neto de Che, Canek Guevara, hoje anarquista heterodoxo e membro do Movimento Libertário Cubano.

http://cubaarchive.org/ ou http://baracuteycubano.blogspot.com/2008/07/los-muertos-de-la-revolucion-son.html - Estudo quantitativo e comparativo entre os mortos durante o período revolucionário (1952 - 1958: 2.741), e durante a ditadura castrista (até junho de 2008: 8.291).

http://www.cubanet.org/ref/dis/09110701.htm - Carta Póstuma de Miguel Angel Quevedo.

http://www.nodo50.org/fau/documentos/docum_historicos/docum_fau.htm e http://www.nodo50.org/fau/documentos/docum_historicos/docum_fau_2.htm - Análise da Federação Anarquista Uruguaia sobre a estratégia de guerrilha chamada “foquismo”, utilizada pelos rebeldes durante a Revolução Cubana.

Agradecimentos

A Frank Fernández pela paciência em responder meus e-mails. A Octávio Alberola pelo detalhado relato e pela cordialidade. A Karina Patrício e, especialmente, a Felipe Corrêa pelos contatos, livros, pitacos e pelo “El Libertario” de setembro de 2004, através do qual tive acesso aos primeiros relatos e idéias de Alberola.

* Júnior Bellé é militante da Pró-FASP.

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